Marina Silva é ameaça de instabilidade política  

A direita sempre foi o principal fator de instabilidade política na República. Agora, ela é encarnada por Marina Silva e sua anacrônica rejeição da política, do Congresso e dos partidos.

Por José Carlos Ruy*, para o Vermelho

Varre, varre, varre, varre vassourinha / varre, varre a bandalheira / que o povo já tá cansado / de sofrer dessa maneira / Jânio Quadros é a esperança / desse povo abandonado! / Jânio Quadros é a certeza / De um Brasil moralizado!

Se o jingle da campanha presidencial de Jânio Quadros em 1960 fosse adotado por Marina Silva, ele ajudaria a mostrar sua semelhança com aquele efêmero e marcante presidente da República. O jingle resumiu o “programa” conservador de Jânio em 1960 e, hoje, resumiria o de Marina Silva.

A candidatura de Jânio Quadros em 1960 foi uma das maiores e mais danosas aventuras politicas da direita brasileira, feito que Marina Silva repete em 2014.

É uma história antiga que mostra como a direita e suas maquinações contra a democracia tem sido no Brasil o principal fator de instabilidade política. Esta ameaça de retrocesso volta, na eleição deste ano, a rondar a democracia brasileira com base no mesmo velho e desgastado discurso que alega a incompetência e inoperância dos políticos, acusados de defenderem apenas interesses particulares de grupo contra os interesses da nação e do povo.

As manifestações de junho de 2013 fortaleceram este discurso ao rejeitar os partidos, os sindicatos, organizações da sociedade civil, como a União Nacional dos Estudantes, e ao proclamar a “pureza das ruas”.

Em junho de 2013, a direita brasileira e sua vitrine mais visível, a mídia patronal, procurou surfar naquelas manifestações e, agora, há quem veja na candidatura de Marina Silva um eco longínquo delas.

Marina Silva se apresenta como o “novo”, protagonista da “nova política”, embora represente o que há de mais velho, ultrapassado e oligárquico na política brasileira. Ela é a candidata do mesmo arcaico setor da classe dominante que domina o cenário brasileiro desde os tempos de José Bonifácio, na época da Independência. A imposição dos interesses desse setor arcaico sempre foi o principal fator do atraso econômico, da subordinação do Brasil a potências externas (no passado, a Inglaterra; até recentemente, os EUA), o principal obstáculo ao avanço da democracia e do protagonismo popular. Hoje, na disputa presidencial, esse anacronismo está representado por dois candidatos principais – o tucano Aécio Neves e a neoconservadora e fundamentalista Marina Silva, que representa a ameaça de retrocesso e é a encarnação contemporânea do aventureirismo da direita.

Desenvolvimentistas enfrentam neoliberais

A principal contradição que há décadas marca a política brasileira opõe as forças partidárias do progresso e desenvolvimento autônomo do país, contra os interesses da especulação financeira, que ganham fortunas com a subordinação do país às imposições comerciais e políticas externas.

Estas forças conservadoras sempre defenderam a não intervenção do governo na economia e a abertura do mercado nacional para produtos fabricados nos países mais ricos e industrializados. Hoje, são os neoliberais, que governaram sob Fernando Collor de Mello e Fernando Henrique Cardoso. E agora querem voltar ao governo, seja com Aécio Neves, seja com Marina Silva.

Os neoliberais se empenharam em criar obstáculos à industrialização e à produção agrícola voltada ao consumo nacional; rejeitaram o fortalecimento do mercado interno como base para o desenvolvimento; quiseram deixar as riquezas nacionais sob controle de interesses estrangeiros – semelhante ao que Marina Silva pretende fazer, hoje, com a riqueza do pré-sal!

O conflito entre desenvolvimentistas e neoliberais acentuou-se na segunda metade do século 20. A direita neoliberal sempre se opôs aos governos empenhados em desenvolver o Brasil, em valorizar a renda dos trabalhadores e do povo, em fortalecer nas relações soberanas do país com todos os povos do planeta e não apenas com os países ricos e dominantes, como EUA e Europa Ocidental.

