Comissão Juncker é fundamentalista, neoliberal e mais americanófila

Jean-Claude Juncker, o homem que gosta “de debates secretos e obscuros” e chega a presidente da Comissão Europeia com o apadrinhamento da senhora Merkel, revelou um novo executivo europeu que é não apenas um núcleo poderoso do fundamentalismo neoliberal como consegue ainda ser mais americanófilo do que a equipe do americanófilo Durão Barroso.

A Comissão Europeia constituída pelo ex-primeiro ministro luxemburguês tem um “núcleo duro” de quatro vice-presidentes, uma supercomissão a que se juntam mais três vice-presidências e, ao todo, 28 elementos, 15 de direita e extrema direita, cinco liberais que se somam sempre à maioria em temas econômicos, financeiros e em matéria de austeridade, e oito da área social-democrata, a maioria com provas dadas no respeito pela cartilha neoliberal e pelas ordens do mercado.

“Além se ser um monstro burocrático, esta Comissão parece corresponder ao momento em que os regimes instaurados nos países que saíram do antigo bloco soviético são recompensados por terem sido as cobaias da instauração da anarquia neoliberal em toda a União Europeia e respectivas políticas de austeridade”, afirma um veterano funcionário do Conselho Europeu.

“Os vice-presidentes e comissários que chegam do Leste são ícones da subserviência europeia às influências norte-americanas, da aplicação pura e dura do neoliberalismo confundido com democracia e também das conspirações que criam problemas acrescidos no espaço europeu, como é o caso da crise aberta na Ucrânia”, acrescenta o mesmo funcionário.

Nos bastidores de Bruxelas em que se saúdam as opções tomadas por Junker afirma-se que a nova predominância de dirigentes do Leste é “necessária para contrapor ao aumento da pressão russa, ilustrada pelo que está a acontecer na Ucrânia”.

“Isso é um disparate”, diz Neil Sonderberg, jornalista dinamarquês há muito radicado em Bruxelas e que tem sobre o assunto uma opinião muito diferente. “Elogia-se o fato de a nova Comissão ter muitos representantes de pequenos países como titulares de cargos com grande responsabilidade mas ilude-se, dessa maneira, que eles não passam de instrumentos de enormíssimos poderes: da Alemanha em termos de influência econômica no espaço europeu, dos Estados Unidos em termos geoestratégicos e, ao fim e ao cabo, dos interesses globais e globalizadores do polvo dos mercados”, afirma.

Os exemplos mais flagrantes do quadro traçado pelo veterano do Conselho Europeu e do jornalista dinamarquês são os currículos dos principais vice-presidentes e comissários de que Jean-Claude Juncker se rodeou.

O seu braço direito é um holandês ultraliberal, Frans Timmermans, mais propício “a trabalhos na sombra”, segundo um diplomata seu compatriota que com ele trabalhou e que considera “intrigante” a sua designação para combater a teia burocrática que emaranha a União Europeia.

Lord Jonathan Hill, lobista e politico britânico de direita, fica como responsável direto pelas Finanças. “É a lógica do sistema”, comenta um jornalista britânico, porque “Bruxelas quer estar de bem com a City londrina nestes tempos de convulsões, nomeadamente por causa da Escócia, e ninguém melhor para contentar a City do que Lord Jonathan”.
A superestrutura da Comissão que superintende sobre Finanças e Economia está nas mãos, porém, de dois vice-presidentes chegados do Norte e do Leste: o finlandês Jurky Katainen e o estoniano Andrus Ansip, o político que mais tempo esteve à frente do governo da Estônia. Ambos são fundamentalistas neoliberais com provas dadas através da aplicação de cruéis políticas de austeridade, de regressão de direitos sociais e até de xenofobia, no caso estoniano.

O comissário da Economia, o francês Pierre Moscovici, despende deles mas, se por absurdo, o ex-ministro de Hollande pretendesse aplicar o “keynesianismo” que dizem rotulá-lo, não terá qualquer espaço para isso.

Os enviados do Leste para poderosos cargos de vice-presidentes da Comissão Juncker incluem ainda a polonesa Elzbeta Bienkovski, vice-primeira ministra agora transformada em liberalíssima responsável pelo Mercado Interno; o primeiro ministro da Letônia, Valdis Dombrovsky, que adquiriu a formação ultraliberal na França, na Alemanha e nos Estados Unidos antes de criar uma situação de miséria e emigração no seu país, que sujeitou a uma avassaladora política de austeridade; e a eslovena Alenka Bratusek, um caso de populismo ultraliberal que chegou subitamente a primeira ministra do seu país, onde não resistiu muito tempo mesmo tendo formado um partido com o próprio nome.

Do Norte chega a dinamarquesa ultraliberal Margrete Vertager, que se ocupará da concorrência.

A mídia oficial espanhola afirma que o cargo atribuído ao comissário Arias Cañete, o da Energia e Clima, fica “aquém das expectativas”. “Mas não é uma escolha de acaso”, diz Antón Soler, advogado espanhol em Bruxelas. “Cañete representa uma organização, o Partido Popular, que se tem distinguido por não reconhecer a existência do aquecimento global e das alterações climáticas, o que justifica que fiquemos aterrados com a entrega de uma pasta como a do ambiente a semelhante figura”.

A alta representante para a política externa da União Europeia é agora a italiana Federica Mogherini. “Como figura de proa do partido de Renzi é uma americanófila da gema, admiradora de Obama e seguidora da respectiva política”, comenta um funcionário italiano nas instituições de Bruxelas. “É aconselhável que esperemos de Mogherini talvez um novo estilo, mas tanta ou mais subserviência a Washington que a sua antecessora, a baronesa Ashton”, acrescentou.

A Comissão Juncker passa a partir de agora a conviver com um novo presidente do Conselho, o ex-primeiro ministro polonês Donald Tusk, figura determinante no golpe e crise na Ucrânia.

“O primeiro ministro e a vice-primeira ministra da Polônia transferiram-se num ápice e em conjunto de Varsóvia para cargos decisivos na União Europeia”, lembra um veterano funcionário do Conselho. “É importante”, acrescenta, “que os cidadãos europeus tenham a noção de que existe uma escala de retribuição de serviços, na verdade um tráfico de influências, nas instituições da União, que se dizem democráticas, através da qual podem perceber a importância de certos acontecimentos. Por aqui se vê que a questão da Ucrânia foi, é e continuará a ser fulcral para Bruxelas, Berlim e Washington”.

A mesma fonte advertiu que se os cidadãos europeus “não estiverem atentos ao que irá passar-se” esta Comissão “será um fator de aceleração, em ambiente de secretismo, do processo de elaboração de um acordo transatlântico de comércio livre entre a União Europeia e os Estados Unidos”.

José Goulão e Pilar Camacho, de Bruxelas para o Jornalistas sem Fronteiras www.jornalistassemfronteiras.com/