Rilton Primo: O profetizado ascenso pan-marinista

A ciência da guerra, antes da própria ciência, tem sido a arte de se antecipar às probabilidades. Eras foram necessárias ao desenvolvimento da estatística matemática, das análises de regressão estocásticas, da contemporânea teoria do caos condicionado por gradientes fractais. Claro que exércitos inteiros pereceram em nome de causas perdidas no encalço da futurologia.

Rilton Primo*, para o Portal Vermelho

Rilton Primo 01 - Reprodução

Nós comunistas somos acusados de “ateísmo”. Guerras anticomunistas do Vaticano e Hitler. Batalha de Stalingrado contra os invasores crédulos de Roma e pios generais do império teuto. Cerimônia da vitória em Moscou, em dia chuvoso; as lamas das ruas varridas com as suásticas. Mas a fé, aquela que nunca removeu montanhas sem uso da mão de obra humana e de seus instrumentos de trabalho deliberadamente concebidos para remover montanhas, ainda existe.

Ontem fomos ao cinema reler Hércules. Talvez a cena mais irônica tenha sido a do profeta que sabia quando e como morreria. Salvo, todavia, por um falso semideus, indignou-se com ele (retoricamente) pois era seu destino, conforme a mensagem de Deus relevada a si! E… riu-se.

Claro que a psicanálise, o marxismo, a ciência em si, também explica o fato das crenças infundadas como sintomas. Quanto mais o homem atribui a Deus, tanto menos lhe resta; a religião é apenas o sol fictício que gira em torno do homem enquanto ele não descobriu como girar em torno de si mesmo. A ciência não é uma ilusão; ilusão é procurar fora da ciência o que ela nos proporciona. O homem só deixa de ser escravo da natureza submetendo-se a ela. Freud, Marx, Bacon e nós. Claro que existe a liberdade de culto, seja o deus qual for.

Homem mais sábio de seu tempo, Sócrates foi condenado à morte por louvar deuses endemoniados. Consta na história que aos falsos profetas aplicava-se a pena de morte, na Lei Moisaica e tantas outras. Todavia nós exigimos o direito de reler nossos próprios mitos, e vaticinar contra as próprias profecias. Sim. Também o profeta (no feminino profetisa, do grego: πρoφήτης, prophétes) nos mentira, talvez todos eles.

Antes os profetas não passavam de adivinhos e, em I Samuel 9:9 (A.T.), são chamados videntes. Refeitos autoridades religiosas de influência sócio-política, os profetas converteram-se em conselheiros e instrutores da Lei de Deus. Todo genocida imperialista tinha bruxo, oráculo, Rasputins. Quando se cansavam deles os remetiam aos deuses, nas covas dos leões e das hienas famélicas.

Hoje a pena de morte para os falsos profetas foi comutada para sansão civil ao crime de estelionato. Isto no mundo laico, onde os profetas e seus acólitos têm isenções fiscais dizimistas e outras bênçãos. Nos Estados religiosos é compreensível que os erros de futurologia sejam corrigidos descarnando-os.

Já nos Estados laicos, um alemão disse que os profetistas perdoam mais facilmente ataques contra 99 dos seus cem artigos de fé que contra 1/99 de suas sinecuras, laudêmios, dízimos, alugueis, lucros etc. Estaríamos em melhor situação se isto fosse verdadeiro, mas trememos por nossas almas. Pois os maus profetas são quase sempre os da religião do vizinho, cabendo aos estatísticos ser eremitas.

Alguém ali foi detido por “exercer ilegalmente a medicina”, inspirado por onisciente e santo Deus-Pai. Mais aquém, religioso é flagrado cometendo abuso da inocência de menores e mocinhas penitentes. Logo adiante, toda uma cáfila é desmontada por vender lotes no céu, sem escritura. Orgia no Vaticano, cai o Papa. O Bento quer sair. Há até profetas do passado, reescritores da história dos nazi-fascismos.

