A Líbia está à procura do caminho perdido

O grupo de Estados fronteiriços com a Líbia afirma que deter a violência nesse país norte-africano, requer desarmar as milícias que se enfrentam pelo controle de diversas áreas, mas o difícil é como conseguir fazer isso.

Os participantes na 4ª Reunião Ministerial de Países Vizinhos da Líbia, que se realizou em 25 de agosto no Cairo, a capital egípcia, adotaram uma iniciativa proposta pelo país anfitrião, que constitui um importante passo na busca de um cenário de estabilidade e segurança de alcance sub-regional. Egito, Tunísia, Argélia, Sudão e Chade, bem como chefes da Liga Árabe e a União Africana estiveram no evento, o qual expõe claramente a existência de consenso com respeito à importância do assunto que não só se limita ao país em questão, mas que o problema ultrapassa suas fronteiras, razão pela qual é necessário enfrentá-lo com urgência.

O sucesso do entendimento político entre os participantes do encontro especificou-se ao dar sinal verde à proposta que pede o desarmamento dos milicianos, o apoio ao Parlamento recém-eleito e a reconstrução das instituições estatais para recompor a Líbia.

"As principais disposições da iniciativa incluem combater o terrorismo, trabalhar para conseguir a reconciliação nacional na Líbia, escrever uma nova Constituição, e apoiar o exército e forças de segurança", segundo o comunicado da conferência ministerial.

Depois da reunião, o chanceler libio, Mohammed Abdel Aziz, demandou para seu país a intervenção externa e a assistência internacional para evitar que a crise interna se estenda aos Estados do entorno, sumamente preocupados pelos acontecimentos bélicos nas cidades de Trípoli e Bengazhi.

"Esta declaração reflete o forte compromisso entre os países vizinhos da Líbia para colocar no centro de sua atenção e concentrar na segurança e no combate ao terrorismo no país", comentou Abdel Aziz em conferência de imprensa.

Poder ou não poder

O destino da Líbia é incerto, nenhum observador pronuncia-se para onde marcha esse país, tão organizado e estável antes da conspiração que derrocou e assassinou há três anos o ex-líder Muamar Kadafi, por decisão de potências ocidentais.

A maior parte do debate líbio concentra-se na falta de equidade na distribuição das quotas de poder depois de ser desmontada a autoridade anterior. A era pós Kadafi não beneficia os elos soltos, mas estes tratam de impor suas regras a um governo frágil e com precária legitimidade.

No cenário nacional isto pode ser ilustrado com os combates por controlar o aeroporto de Trípoli ocorridos desde 13 de julho, quando milícias da localidade de Misrata lançaram a operação Fayer para o arrebatar das brigadas da zona de Zintán, que controlam essa instalação há três anos.

Os confrontos pela posse do aeroporto causaram ao redor de uma centena de mortos e mais de 400 feridos.

Também foram sangrentos os choques armados na segunda cidade do país, Bengazhi, situada no oriente líbio, entre milicianos e paramilitares leais ao general reformado Jalifa Hafter e vários grupos islamitas, que decidiram se unir em uma frente batizada como Conselho dos Revolucionários.

Muitos cidadãos foram vítimas da ambição em um Estado que não escapa do círculo vicioso da violência, uma sequela do desmonte de uma estrutura que com defeitos e virtudes avançava e a cuja derrocada foi resultado da ação das potências ocidentais com marcados interesses geopolíticos; alguns dos conspiradores agora se alarmam.

Sem dúvidas, a destruição do Estado líbio da era Kadafi hoje cobra seu saldo e enquanto uns morrem pela cobiça da riqueza do país, outros escapam desse inferno e terceiros insuflam de longe o espectro do terrorismo, que é instrumentalizado segundo convenha a seus fautores.

Ante o mundo acha-se um país que se despedaça em zonas de influência, onde proliferam senhores da guerra, jihadistas, e corpos de segurança desqualificados para enfrentar qualquer desafio, enquanto nas áreas institucionais é escassa a legitimidade, pois sobressai a existência na prática de dois parlamentos.

A preocupação amplifica-se, a União Européia (UE) condenou "a escalada dos combates nos arredores de Trípoli, Benghazi e em toda a Líbia, incluídos os ataques contra zonas residenciais que envolvem ataques aéreos por aviões de combate não identificados", assinalou o Serviço Europeu de Ação Exterior (SEAE).

"Não há dúvidas de que todo distúrbio que ocorra na Líbia, em alguma medida ameaça a segurança do que o Velho Continente considera sua fronteira sul, à qual se deve salvaguardar para evitar surpresas desagradáveis procedentes de quem identifica como "o outro".

Em uma análise da imprensa espanhola sobre a transformação prevista pelo Ocidente para estabilizar o país, afirma-se que "as milícias repartidas por cidades e regiões da Líbia e a tradição tribal imperante estão na raiz do problema da governabilidade, o maior desafio da transição à democracia do país do norte de África".

Isto é, que esse componente da atualidade nacional tem um desenvolvimento histórico concreto, que deve ser compatibilizado com os planos e estratégias de pacificação do território, para evitar fórmulas impositivas desajustadas que originem consequências opostas a seus objetivos.

Institucionalidade raquítica

O parlamento líbio saiu das eleições de 25 de junho; realizou em 2 de agosto sua primeira reunião em Tobruk, ainda que a sessão inaugural oficial se realizaria dias depois na oriental cidade de Bengazhi. Apesar disso se entendeu que a construção do Legislativo era uma tentativa de moldar com traços de autenticidade uma estrutura recém-criada.

Enquanto a situação nacional continua deteriorando-se pelos altos níveis de insegurança causados por persistentes combates na capital, Trípoli, e também em Bengazhi, é incerta a ideia de apresentar um Estado totalmente configurado no meio das ruínas das antigas instituições, desarticuladas em 2011.

No entanto, à destruição de um modelo político não se seguiu a rápida instalação de outro que em teoria superasse as ineficiências do anterior com o emprego de mecanismos capazes de assegurar sua reprodução como estrutura do poder, como são proteger a soberania e a segurança humana, entre outros temas da sobrevivência em geral.

A Líbia não consegue edificar "um Estado de direito", já que persistem desavenças para especificar um modelo unificador: o antigo Parlamento, cujo mandato expirou em junho passado, permanece em funções e elegeu o professor Omar al Hassi como novo premiê de um governo de salvação nacional.

Essa Assembleia, com uma importante presença islamita, recusou dissolver-se depois das eleições de junho e não reconhece a legitimidade das eleições realizadas nesse mês, dos quais emergiu o outro Parlamento.

O novo Legislativo, surgido dessas eleições com uma mudança de forças políticas, se reúne em Tobruk, para onde se deslocou pela violência em Trípoli e Bengazhi. O premiê interino eleito por este órgão é Abdaláh al Thani; assim, de fato, existem dois Parlamentos e dois gabinetes mas a Líbia não encontrou ainda seu caminho.

Da sucursal de África e Oriente Médio da Prensa Latina