Dallari: Votar é um direito político e um dever social

O Brasil é uma democracia representativa. Isso é o que está clara e expressamente disposto no parágrafo único do artigo 1º da Constituição, segundo o qual “todo o poder emana do povo, que o exerce por meio de representantes eleitos ou diretamente”.  

Por Dalmo de Abreu Dallari*, no Jornal do Brasil

Na realidade, tanto a participação direta quanto a eleição de representantes têm fundamental importância, pois a participação do povo no exercício do poder político é absolutamente necessária para a efetividade da sociedade democrática.

Por esse motivo é necessário que os brasileiros tenham as informações básicas e a consciência do significado dessa participação, que é direito e dever da cidadania.

Neste momento, estando em desenvolvimento uma campanha eleitoral para a eleição de representantes, é oportuna uma reflexão sobre como o povo brasileiro deve exercer o direito de escolher representantes, consciente de que dessa escolha vão decorrer conseqüências de grande importância para a vida de cada um e de todos. No sistema eleitoral brasileiro o direito e dever de votar está expresso no artigo 14 da Constituição, cujo parágrafo primeiro estabelece que o alistamento eleitoral e o voto são obrigatórios para os maiores de dezoito anos e facultativos para os analfabetos, os maiores de setenta anos e os maiores de dezesseis e menores de dezoito anos. Assim, pois, para os alfabetizados maiores de dezoito e menores de setenta anos o voto é obrigatório. Isso tem sido objeto de alguns questionamentos, pois há quem entenda que a obrigatoriedade é uma imposição antidemocrática, considerando contraditório que alguém seja obrigado a exercer um direito e propondo que se estabeleça como regra geral o voto facultativo.

Na realidade, isso revela falta de consciência das responsabilidades implícitas nos direitos da cidadania e uma visão egoísta da convivência humana. De fato, os que adotam essa posição agem por motivos egoístas, querendo ter plena liberdade nos dias de votação para repouso ou recreação, não percebendo que a recusa de participar das eleições implica a redução da possibilidade de influir para que todo o povo tenha um bom governo.

Um argumento que tem sido invocado, mais ou menos discretamente, é que a escolha de representantes pelo povo não tem levado a bons resultados, pois diariamente a imprensa dá notícia de práticas antidemocráticas e antiéticas por muitos detentores de mandato popular, que se valem da condição de mandatários para buscar a satisfação de interesses pessoais ou de entidades ou grupos determinados, prejudicando ou desprezando completamente os direitos e interesses do povo que formalmente representam. E poucos cidadãos se consideram efetivamente representados pelos que no Legislativo ou no Executivo exercem o poder em nome da cidadania.

Na realidade, isso ocorre com muita freqüência, pois embora seja injusto não reconhecer que muitos mandatários atuam com estrito respeito às normas éticas e dedicados à realização do interesse público, não é preciso grande esforço para constatar que para muitos ocupantes de cargos de representação a moralidade pública e os interesses do povo são absolutamente ignorados ou ficam em plano secundário.

Estas reflexões são necessárias para estimular um despertar das consciências cívicas, para tornar bem evidentes a responsabilidade dos eleitores e as más consequências, para todo o povo, da omissão dos cidadãos ou do uso irresponsável desse direito fundamental da cidadania num regime democrático, que é a escolha dos representantes para o exercício do poder político. É preciso estimular os eleitores para que eles não deixem de cumprir o seu dever legal e social de votar, apontando quem desejam que receba o mandato e exerça o poder político em seu nome.

Paralelamente a isso, é necessário desenvolver um trabalho de educação cívica, que deve fazer parte do ensino básico, para que as novas gerações sejam informadas e tenham consciência dos direitos e das responsabilidades inerentes à convivência humana, assim como de seu direito de escolher quem irá exercer o poder em seu nome.

O direito de votar para escolher quem representará a cidadania, governando em seu nome, configura um direito político fundamental do cidadão. Mas, ao mesmo tempo, configura um dever social de extrema relevância, pois, nas circunstâncias atuais, sem os votos da cidadania não existe a possibilidade de uma sociedade democrática. Nos últimos tempos surgiram e se desenvolveram instrumentos de participação direta da cidadania, configurando o que já ganhou grande expressão teórica com a denominação de Democracia Participativa, mas em termos práticos continua a ter a máxima relevância a forma representativa. E nesta o eleitor é peça fundamental, pois sem a ampla participação do eleitorado, que é necessária e deve ser consciente e responsável, não existe a possibilidade de implantação e funcionamento de uma sociedade democrática.

*Dalmo de Abreu Dallari é jurista.