No Código Penal (CP) Brasileiro pode-se alegar o quê contra os maus profetas, charlatões e patifes? Nenhuma pena de morte, nem uma das cem chibatadas. O CP é claro: o ilusionista assalariado, como um mágico de circo, o ator de teatro e o poeta de púlpito, que fingem sentir a dor que deveras sentem, são inimputáveis, pois oferecem a ilusão como tal, de forma distrativa, seu mito reforçando a verdade. Já o mágico que quer ser mago, operador de curas impossíveis, milagres, levando, por uso e abuso da credulidade, vantagem econômica ou economicamente mensurável, salvo se estiver em alguma igreja que o faça em atacado (ai das magias varejistas), comete crime de estelionato, qualificado pelo ato de "obter, para si ou para outro, vantagem ilícita, em prejuízo alheio, induzindo ou mantendo alguém em erro, mediante artifício, ardil ou qualquer outro meio fraudulento”, sendo sua pena cominada de 1 a 5 anos e multa, sendo aumentada de um terço (1/3) se o crime é cometido em detrimento de entidade de direito público ou de instituto de economia popular, assistência social ou beneficência. Denuncie!

Para trás ficaram as marcas da cruz, a nudez sem véus diante da Santa Inquisição. Como é difícil tornar-se herói, só quem tentou sabe como dói vencer Satã só com orações. O Aldir Blanc ora a seu modo. Psiquiatra, receitou Dilma em 2010, mas não deixou de ficar mais herege com as barbeiradas do PT.

Covardes e apóstatas do passado, ora travestidos de vanguarda, nos fazem, claro, olhar pro céu. Oremos nosso anti-credo às forças retrógradas da Nova Política: Ó Marina concebida sem pecado, rogai por Eduardo Campos, que recorreu à Petrobrás. Marina vossa que está em um apartamento oficioso, mais votado seja o vosso nome, venha a nós, a vosso espólio. Seja feita a vossa camarilha, assim na campanha como na Presidência. O pão nosso de cada dia nos prometei hoje, perdoai as nossas desconfianças, assim como nós te perdoamos por ter nos traído. Não nos deixei cair em contorções de legendas partidárias, mas livre-nos do seu novo Código Moral, amém! Oxalá! Axé, axé!

Fiéis à ciência, hoje conhecemos os banqueiros do Brasil! Junto com o Brasil das brasileiras e brasileiros. Com o Banco Central independente, conhecerás o Brasil dos sonhos frios dos banqueiros. A revelação foi feita pelo jornalista Umberto Martins, que resumiu: “Os dirigentes dessas instituições, recrutados no próprio mercado financeiro, favorecem os bancos em detrimento dos interesses da sociedade”. Mas a fé dispensa este tipo de metodologia crítica. A sua é a da penitência, neste eterno vale de lágrimas dos pecadores expulsos do Éden. Sim, Marina dará autonomia ao Banco Central, e será aplaudida por isto, a começar pela coordenadora de seu programa de governo, Neca Setúbal, herdeira do banco Itaú. Em fé. Uma terra em que já se põe em pauta a questão do Estado laico, já não tem um Estado laico. Estudiosos assinalam que são passos, em linha reta, rumo a um novo fascismo decrépito. Este novo fascismo é o velho maquiavelismo, requintado de aventureirismo de lesa pátria.

E que Druida proclamou esta previsão da ciência econômica, política, social? Um novo falso-profeta? Será um do tipo Carlos A. Lungarzo, escritor e professor aposentado da Unicamp ou do tipo Peter Howells, professor de Economia Monetária na Universidade West England? Revisitemos o Prêmio Nobel de Economia, Joseph Stiglitz, para o qual um Banco Central (BC) independente é "desnecessário". Mesmo sem considerar a questão social, apenas técnica, de organização do sistema econômico como organismo formado por relações reais e monetárias integradas, é sem sentido. Na prática, países com BCs independentes tiveram mais dificuldades diante da crise financeira global!!!