As aventuras da direita desde 1954

O programa da direita neoliberal se adapta às circunstâncias em cada momento da história, mas é sempre o mesmo. Seu dogma é a “garantia dos contratos”; exige governos que não interfiram na economia exceto, claro, para a defesa dos interesses da oligarquia financeira! Que deixem livre a ação do “mercado”; isto é, liberdade para a ação do capital, sobretudo o financeiro. E que garantam uma “ordem” social que permita a espoliação do país e do povo.

Foi em defesa deste programa antidesenvolvimentista que a direita investiu contra o governo de Getúlio Vargas, em 1954. A fúria da direita foi expressa pela declaração do jornalista Carlos Lacerda que, em 1º de junho de 1950, escreveu no jornal Tribuna da Imprensa: "O senhor Getúlio Vargas, senador, não deve ser candidato à Presidência. Candidato, não deve ser eleito. Eleito, não deve tomar posse. Empossado, devemos recorrer à revolução para impedi-lo de governar".

Aquela declaração indicou o caminho da aventura antidemocrática. A oposição a Getúlio foi feroz e o discurso que a animava fica pouco a dever ao que discurso atual da direita sobre o governo de Dilma Rousseff (e de Lula, antes), que é acusada de incompetência, corrupção, esquerdismo (hoje a moda é acusar o governo de “bolivariano”!). O resultado da crise de 1954 foi o suicídio de Vargas, que despertou a fúria popular com força suficiente para adiar, por uma década, o golpe de Estado que pretendiam dar naquele ano.

Outra ofensiva aventureira da direita ocorreu na eleição de 1960, quando apoiou Jânio Quadros para a Presidência da República com um programa semelhante ao que Marina Silva defende nesta eleição. Como ela, Jânio desprezava os partidos políticos e julgava-se capaz de governar sem eles. O discurso moralista e o personalismo eram semelhantes. Jânio ficou marcado por medidas mirabolantes como a proibição do uso de biquínis! Na área econômica, adotou as chamadas “medidas impopulares” apregoadas pela direita neoliberal. Jânio cumpriu as imposições do Fundo Monetário Internacional (FMI) e jogou o custo do ajuste da economia e do combate à inflação sobre os ombros do povo e dos trabalhadores. Cortou gastos públicos, desvalorizou a moeda nacional (que era o cruzeiro) em 100%, congelou o valor do salário mínimo, cortou subsídios à importação de trigo e da gasolina, encarecendo o pão e os combustíveis – medidas semelhantes às que são pregadas hoje pelos neoliberais que escreveram os programas de governo de Marina Silva e do tucano Aécio Neves.

Jânio Quadros renunciou em 25 de agosto de 1961, apenas sete meses depois da posse. Saiu acusando o Congresso Nacional e os políticos! De maneira irresponsável, sua renúncia foi o pretexto para a mais grave crise política que o Brasil viveu desde o suicídio de Vargas. O vice, João Goulart, só assumiu depois da forte resistência legalista derrotar o veto militar à sua posse. E seu governo foi marcado pelo aprofundamento do confronto das forças democráticas e desenvolvimentistas contra a direita civil e militar que não aceitava a democracia, o progresso social e o desenvolvimento soberano. Goulart foi deposto em 1º de abril de 1964, e a direita deu início à ditadura militar que infelicitou o país nas duas décadas seguintes.

Os brasileiros só voltaram a eleger seu presidente da República 25 anos mais tarde, em 1989. Foi uma conjuntura de grande embate político, na qual havia forte protagonismo popular que exigia a ampliação da democracia. Em 1989 o líder operário e popular Luiz Inácio Lula da Silva parecia imbatível. Contra ele, a direita apoiou, na disputa para o cargo máximo da nação, um novo aventureiro, Fernando Collor de Mello. Dono do mesmo personalismo e da mesma rejeição da política e do Congresso. Como Marina, Collor aparecia como o “novo”, como aquele que seria o “salvador da Pátria”.

