Gomez: Na Rússia, o grito das vítimas de "limpeza étnica" da Ucrânia

Os serviços das Nações Unidas calculam que mais de 100 mil cidadãos ucranianos se refugiaram na Rússia desde que os responsáveis pelo aparelho de segurança de Kiev decidiram atacar militarmente as províncias do Leste e Sudeste da Ucrânia, para “repor a ordem constitucional no país”. As autoridades russas montaram acampamentos na região de Rostov do Don e procuram minorar os efeitos da tragédia humana.

Por Castro Gomez, de Rostov do Don para o Jornalistas sem Fronteiras

Refugiados ucranianos na Rússia - Maxim Zmeyev / Reuters

A maior parte dos refugiados são mulheres e crianças e chegaram praticamente com a roupa que tinham no corpo quando foram forçadas a fugir aos bombardeamentos das tropas ucranianas.

Os refugiados passam a ter direito a um período de permanência de um ano, em vez dos 90 dias que vigoravam até ao início do êxodo, e os responsáveis de acolhimento procuram que todos os adultos tenham acesso a emprego e os mais jovens encontrem lugares nas escolas.

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“Estamos sendo vítimas de uma limpeza étnica e o mundo aceita que os de Kiev digam que têm autoridade para a fazer”, afirma Ielena Alexandrova, fugida de Kramatorsk juntamente com uma filha de 13 anos. “Não sei do meu marido, não consigo notícias dele, ficou tentando convencer a mãe a fugir, mas depois perdemos o contato”.

Em Kramatorsk não há água ou luz. “Os bombardeamentos são cegos, hordas fascistas andam à solta, usam bombas de fósforo, queimam a nossa gente, querem obrigar-nos a fugir – não sei o que mais é preciso para se falar numa limpeza étnica”, insiste Ielena.

“Não somos separatistas, não somos pró-russos, nem terroristas nem outras coisas que nos chamam no ocidente, como se fôssemos uns bichos raros, gente com peçonha”, lamenta Viktoria, mulher de 60 anos de Kondrashkova, aldeia que continua a ser sistematicamente arrasada pelas tropas de Kiev.

Viktoria tenta distribuir os familiares pelas duas tendas que lhe foram facultadas e não cala a revolta: “Somos gente, somos ucranianos como todos os outros, falamos russo, queremos continuar falando russo, e daí? Tínhamos vizinhos que falam ucraniano e foi preciso estes fascistas tomarem conta do governo de Kiev para que notássemos isso, sempre nos entendemos, sempre vivemos em paz”.

Muitas destas famílias distribuídas pelo acampamento que vai crescendo viviam da agricultura. “Semeamos, mas não vamos colher, ficaram lá as nossas terras tratadas, os nossos animais, tudo aquilo que era a nossa vida”, lamenta Olga, que declina revelar o sobrenome. “O meu marido e o meu filho mais velho ficaram lá, lutando contra os novos fascistas, as milícias do Setor de Direita e da Guarda Nacional. Nunca pensaram em fazer guerra, até que a guerra entrou pelas portas da nossa casa, espezinhou a nossa horta.”

Poroshenko “é tão mentiroso e criminoso como os outros, mesmo que tenha chegado depois e digam que foi eleito”, sublinha Viktoria, inconformada, revoltada. “Todos eles estão no governo por golpe e com que direito dizem que vêm restabelecer a ordem nas nossas terras? A ordem deles é roubar: não é por acaso que estão oferecendo terras nas nossas províncias aos soldados que se alistem para vir nos matar. São as nossas terras que eles se preparam para lhes oferecer. É como disse Ielena, isto é uma limpeza étnica”.

São mais de 100 mil, grande parte deles concentrados em Rostov do Don, no coração da terra cossaca. Muitos ficaram pelo caminho. Os que pretendem “restabelecer a ordem constitucional” pela força das armas são os mesmos que se recusam a abrir corredores humanitários às populações que fogem do massacre ou lhes reservam “campos de filtração” para impedir que os “verdadeiros ucranianos” sejam contaminados “pelos outros”.

Fonte: Jornalistas sem Fronteiras