“A crise [argumentou Stiglitz] mostrou que um dos princípios centrais defendidos pelos banqueiros do Centro-Oeste (Europa e Estados Unidos) é o desejo de independência do banco central […]. Mas na melhor das hipóteses, essa posição é questionável. Na crise, os países com bancos centrais menos independentes como China, Índia e Brasil fizeram muito, mas muito melhor mesmo do que os países com bancos centrais mais independentes, caso da Europa e dos Estados Unidos”.


É claro que não apenas os dirigentes da nação podem perder a consciência das ciências. Mormente em momentos de gana vingativa, subsequente a uma súbita virada de cenários. Por isto nunca nenhum partido superestimou tanto suas forças como o da “Nova Política”. Na Bolsa como em qualquer parte, o comportamento mimético existe. Ativos são mais vendidos porque estão vendendo mais e revés, e isto pode falir uns ou eleger Marina sim. Diante das bravatas de Caim, das bolhas especulativas de um novo mundo, desatinam-se. Assim foi que sucedeu: um vate iluminou-se e viu a Quarta Frota ancorar seus Destroyers na Bahia de Guanabara, Santos, e demais portos, festivos e generosos, com carregamentos incomensuráveis de belíssimas cervejas americanas para a festa de posse. Não serão vendidas, serão distribuídas a quem tem sede. O carnaval unirá o Brasil enfim. Vinte dias de festa se sucederão, 20 noites de gozo da Nova Política e o galo não cantará. Fritaremos o último galo de petisco enquanto o pré-sal será bombeado para as melhores refinarias do mundo, que transformarão esta ameaça ao meio-ambiente em energia santa. Seitas e igrejas empatarão seus ativos e constituirão uma só corporação, a Pan-Marinista.

Privatização da Petrobrás? Não! gritou o vate. Será negociada com protetores, dos EUA. A prostituição e a jogatina serão, enfim, perdoados e legalizados, afinal a sorte é uma graça, uma bênção dos que têm ao menos uma fezinha, e as condições de trabalho das jovens e dos jovens da noite estavam insalubres, não raro violentados sem socorro divino. Cinco milhões de massagistas alistar-se-ão na primeira chamada do Ministério do Trabalho ao lado de outros milhares de bacharéis com milhões de alvarás de licenciamento de caça-níqueis da renovação e casas de massagem salomônicas gloriosas. Queda vertiginosa do desemprego, elevação da renda média, um boom no setor terciário.

As indústrias poluentes serão exportadas e as não-poluentes também, por simbioses más. Novos carregamentos de cerveja aportarão da Europa, Ásia e Oceania, com menos álcool. Em seu lugar, colocarão pouco a pouco água benta, direto do rio Jordão, com superávits. Em troca daremos o rio Amazonas às organizações de proteção internacionais, poupando. Economia de caças patrulheiros, do exército inteiro enfim, em um Novo Brasil sem armas. Claro que as margens vão junto, os afluentes e toda a bacia hidrográfica, preservar-se-ão. Em troca do álcool, ópio do povo, imiscuir-se-á uma era de perdão dos demais pecados. O primeiro mandamento a ser revogado: não traia seus correligionários, a Marina já o fez. Você não mais o fará não por medo do castigo divino, mas por só restar uma religião una. Não deixe de se aproximar dos piores inimigos da nação, eles são sim, pessoas de bem. Se o bem deles não é igual ao seu, é necessário saber respeitar as diferenças de opinião. E não pergunte o que um banqueiro pode fazer por você, mas o que você pode fazer por ele. Se, ainda assim, acha você que isto pode não dar certo, que é desagradável até para a filha de Chico Mendes o discurso de Marina, embora seja do agrado do irmão do homem que o matou, atire a primeira pedra, pois se até Cristo não agradou a todos, ela adora crucifixos.

E então, no último Sábado de Aleluia, quando do Brasil nada mais restar exceto as massagistas e os caça-níqueis, perdoaremos a nossa fé no estelionato e na especulação. Judas nos beijará no rosto, Pedro esquecerá nosso nome e Pilatos lavará nossas mãos.

*É economista