A estratrégia do Irã para derrotar os terroristas no Iraque e na Síria

O Irã não tem assistido passivamente às sucessivas ofensivas, nomeadamente na Síria e no Iraque, que o tomam claramente como alvo posterior. E vem empreendendo iniciativas no plano diplomático que não apenas reforçam a sua posição como começam a abrir brechas entre as próprias monarquias reacionárias que, juntamente com Israel, têm assumido o papel de peões do imperialismo no Oriente Médio. 

Por M. K. Bhadrakumar*

Após quase uma semana de expectativa, Teerã modificou a abordagem e a retórica relativamente à crise no Iraque e na Síria. As insinuações e as sombrias indicações indiretas das declarações iranianas até agora feitas deram lugar à crítica aberta do apoio da Arábia Saudita ao Estado Islâmico do Iraque e do Levante [ISIL, no acrônimo inglês].

Dois destacados membros da comissão de assuntos estrangeiros e de segurança do parlamento iraniano referiram-se com veemência a Riad – “A Arábia Saudita é o apoiador espiritual, ideológico e material do ISIL e o soberano saudita atribuiu ao anterior chefe dos serviços de informações [o príncipe Bandar] a missão especial de apoiar o ISIL”, (Mohammad Hassan Asafari).

É extremamente raro o Rei Abdullah ser especificamente nomeado numa declaração iraniana. Entretanto, um outro destacado membro do parlamento, Mohammad Saleh Jokar, advertiu implicitamente Riad de que está a lançar pedras tendo telhados de vidro – “Em lugar de interferir nos assuntos internos do Iraque e de implementar as intrigas dos EUA, a Arábia Saudita faria melhor se se ocupasse dos seus assuntos internos.” A linha de raciocínio iraniana é de que a luta pela sucessão na família real saudita está a se agudizar.

Significativamente, o Líder Supremo Ali Khamenei repetiu uma expressão cunhada pelo Imã Khomeini nos primeiros anos da revolução iraniana, referindo-se à Arábia Saudita como um mascote dos EUA e um cúmplice disfarçado de Israel. Dirigindo-se no domingo a um grupo de recitadores do Corão, em Teerã, disse que existe uma diferença entre o “Islã americano” e o verdadeiro Islã – “O Islã americano, embora tenha nome e aparência islâmica, contemporiza com o despotismo e o sionismo…e está inteiramente a serviço do sionismo e dos EUA.”

Entretanto, o apoio aberto à ideia de um Estado curdo independente no norte do Iraque manifestado pelo primeiro-ministro israelense Benjamin Netanyahu – para além das visitas a Erbil na semana passada do secretário de Estado norte-americano, John Kerry, e do secretário dos negócios estrangeiros britânico William Hague – alertaram Teerã para a calibrada estratégia anglo-americana (com a participação de Israel) de criar um “Estado petrodólar” junto à fronteira ocidental do Irã.

Teerã acompanha atentamente a forte presença dos serviços de informações israelenses em Erbil. Numa declaração pouco usual, Teerã contestou frontalmente a emergência de um Curdistão independente. Hossein Amir Abdollahian apontou à liderança curda que seria imprudente enveredar pelo caminho da secessão. Um destacado membro do parlamente criticou pessoalmente o líder curdo iraquiano Massoud Barzani e a sua intenção declarada de anexar Kirkuk.

Barzani é próximo dos serviços de informações israelenses. O incremento da atividade desses serviços na região do Curdistão e a iniciativa de Netanyahu no sentido de se imiscuir nas divergências inter-iraquianas explicam a emergente possibilidade de Teerã considerar reatar o apoio ao Hamas.

Os laços entre Teerã e o Hamas restringiram-se nos últimos anos, depois da catastrófica decisão de Khaled Mashaal de abandonar Damasco e de se instalar em Doha, alinhado com os países da região que pressionavam uma mudança de regime na Síria.

Sem dúvida que Mashaal será hoje um homem mais sábio (e mais triste), como é visível na carta que dirigiu ao presidente iraniano, Hassan Rouhani, pedindo ajuda. Para além disso, Teerã realizou uma importante manobra na frente diplomática. O vice-ministro do Exterior, Abdollahian, deslocou-se no fim-de-semana a Moscou para consultas com o seu homólogo russo relativas ao desenvolvimento da situação no Iraque e na Síria, em particular no que diz respeito à necessidade de frustrar a estratégia dos EUA.

É visível nestas conversas em Moscou um elevado grau de coordenação russo-iraniano. Naturalmente, o Irã saúda a iniciativa russa de envio de aviões a jato e conselheiros militares para Bagdá. O objetivo de ambos os países será de recusar a Washington a prerrogativa de ditar o governo do Iraque.

É interessante registrar que Moscou atendeu a solicitação de ajuda por parte do primeiro-ministro em funções Nouri al-Maliki, não obstante as desesperadas tentativas de Washington para o apear e o substituir por uma figura mais manejável à frente do governo de Bagdá. Os meios de comunicação ocidentais quiseram arrumar Maliki como definitivamente queimado, mas Moscou e Teerã poderão não ter a mesma opinião.

Teerã concluiu que a saga do ISIL no Iraque é um empreendimento EUA-Saudita e que o Catar foi excluído dele. (As relações Sauditas-Catar estão em estado de congelamento). O conclave que se reuniu com Kerry em Paris a 26 de Junho para discutir o roteiro para o Iraque e a Síria incluía a Arábia Saudita, os Emirados Árabes Unidos e a Jordânia, mas a ausência do Catar saltava à vista.

Nesses termos, no domingo Rouhani pegou no telefone e debateu com o Emir do Catar os desafios do Iraque e do ISIL. Rouhani propôs que o Irã e o Catar se juntassem para combater o terrorismo no Iraque. Na segunda-feira igualmente, numa chamada telefônica do primeiro vice-presidente do Irã para o primeiro-ministro sírio, Wael al-Halqui, Teerã reiterou o seu apoio ao presidente sírio Bashar.

O significado fundamental destas iniciativas na frente diplomática é que o Irã espera infligir uma esmagadora derrota ao ISIL. Está claramente em curso a mobilização para esse objetivo. O Irã não permitirá que a vitória conseguida na Síria seja posta em causa pelas forças derrotadas através da ofensiva do ISIL no Iraque; nem irá contemporizar com uma reversão do ascendente xiita no Iraque pela porta dos fundos da “balcanização” do país. Em resumo, Teerã não está disponível para comprometer os seus interesses vitais e as suas preocupações centrais na Síria e no Iraque apenas porque as conversações entre o G5+1 e o Irã acerca da questão nuclear se aproximam da reta final.

*Foi diplomata de carreira do Serviço Exterior da Índia. Prestou serviços na União Soviética, Coreia do Sul, Sri Lanka, Alemanha, Afeganistão, Paquistão, Uzbequistão e Turquia. É especialista em questões do Afeganistão e Paquistão e escreve sobre temas de energia e segurança para várias publicações, dentre as quais The Hindu, Asia Times Online e Indian Punchline.

Fonte: O Diário.info