Ucrânia, o Fascismo vulgar

Quem é responsável pela sangrenta guerra em Donetsk e Lugansk, as maiores regiões industriais da Ucrânia? Os meios monopolizados do mundo capitalista nos impõem apenas uma resposta: A culpa é da Rússia!

Ucrânia - Maurício Lima / The New York Times

De fato, a atitude de Moscou para o conflito foi orientada exclusivamente para a busca de uma solução política negociada, o que acaba de ser confirmado por um debilitado cessar fogo, atingido através de seu papel de mediadora, enquanto a conduta de Kiev foi a mais provocadora e violenta.

Para resolver o problema da responsabilidade, há que partir da análise do golpe de Estado, em 22 de fevereiro, e da causa do regime instalado na Ucrânia desde então.

Já nenhuma pessoa sensata pode levar a sério a lenda midiática sobre a suposta "revolução democrática". Joga-a por terra abaixo a evidente repartição do poder estatal, desde fevereiro passado, entre os mesmos clãs da oligarquia financeira que têm dominado a decadente economia ucraniana desde os anos 90 do passado século.

O "rei do chocolate" Piotr Poroshenko, o maior financiador do golpe, é o atual presidente da Ucrânia; o tristemente célebre banqueiro Igor Kolomoyski foi nomeado pelos golpistas para o cargo de governador de Dniepropetrovsk, onde ele é o maior proprietário industrial e o amo de seu exército privado de mercenários.

A essa lista cabe acrescentar Serguey Taruta, o oligarca do setor carbonífero, nomeado igualmente por Kiev para o cargo de governador de Donetsk, ainda que rejeitado em sua "própria" região.

O flagrante caráter classista do novo poder, bem como seus métodos de comando altamente repressivos e violentos, inclinam muitos observadores e analistas à convicção de seu caráter fascista.

É inquestionável que os golpistas se apoiaram nos destacamentos armados da extrema direita, imbuídos pela ideologia nitidamente fascista. No entanto, na minha opinião, não se trata do regime fascista como tal.

Historicamente, o fascismo clássico surgiu cada vez diante do desafio de uma revolução popular anti-imperialista, que era iminente ou já derrotada, ainda que não vencida. Por esta razão, o mecanismo da democracia burguesa deixava de servir à oligarquia financeira, e esta última tinha que rompê-la para recorrer à sua ditadura irrestrita.

Nada disto é o caso da Ucrânia atual, onde não existe nem um movimento operário pujante nem um partido de esquerda capaz de disputar o poder. Tampouco o mecanismo parlamentar perdeu sua funcionalidade e certa confiabilidade perante a população, o que é confirmado pelo mesmo golpe arroupado de "anticorrupção" e até "antioligárquico", bem como pelas eleições de 25 de maio, nas quais a maioria supostamente votou por Poroshenko, quiçá como um "mal menor".

O poder do novo presidente é muito limitado pelo parlamento, com sua maioria de direita e nacionalista.

Então, por que um golpe de Estado e até uma guerra civil? O pretexto inicial do golpe não passava de um acordo com a União Europeia (UE), e o apoio decisivo aos golpistas foi dado pelos setores dirigentes estadunidenses e europeus.

Finalmente, quase todas as frações da oligarquia financeira da Ucrânia, assim como um setor das capas médias, optaram a favor dos Estados Unidos, da UE e da Otan.

Assim, inclinaram-se ao lado do Ocidente até os setores "orientais" da oligarquia que tinham apoiado ao deposto presidente Víktor Yanukóvich. Ou seja, os responsáveis pelo golpe e pela guerra são a oligarquia ucraniana em seu conjunto, e antes de mais nada, seus patrocinadores em Washington e na UE.

Por outro lado, os setores populares de Donetsk e Lugansk que resistem ao regime de Kiev, tratam de defender seus direitos nacionais e sociais.

Percebem que o acordo com a UE e a eventual entrada na Otan significa o rompimento dos vínculos econômicos com a Rússia, que são vitais para esta região. Ademais, ameaça-lhes a nova onda das reformas neoliberais que eliminariam quase toda a indústria, quiçá com exceção da extração do gás de xisto, altamente nocivo para o meio ambiente natural e a saúde humana.

Para impor seu rumo, o regime tem que reprimir ou "exilar" a maior parte da população de Donetsk e Lugansk. Para isso, é preciso uma ditadura da oligarquia financeira, totalmente subordinada ao imperialismo estrangeiro.

A essência do golpe de Estado de 22 de fevereiro foi pró-imperialista e antirrussa. Os fascistas como tais não são nada além dos peões mercenários da oligarquia, que cumprem o "trabalho sujo" por encargo.

É pouco conhecido que o centro atual da extrema direita não está tanto no ocidente rural da Ucrânia, sempre imbuido pelo nacionalismo, como Kiev e Dniepropetrovsk, ou seja, as grandes cidades em que em maior medida são de idioma russo.

Até as próprias lideranças da extrema direita falam russo e inglês muito melhor que ucraniano. Sua ideologia e política não são nada além da imitação falsa e vende-pátria do fascismo clássico.

Karl Marx escreveu que as tragédias históricas costumam a se repetir como uma farsa. Temos motivos para chamar esse nacionalismo fantoche de "fascismo vulgar".

Com isto, não é menos perigoso. Não abre ao povo ucraniano nenhuma outra perspectiva que a da mão de obra barata e a da bucha de canhão para os setores mais agressivos da Otan.

É uma necessidade comum que todas as forças anti-imperialistas se unam no combate ao "fascismo vulgar".

Fonte: Prensa Latina