Ângelo Alves: O “conflito” na Palestina 

No momento da redação deste artigo circula na comunicação social a possibilidade de um “cessar-fogo” no “conflito israelo-palestino”. Mas o que significa de fato este “cessar-fogo”? Significa que duas partes em conflito, com partes iguais de responsabilidade, munidas de meios proporcionais, levando a cabo atos de guerra proporcionais decidem, mesmo que temporariamente, cessar as operações militares de um “conflito” neste caso “israelo-palestino”?

Por Ângelo Alves no jornal “Avante!”

Não! E o problema da abordagem do problema palestino começa exatamente aqui. Não existe nenhum “conflito israelo-palestino”, o dito “cessar-fogo” será, se confirmado, apenas a suspensão de mais uma dantesca e criminosa expressão da política de terrorismo de Estado de Israel – potência ocupante da Palestina. Dirão alguns que existe um conflito, porque de Gaza e de outros territórios partem “rockets” direcionados contra o território de Israel. Vejamos então quais as razões desse “conflito” e como ele ocorre.

A Palestina é um país ocupado há mais de sessenta anos. Sete milhões de palestinos são refugiados ou deslocados. Quando da formação do Estado de Israel em 1948 os acordos de cedência de territórios preconizavam 55% para Israel e 45% para a Palestina. Hoje Israel ocupa 82% destes territórios e mantém os restantes sob férreo controle. A Faixa de Gaza é um dos territórios vítima desse cerco e controle. Cercado por ar, mar e terra (nomeadamente pelo muro racista), sujeito a um bloqueio, este território de 40 quilômetros de comprimento e de seis a 12 quilômetros de largura, onde tentam sobreviver 1,8 milhões de pessoas, é a maior prisão a céu aberto do mundo. A Faixa de Gaza não tem um exército, aliás, como não o tem a Palestina. Do outro lado, Israel é, qualitativamente, um dos mais (senão o mais) poderosos exércitos do mundo.

Há seis dias (ao momento da redação deste artigo) que este território – onde 80% da população vive abaixo do limiar da pobreza – é bombardeado pelas mais sofisticadas armas à semelhança de 2008 e 2012 quando foram assassinados três mil palestinos. Apenas no primeiro dia deste novo massacre os ataques aéreos deram-se ao ritmo de 11 por hora. Um terror inimaginável.

Esta é a realidade de seis dias de “conflito”: 700 ataques aéreos israelenses, mais de 1.100 mísseis disparados, mais de 100 disparos de tanques de guerra e cerca de 330 bombardeios navais. Um autêntico inferno que já matou mais de 180 palestinos (dos quais cerca de 40 crianças) e fez 1.250 feridos na sua maioria mulheres e crianças. Segundo dados da ONU, 5.600 pessoas (940 famílias) estão deslocadas; 60 mil pessoas não têm acesso a comida; 400 mil pessoas estão sem eletricidade; 1/3 da população tem acesso restrito a água potável; foram danificadas oito unidades de saúde, quatro ambulâncias e 36 escolas; 940 unidades residenciais foram arrasadas e 2.500 casas estão danificadas. Foram incendiados 32 barcos de pesca, 3.600 pescadores estão há sete dias sem acesso ao mar. Do lado de Israel foram destruídas duas casas e nove pessoas ficaram feridas.

Não foi o assassinato de três jovens colonos, em condições ainda por esclarecer, ocorrido numa zona controlada civil e militarmente por Israel, que está na origem deste “conflito”. E muito menos os “foguetes” de Gaza. Não! O que motiva o poder sionista é o racismo, a ocupação e a tentativa de fazer “explodir” o processo de unidade entre as forças da resistência palestina de cada vez que ele dá um passo em frente. Não estamos perante um conflito. Estamos perante uma agressão, perante uma das mais escandalosas violações de direitos humanos, levada a cabo com o apoio dos EUA, com a silenciosa cumplicidade da União Europeia e de governos como o português. Há que tomar partido! Pela vítima, pelo povo palestino, reconhecendo o seu direito à resistência!

Ângelo Alves é membro da Comissão Política do Partido Comunista Português