Análise sobre primeiros passos da transição de governo do MA

 Por Jhonatan Almada, historiador e quadro técnico da Universidade Federal do Maranhão (UFMA)

Jhonatan Almada

Tenho acompanhado o processo de transição do governo no Estado do Maranhão, sobretudo pela imprensa e blogs. Elogie-se a transparência do governador eleito Flávio Dino ao divulgar nas redes sociais os nomes de sua equipe de governo. O pioneirismo é claro. Essa transparência contrasta com as especulações dos vencidos a nomear seu secretariado sem consultá-lo ou jogar nomes aleatoriamente para queimar reputações.

O principal problema desse processo é que não existe marco regulatório da transição governamental no Maranhão. Poucos estados da federação possuem, entre eles, Piauí (Lei Nº 6.253, de 22 de agosto de 2012), Minas Gerais (Lei Nº 19.434, de 11 de agosto de 2011) e Pernambuco (Lei Complementar Nº 260, 6 de janeiro de 2014). Sem dúvida a de Pernambuco, sancionada pelo então governador Eduardo Campos é a mais avançada, sobretudo ao estabelecer os documentos e informações a serem disponibilizados ao governo eleito, os procedimentos a serem seguidos e os prazos a serem cumpridos pelo governo que termina.

A única referência legal que se tem aqui é o disposto no Art. 156 na Constituição Estadual de 1989 que estabelece o fornecimento de um Relatório de Transição no caso das transições entre prefeitos. O prefeito eleito deve receber esse Relatório em 10 dias úteis, contados da proclamação dos resultados das eleições. O prefeito em final de mandato tem que fornecer um conjunto de informações imprescindíveis para o bom andamento do novo governo. Isso raramente ocorre, a maioria dos prefeitos não cumprem. Entretanto, existindo lei, o descumprimento pode ser enquadrado como improbidade administrativa, o mesmo não ocorre no âmbito estadual.

O governador eleito Flávio Dino tem a oportunidade de construir marco regulatório da transição de governo do Maranhão, instituindo algo que terá fundamental importância não só para seu governo, mas para todos os governos estaduais.

Essa ausência de marco regulatório vem acompanhada da fraca tradição em termos de respeito ao sentido político e republicano da transição de governo. Em palestra apresentada pelo professor Fernando S. Coelho (USP) no Fórum do Conselho Nacional de Secretários de Administração (CONSAD) são relatadas as principais estratégias e experiências em termos de transição de governo para a consolidação de reformas.

Segundo o referido professor não realizar a transição, indicam os relatórios da Controladoria Geral da União (CGU), implica em contratos de prestação de serviços vencidos, venda de maquinários, deletamento de sistemas de informação (sumiço de HD), desaparecimento de documentos e materiais, falta de informação sobre convênios, finanças e pessoal, ocasionando improviso na agenda dos primeiros meses do governo.

O caminho é institucionalizar a transição de governo como Política de Gestão Pública com o objetivo de garantir a democracia e a alternância de poder; primar pelo republicanismo e o interesse público, fortalecer a governança e a accountability (dever de prestar contas), respeitar o ciclo de gestão das políticas públicas e sua continuidade.

A principal experiência de transição de governo no Brasil foi a realizada entre os presidentes Fernando Henrique Cardoso e Lula da Silva. O marco regulatório instituído é formado pela Lei Nº 10.609, de 20 de dezembro de 2002, Decreto Nº 7.221, de 29 de junho de 2010 e Decreto Nº 4.199, de 16 de abril de 2002. Essa transição, ainda segundo o professor Fernando S. Coelho (USP), se tornou referência internacional para a América Latina e foi adaptada no México na transição entre o governo de Felipe Calderón e Pieña Nieto em 2012.

Essa transição foi analisada por Cátina C. Cosa e Helenice Andrade do Observatório Universitário do Instituto Data Brasil, as quais produziram o Documento de Trabalho Nº 10 da Série Estudos de Políticas Públicas, intitulado “Governo de Transição FHC-LULA: constituição, funcionamento e resultados dos trabalhos realizados pela equipe de governo de transição FHC-Lula”. As autoras informam as regras do governo de transição: 1) O governo FHC estava obrigado a fornecer informações à equipe petista; 2) O grupo petista teria de manter sigilo de certas informações; 3) As decisões de responsabilidade da atual administração não seriam compartilhadas; 4) Decisões “relevantes” e cujos efeitos extrapolassem a data de 31 de dezembro de 2002, seriam discutidas com o governo de transição; 5) Se não houvesse concordância, o atual governo escolheria entre não tomar a decisão até o fim do ano, se possível ou tomar a decisão de acordo com sua opinião; 6) A opinião dos petistas seria “preponderante” em casos específicos, como mudanças de metas econômicas acertadas com o FMI; e 7) A troca de informações ocorreria principalmente entre o interlocutor oficial de cada ministério e o funcionário indicado pelo presidente eleito.

Em face disso, observo que o Governo Roseana Sarney compreende a transição somente como fornecimento de informações e documentos. Não é isso. As decisões relevantes não podem ser tomadas sem discussão prévia com o governo eleito, sobretudo em temas-chave ou questões controversas, a exemplo de sanção de leis, expedição de decretos ou portarias, aprovação de projetos de lei, renovação de contratos, convênios e o orçamento de 2015, este último claramente terá impactos durante o primeiro ano do governo eleito.

As referidas autoras informam ainda que a equipe de transição era constituída por um coordenador geral e 5 coordenadores específicos chefiando equipes 4 a 6 pessoas em média (Equipe de Gestão e Governo; Equipe de Desenvolvimento Econômico; Equipe de Políticas Sociais; Equipe de Empresas Públicas e Instituições Financeiras do Estado; Equipe de Infra-Estrutura). Essas equipes produziram relatórios setoriais, posteriormente, sistematizados no relatório final da transição.

O governador eleito Flávio Dino está organizando sua equipe de governo e já formalizou sua equipe de transição, alguns nomes coincidem nas duas. O coordenador é o deputado estadual Marcelo Tavares. A equipe é constituída por Márcio Jerry, Carlos Eduardo Lula, Rodrigo Lago e Aline Louise. Segundo consta, conforme novos nomes forem indicados para o governo essa equipe irá se ampliando.

Vejo com muita preocupação o andamento da transição do governo, as sinalizações até agora emitidas pelo Palácio dos Leões não são nada animadoras. A oportuna inexistência de marco regulatório poderá fazer a governadora Roseana Sarney tratar com descaso esse processo, ignorar solicitações ou atrasar o máximo possível seu atendimento. É lamentável. A incivilidade da transição reforça o legado negativo do governo que termina e planta óbices incontornáveis ao governo eleito.