Um ano das jornadas de junho: é preciso avançar na democracia

No próximo dia 20 de junho completaremos exato um ano desde o dia no qual as ruas de Goiânia foram tomadas por dezenas de milhares de homens e mulheres insatisfeitos com a qualidade dos serviços públicos de nosso país, de nossa política, e indignados com a repressão violenta às manifestações populares que precederam aquela.

Por Paulo Victor Gomes*, especial para o Vermelho

Manifestações em Goiânia 2013

Naquele dia, o povo goianiense se somou aos milhões de brasileiros que protagonizaram as chamadas jornadas de junho. A grande onda de protestos que, vale lembrar, em Goiânia começou ainda em meados de março de 2013, atingia então seu ápice, tendo se alastrado por todo o país e abalado as estruturas da velha política.

Um ano depois, qualquer cidadão ou cidadã que se preocupe com os rumos de nosso país deve se fazer duas perguntas fundamentais: 1) qual foi o legado deixado pelas ruas de junho? 2) o que fazer de agora em diante para avançar mais rumo à construção do Brasil que nós queremos? No início da Copa do Mundo de 2014, no último dia 12, e nos aproximando do começo da disputa eleitoral, nos atentarmos para estas questões se trata de uma necessidade irrecusável. É preciso colocar os devidos pingos nos “is”, e agir com a responsabilidade que se impõe aos verdadeiros defensores de um país mais justo e democrático.

A população que foi às ruas pedir uma educação de qualidade, um sistema de saúde mais digno, um transporte coletivo mais humano, o fim da corrupção e uma melhor representação política, e que se revoltou contra a violência praticada pelo Estado contra a sociedade, já pôde sentir alguns avanços. A pressão popular fez ser aprovada a destinação de 75% dos royalties do petróleo da camada Pré-Sal para a educação e 25% para a saúde; garantiu o investimento de 50% do Fundo Social oriundo do mesmo Pré-Sal também em educação; fez ser aprovado (após quatro anos de resistência das elites) o projeto de lei que cria o Plano Nacional de Educação (PNE) para os próximos 10 anos, estabelecendo a meta de atingirmos o patamar de investimento de 10% de nosso Produto Interno Bruto (PIB) no setor educacional. Estas conquistas serão responsavéis, nos próximos anos, pelo maior aporte de recursos para este setor, na história do nosso Brasil! Numa estimativa pessimista teremos, em muito breve, duas vezes mais dinheiro investidos em nossas escolas e universidades.

Foi em resposta às manifestações de junho que a presidenta Dilma Rousseff implantou o Programa Mais Médicos, que já levou mais de 14 mil profissionais para 4.152 municípios brasileiros. Já é o maior programa de provimento destes profissionais da história do país! Norte e Nordeste, bem como cidades do interior das demais regiões, são os principais beneficiados, inciando a correção de uma desigualdade regional histórica. Para que se tenha ideia, antes do programa apenas 8% dos médicos estavam em localidades com população inferior a 50 mil habitantes. Enquanto a média nacional era de 2 profissionais para cada mil cidadãos e cidadãs, estados como Maranhão, Pará e Amapá tinham menos de um profissional para cada 100 mil pessoas! Apesar de estar longe de ser a solução definitiva para a saúde pública brasileira, trata-se de um importante passo à frente.

Em relação ao transporte público também já podemos notar perspectivas de melhora. O chamado Pacto Pela Mobilidade Urbana, anunciado por Dilma no calor das manifestações do ano passado, irá repassar somente para Goiânia R$ 545 milhões em 2014. Este montante será investido na construção do BRT Norte-Sul (sistema semelhante ao do Eixo Anhanguera, que liga as regiões Leste e Oeste da Região Metropolitana), de seis corredores preferenciais do transporte coletivo e na elaboração de mais 16 projetos, totalizando 200 Km de intervenções urbanas por um sistema com maior fluidez e agilidade, possibilitando a inserção de mais veículos nas linhas e reduzindo a superlotação. Evidentemente, ainda há os desmandos das empresas a serem enfrentados, mas é preciso reconhecer o avanço.

Foi a partir da insatisfação das ruas com a corrupção e o descrédito na política e nos políticos que voltou a ganhar força o debate em torno da necessidade de uma Reforma Política democrática. As jornadas de junho possibilitaram a oportunidade de mostrar ao conjunto da sociedade que a influência do poder econômico na política (a partir, principalmente, das eleições) é a principal causa da corrupção e da baixa qualidade de nossas instituições públicas. Estima-se que quase 200 dos 513 deputados e deputadas federais representam os interesses do agronegócio. É sensato supor que quase 40% da população brasileira é composta por grandes proprietários rurais? Absolutamente não! O que ocorre é que a força do dinheiro investido pelas empresas nas campanhas eleitorais determina o resultado das eleições e a composição dos parlamentos. Evidentemente, quem investe quer retorno. A atuação do/a deputado/a fica condicionada pelo interesse de quem financiou sua campanha. Fecham-se as portas para as necessidades do povo e abrem-se para a corrupção e a manutenção das desigualdades. Reacender essa discussão sobre o fim do financiamento de empresas nas campanhas eleitorais é legado das ruas de junho, e aprofundá-la agora é dever de todos nós!

É preciso tratar ainda da última das questões que foi central nas jornadas de junho: a violência do Estado contra a população, e a criminalização das manifestações e dos movimentos sociais. O grande fator causador de comoção social, que fez as pequenas manifestações por um transporte público de qualidade se tornarem grandes manifestações por um Brasil melhor, foi a repressão violenta dos governos, através de suas polícias, aos manifestantes. Isso fez, e continua a fazer, parte de um pacote conservador de medidas antidemocráticas.