Em seu afã de encontrar um “anti-Lula”, antes de bandear-se para o apoio a Collor a direita tentou lançar a candidatura do apresentador de televisão Sílvio Santos. Ele foi procurado por dirigentes do Partido da Frente Liberal (que hoje é o decadente DEM) como com os senadores Carlos Chiarelli (RS), Jorge Bornhausen (SC) e José Agripino Maia (RN). Eles viam em Silvio Santos o favorito para derrotar Lula. A manobra veio a público apenas 15 dias para o primeiro turno da eleição, mas as irregularidades eram tão evidentes que o TSE rejeitou seu registro e a aventura não foi adiante.

A direita bandeou-se toda em apoio à candidatura de Fernando Collor de Mello – da mesma forma como, hoje, bandeia-se para Marina Silva. Collor era governador de Alagoas e aparecia como um “renovador" da política, à margem dos partidos e portador de uma “nova política” – exatamente como faz hoje a anacrônica Marina Silva.

Collor se elegeu com o velho programa antiestatista e conservador da direita. Era contra os políticos, os gastos públicos, e defendia a redução do Estado e do governo. No governo, confiscou as contas bancárias e a poupança, congelou os salários, cortou subsídios e incentivos fiscais, privatizou empresas estatais, extinguiu órgãos do governo federal. Ao abrir o mercado nacional às importações, causou forte crise econômica e o fechamento de inúmeras empresas nacionais. Os trabalhadores logo sentiram o preço alto da aventura – já no primeiro ano de seu governo, em 1990, o desemprego cresceu como nunca, e mais de 920 mil postos de trabalho foram extintos.

O governo de Collor de Mello resultou num desastre social e econômico que foi muito além de sua curta duração (ele foi varrido da Presidência em outubro de 1992) mas persistiu nos nefastos anos neoliberais de Fernando Henrique Cardoso. Aquele desastre só começou a ser superado depois da posse de Lula na Presidência, em 2003.

O programa de Marina ameaça as conquistas populares

Nas eleições seguintes a 2002 (em 2006, 2010 e agora, em 2014), a direita se esforçou em encontrar um novo “anti-Lula” – um “anti-Dilma”, “anti-PT”, “anti-esquerda” que, não importa como fossem designados, fosse o portador do mesmo programa neoliberal, antinacional e antidesenvolvimentista que a direita neoliberal sempre procurou impor ao país.

Esse programa não tem novidade. É sempre o mesmo conjunto de medidas defendidas pela direita neoliberal – corte nos gastos públicos, aumento de juros, Estado mínimo que não interfira na economia nem fomente o desenvolvimento. Que deixe a gestão da economia às imposições e caprichos do “mercado” (isto é, sob o comando do grande capital). Que coloque o Brasil de joelhos perante os interesses do imperialismo, sobretudo dos EUA.

São medidas que fazem parte do programa anunciado por Marina Silva em 29 de agosto. Elas representam o retorno do passado que começou a ser superado em 2003.

Para os trabalhadores e os brasileiros, a face da aventura que o programa da direita, agora encarnado por Marina Silva, será a mesma daquele passado neoliberal desastroso que não pode ser esquecido. Ele trouxe desemprego, arrocho salarial, pobreza e carências cada vez maiores. Para a economia brasileira, será a volta de uma época em que Estado favorecia apenas o grande capital especulativo, com dificuldades cada vez maiores para os empresários da produção. O programa de Marina Silva inclui a ameaça de afastamento do Mercosul e dos novos parceiros mundiais como China, Rússia, Índia e África do Sul. lsso significa a disposição de colocar de novo o país na órbita do imperialismo dos EUA e da Europa Ocidental, com desprezo total pela soberania nacional.

São medidas que soam como música para o grande capital especulativo, brasileiro e estrangeiro. Marina Silva que vai fazer a independência do Banco Central. Com isso, vai colocar a autoridade monetária brasileira nas mãos do mercado financeiro que vive da especulação e dos juros altos. O Banco Central deixará assim de ser um instrumento da política econômica soberana e de controle sobre a ganância especulativa.

