Luciano Martins Costa: A objetividade mitológica

A Folha de S. Paulo inaugura na edição de quinta-feira (25) uma coluna que comemora os 25 anos da instituição do ombudsman na imprensa brasileira. O artigo, sob o selo “Ombudsman por um dia”, tem o propósito de oferecer reflexões variadas do jornal sobre si mesmo.

Por Luciano Martins Costa, para o Observatório da Imprensa

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Trata-se, portanto, de uma oportunidade para observar como, do ponto de vista das sete personalidades escolhidas, a Folha tenta ser – ou não – o jornal “que não dá para não ler”, conforme afirma em sua propaganda, ou “um jornal a serviço do Brasil”, como diz seu slogan mais antigo.

Serão sete oportunidades para essa suposta autocrítica, a serem feitas, entre outros, pelo jurista Joaquim Barbosa, ex-presidente do Supremo Tribunal Federal, o cartunista João Montanaro, o publicitário Nizan Guanaes e a atriz Fernanda Torres. A estreia coube ao filósofo Hélio Schwartsman – e ele demonstra, com profunda honestidade intelectual, o que diferencia um jornalista dos demais especialistas das chamadas ciências humanas.

O texto, intitulado “A objetividade possível”, já denuncia de saída como a reflexão produzida fora do campo específico da comunicação pode se desviar por labirintos mitológicos.

Todo jornalista com razoável formação acadêmica sabe que o jornalismo não concebe uma objetividade “possível”, assim como não acredita na suposta “isenção” – a objetividade é simplesmente a justificativa moral do jornalismo. O jornalista persegue a objetividade sabendo que não há um ponto no qual se possa dizer que ela foi alcançada – portanto, corre atrás daquilo que reconhece como sendo uma impossibilidade. Essa é, aliás, a matriz de todas as angústias do jornalista.

Estamos falando, obviamente, do jornalista profissional consciente de suas atribuições, que reconhece as limitações de sua atividade, e no entanto levanta-se todos os dias com a disposição de garimpar indícios de realidade em meio à natural complexidade das interpretações possíveis.
O jornalismo tem as funções básicas de informar, entreter e educar, sendo este seu papel mais nobre – que consiste em ajudar o indivíduo a construir um pensamento da realidade o mais próximo possível da natureza da realidade.

A Folha é honesta. Ou não

A honestidade intelectual do ombudsman acidental faz do seu texto uma declaração de impotência, mas num campo alheio ao da reflexão que ajuda a compreender o jornalismo. Sua fixação no conceito kantiano de uma realidade objetiva, que se estende além de nossos meios subjetivos de percebê-la, conduz a simplificações que prejudicam o propósito de analisar o papel do ombudsman: diferente do filósofo, o jornalista não faz esse questionamento – ele se lança em direção ao ideal da objetividade sabendo que não irá alcançá-la, mas impulsionado pelo desejo de se aproximar dela.

O filósofo acha que a subjetividade abala os alicerces do jornalismo. Errado e oposto. A consciência da subjetividade é que faz do jornalismo uma atividade instigante, porque tanto o jornalista quanto o leitor, ouvinte ou telespectador sabem que a mensagem será entregue quando ambos encontrarem, no campo imenso das subjetividades, o ponto comum que desejam, em que reconhecerão um padrão aceitável de objetividade. No entanto, se o jornalismo for de boa qualidade, mesmo nesse espaço exíguo haverá divergências.

Uma das causas que têm provocado a queda na qualidade do jornalismo praticado pela mídia tradicional no Brasil é justamente a ilusão de que se pode construir espaços de acomodação convergente no “infooma” específico de um jornal, associada à pretensão de que ali se produz uma síntese do ecossistema da informação. Essa ilusão – ou pretensão arrogante – transforma a imprensa num espaço homogêneo, onde predomina um viés que desfaz a justificativa moral da atividade jornalística.

Isso nos conduz aos dois últimos parágrafos, onde o “ombudsman por um dia” diz o que pensa sobre a própria Folha de S.Paulo. Ele está convencido de que “como princípio, a Folha busque apresentar relatos tão honestos quanto possível”, mas reconhece que ela “erra no varejo”.

Pode-se afirmar o contrário, com o mesmo conjunto de argumentos. Por exemplo, todos os domingos o jornal produz material opinativo disfarçado de reportagem, o que extrapola a noção de “varejo”. A honestidade intelectual também tem suas subjetividades.