Ofensiva de Kiev revela trégua ilusória

Não foi cumprido o cessar-fogo no Leste da Ucrânia, onde as forças antigolpistas responderam aos ataques de Kiev. A junta fascista ucraniana voltou a comprometer-se com uma nova trégua, mas no terreno reforça a opção militar e nos gabinetes prossegue a subjugação aos interesses imperialistas.

Na segunda-feira (30 de junho), os presidentes ucraniano e russo, Petro Poroshenko e Vladimir Putin, acordaram trabalhar no prolongamento do cessar-fogo que expirava às 22h00 desse dia e promover uma terceira rodada negocial entre Kiev e representantes das auto proclamadas repúblicas populares de Donetsk e Lugansk, agora unidas.

O compromisso vai ao encontro da posição de Moscou, que considerava a trégua decretada a 21 de Junho um ultimato e apelava à sua extensão visando a resolução negociada do conflito, isto apesar de as autoridades antigolpistas denunciarem que Kiev enviou para as duas rodadas de diálogo até agora realizadas uma delegação desprovida de poder, informou a Intar-Tass.

A manutenção da ofensiva contra o Leste do país num regime de baixa intensidade (comparando com o que vinha ocorrendo nos últimos meses) não é do agrado de Kiev. No domingo (29 de junho), membros do Batalhão Donbass, composto por milicianos nazi-fascistas do Setor de Direita, manifestaram-se pela imposição da lei marcial nas regiões de Donetsk e Lugansk, medida que o líder da falange da Guarda Nacional, Simon Semetchenko, considerou imprescindível para liquidar a insurreição e os “russos”, noticiou a agência nacional ucraniana.

O ministro do Interior golpista, Arsen Avakov, e o presidente do parlamento ucraniano, Alexander Turchinov, também pressionam para uma resposta violenta contra todos os que não deponham armas no Leste. O titular da Administração Interna sublinhou mesmo que a Guarda Nacional e os “grupos especiais” (paramilitares e mercenários, por exemplo como os contratados pelo magnata e governador de Dnepropetrovsk, Igor Kolomoisky) estão em condições de “resolver o assunto”.

Combates sucedem-se

Tudo aponta, portanto, para o agravamento da contradição dos últimos dias, em que Poroshenko proclamou um cessar-fogo, mas prosseguiu o assédio militar. Campanha na qual, denunciou o governador da República Popular de Donetsk, Pável Gubárev, estarão a ser usadas armas químicas, nomeadamente nos bombardeios à sitiada cidade de Slaviansk e arredores, informou a Ria Novosti.

O fato, a confirmar-se, corrobora as acusações do Kremlin sobre o ensejo de Kiev em promover uma limpeza étnica na Ucrânia.

Combates que se verificaram, igualmente, em torno de um aeroporto da cidade de Kramatorsk, na região de Donetsk, horas depois de um avião do exército ucraniano ter aterrissado no terminal aéreo de Lugansk, transportando militares que se juntaram ao contingente que Kiev mantém naquela infraestrutura, adiantou também a Ria Novosti. Os reforços enviados e as tentativas nesse sentido em Kramatorsk dão razão aos líderes antigolpistas de Lugansk e Donetsk, que notaram que a trégua foi ilusória e garantiram, durante o fim de semana, estar à espera do recrudescimento da violência.
Pelo meio, proliferaram as trocas de acusações de violação da trégua, com o governo golpista a justificar os ataques, reiniciados quinta-feira ( 26 de junho), com o derrube de um helicóptero militar pelos insurretos em Slaviansk, e estes a rejeitarem responsabilidades; com Kiev a tentar assegurar o controle de bases militares e postos de fronteira com a Rússia (sobressaindo, neste último caso, o disparo, sábado (28 de junho) de morteiros para o território russo, numa clara provocação), e as forças antifascistas do Leste a rechaçarem a ofensiva e alcançarem importantes vitórias de resistência.

Ataque à Rússia

Vladimir Putin sublinhou, sexta-feira (27 de junho) que a divisão e a violência na Ucrânia resultam da “intenção de impor a Kiev uma escolha artificial entre a Rússia e a Europa”. O presidente russo reagia assim a acontecimentos recentes que ilustram o pano de fundo do conflito e do qual faz parte a subjugação da Ucrânia ao imperialismo: cercar e enfraquecer a Rússia.

Como se não bastasse a concentração de tropas da Otan nas fronteiras russas, um assessor do presidente ucraniano ameaça cortar o fornecimento e manutenção de componentes bélicos, nomeadamente os produzidos em Dnipropetrovsk (100 por cento dos motores dos mísseis russos) e Zaporozhye (30 por cento dos motores usados pela força aérea russa). A ameaça é séria, tanto mais que Moscou já anunciou que está a trabalhar na redução da dependência logística.

Guerra económica

Simultaneamente, no final da semana passada, em Bruxelas, líderes da União Europeia ameaçaram a Rússia com o endurecimento das sanções econômicas e subscreveram com a Ucrânia (e com a Moldávia e a Geórgia) um acordo de associação que consolida o objetivo original do golpe de Estado de Fevereiro, e pode saldar-se, só no primeiro ano, numa perda de transações com a Rússia na ordem dos 30 bilhões de euros e na destruição do aparelho produtivo ucraniano. Para Moscou, um e outro aspecto representam, respectivamente, uma potencial perda de investimento direto estrangeiro e um golpe nas relações comerciais mantidas até agora com a Ucrânia no quadro da cooperação com as ex-repúblicas soviéticas.

Acresce a guerra do gás promovida pelos EUA, que pretendem destronar a Rússia do lugar de principal fornecedor e, de caminho, colocar problemas a uma Europa que depende em 34 por cento do fornecimento do gás russo. O filho do vice-presidente norte-americano, Joe Biden, foi em maio nomeado para o conselho de administração de uma empresa energética ucraniana, e a petrolífera Chevron confirmou o interesse em explorar gás de xisto na região de Donetsk (justamente na zona onde decorrem combates). Entretanto, o primeiro-ministro ucraniano, Arseni Yatseniuk, entregou no parlamento um projeto que permite a compra por empresas norte-americanas e europeias de posições acionistas no sistema de gasodutos do país, por onde circula mais da metade do gás vendido pela Rússia à Europa.

Esta proposta, frise-se, é paralela à tentativa de implementação nos gasodutos ucranianos do chamado fluxo inverso, que a russa Gazprom considera ilegal, mas que a Ucrânia pretende aplicar para obter, através de países europeus clientes de Moscou, o gás que a Rússia se recusa a canalizar devido ao diferendo em torno do preço do metro cúbico e do pagamento da dívida acumulada por Kiev.

Jornal "Avante!"