Como Jânio e Collor já fizeram, Marina propõe cortar ministérios e gastos públicos para diminuir o tamanho do Estado. Ela tem repetido também, como se isso fosse uma virtude, que vai reforçar o chamado tripé neoliberal que o capital financeiro exige, formado por metas de inflação, superávit primário para pagar juros ao capital especulativo, e câmbio flutuante que prejudica os exportadores brasileiros e a economia nacional.

A “força das ruas”

A ameaça aventureira que Marina Silva representa para a democracia brasileira ganhou contornos definidos nas declarações de seu candidato a vice, o deputado gaúcho Beto Albuquerque (PSB) que, sem os partidos e o Congresso, quer governar com “a força das ruas”! Ele disse, textualmente: "depois de eleger Marina, temos de ir para as ruas dar a ela a cobertura para que possa exigir do Congresso as mudanças necessárias ao país".

O vice de Marina Silva anunciou, nessas palavras, o caminho para a crise e o rompimento institucional. Eleita, Marina conseguirá terminar seu mandato? E o que virá depois dela, no caso de uma crise que a afaste da Presidência? A mera invocação das “ruas” não é garantia de nada! Hitler, Mussolini, os militares de 1964 puderam, todos eles, falar que tinham o apoio “das ruas”! E tentaram se legitimar, com base nela, para o retrocesso, a destruição da democracia, a imposição dos interesses particularistas da direita e dos conservadores.

O Brasil precisa de mudanças substantivas na sociedade e na política. Avançou muito desde 2003. E precisa avançar mais. Precisa derrotar a velha contradição provocada pelos interesses financeiros e pelo programa neoliberal, que trava o desenvolvimento, a democracia, a criação de mais empregos, a valorização dos salários, a conquista de mais direitos para o povo. A oposição principal, no Brasil é a que existe entre a especulação financeira que quer juros altos e o culto do deus mercado e, do outro lado, os democratas, o povo, os trabalhadores, os empresários da produção.

As forças da produção e do progresso contra a especulação financeira

Esta oposição é manifestada pela disputa entre as forças que apoiam o desenvolvimento e do progresso nacional, contra a especulação financeira e o programa neoliberal da direita. Esta oposição está expressa no confronto (na polarização, como se diz) que opõe, de um lado, os partidos principais da coalizão governamental (PT e PMDB, e também PCdoB), e naqueles que representam a direita neoliberal e seu programa retrógrado (o PSDB e seus satélites), reforçados agora por Marina Silva.

Marina – que se apresenta como portadora da “nova política”, despreza os partidos e seu vice diz que vai governar com a “força das ruas” – é o real sinônimo do autoritarismo e da alienação política que atrai muitos que esperam “salvador da pátria” e desistem – ou não acreditam – na organização popular para avançar e conquistar nova etapa civilizatória.

Há muitos eleitores iludidos por Marina Silva; eles correm o risco de apoiar a aventura irresponsável da direita. Falam em “integridade”, defesa do meio ambiente, uma “nova política”, justiça e igualdade, aprender com a juventude, fim da fragmentação política dos partidos, fim de velhos paradigmas e modelos, fim da corrupção. Falam em dignidade, princípios, falam em fé.

Mas quem é que, na disputa deste ano, realmente defende estes temas? Qual projeto político está baseado em um programa e ações que apontam nesse rumo? Com certeza não é o projeto de Marina Silva. As mudanças reais e concretas, o novo verdadeiro, veem acontecendo na política brasileira desde a posse de Lula, em 2003.

Muito já foi feito, mas é precisos fazer mais, avançar no rumo das conquistas já alcançadas e de mais e melhoras mudanças. A garantia desse rumo é o projeto político inaugurado em 2003, que precisa ser mantido e fortalecido. Projeto democrático que tanto incomoda à anacrônica direita neoliberal e seus porta-vozes – incômodo conservador que é hoje personificado por Marina Silva.

*é jornalista, membro do Comitê Central do PCdoB