Fator relevante neste debate foram as recentes prisões de militantes da Frente de Luta pelo Transporte em Goiânia. Sob a acusação de “formação de quadrilha” e incitação à violência, estudantes foram detidos arbitrariamente. Como “provas” foram apreendidos em suas casas, vejam bem, cartazes e panfletos de divulgação de protestos! Ora, se organizar-se para lutar por um país melhor é formar uma quadrilha, em junho passado foram às ruas milhões de criminosos!

De acordo com estudo realizado pela ONG “Artigo 19”, mais de 2.600 pessoas foram presas nas 696 manifestações que ocorreram em 2013. O uso indiscriminado de armas “menos letais”, como balas de borracha e bombas de gás lacrimogênio, marcou fortemente as ações policiais. Mais de 100 jornalistas foram feridos ou agredidos no exercício de sua profissão. Nada menos que 21 projetos de lei tramitam atualmente no sentido de criminalizar manifestantes! A Lei Geral da Copa, imposta pela Fifa, proibe a realização de atos que não sejam considerados “amigáveis” ou “pacíficos” nas proximidades dos estádios. No texto legal, não fica definido quem julga o que é amigável ou pacífico… Há ainda a tramitação da chamada Lei Antiterrorismo, que endurece o trato do Estado frente aos protestos.

É verdade que alguns grupelhos irresponsáveis fazem uso da violência, descaracterizando as manifestações. Porém, este pacote conservador e antidemocrático não pode ser a solução!

Como afirmou recentemente o ministro Aldo Rebelo, em nosso país já há legislação suficiente para lidar com práticas criminosas infiltradas nos atos políticos. Não se deve ameaçar o direito à livre manifestação de ideias com base na depredação do patrimônio público e privado promovida por meia dúzia de inconsequentes. É fato que a queima de ônibus e outras medidas radicais em nada colaboram, no contexto atual, para a conquista de apoio popular à pauta dos protestos. Não ajudam, nem mesmo, na pressão aos governos. Porém, não pode ser tratado como terrorista quem vai às ruas exigir seus direitos e lutar por um Brasil melhor.

Antes de concluir, é preciso abordar o tema Copa do Mundo. Desde o ano passado alguns grupos políticos isolados entoam o discurso “não vai ter Copa”, como a se a realização dessa competição fosse um problema a ser enfrentado. Estes minúsculos segmentos, que reivindicam para si (de forma oportunista) o legado das jornadas de junho, querem fazer o povo acreditar que é necessário canalizar sua energia transformadora no enfrentamento a esse tão esperado evento esportivo.

Já está mais que provado que é falso o antagonismo entre a Copa e os investimentos necessários em saúde e educação. Em primeiro lugar, os recursos investidos nas obras da Copa não foram retirados dos orçamentos destes setores (e nem poderiam ser revertidos para eles). São empréstimos do BNDES (Banco Nacional do Desenvolvimento Econômico e Social) para a iniciativa privada, que retornarão aos cofres públicos com os devidos juros e correções. Em segundo lugar, as cifras são estrondosamente distantes. Enquanto os investimentos nas obras da Copa não chegam aos R$ 30 bilhões, no mesmo período foram aplicados R$ 850 bilhões em educação e saúde! Em terceiro lugar, o legado material da Copa (dinheiro que entrará nos setores de comércio e serviço e obras de infraestrutura) supera, e muito, o volume investido. Somente a Copa das Confederações, que aconteceu em 2013, já fez circular mais que o montante aplicado na realização do mundial. Por fim, o legado imaterial e simbólico é intangível. As ruas pintadas de verde e amarelo que vemos atualmente já demonstram como está forte o sentimento de orgulho nacional, além, claro, da visibilidade internacional de nosso país.

Os ditos problemas da Copa não são da Copa! As remoções arbitrárias de comunidades para a realização de obras de infraestrutura, as imposições da FIFA, o favorecimento do capital financeiro, estão presentes todos os dias, desde muito antes de conquistarmos a realização da Copa 2014. São fruto da sociedade capitalista. Então, por que demonizar a Copa? A quem isso interessa se não aqueles que só pensam em desestabilizar o governo?

Não vejo os grupos que protagonizam o “não vai ter Copa” atacarem o verdadeiro assalto ao povo brasileiro que é o pagamento dos juros e amortizações da dívida pública. Faríamos 30 Copas por ano não fosse o estrangulamento de mais 40% do orçamento da União para favorecer os banqueiros e especuladores dos círculos financeiros internacionais! Teremos Copa sim, e o Brasil vai ser hexa! Se protestos ocorrem, que bom para a democracia. Porém, é importante saber idetificar o inimigo a ser combatido. Quem impede o Brasil de avançar não é nosso tão amado futebol e nem a realização da Copa do Mundo, e sim, a velha política que deve ser combatida nas ruas e nas urnas!

Por falar em urnas, é momento de canalizarmos nelas nossa energia transformadora. O voto, assim como os protestos, é uma forma eficiente de pressionarmos por mais avanços. Se é verdade que as ruas de junho proporcionaram muitas conquistas, também é que ainda há muito por fazer. Da mesma forma que não podemos abandonar as ruas, mas sim ocupá-las com cada vez mais força, precisamos fazer das eleições um momento de expressarmos nossa revolta perante as injustiças.

Em 5 de outubro, escolheremos deputados/as estaduais e governadores/as, deputados/as federais, senadores/as e presidente/a da República. Quem foi e continua a ir às ruas precisa se sentir responsável por fundamentar bem suas escolhas eleitorais, ter opinião consistente sobre os rumos de seu Estado e de nosso país. Esse é mais um passo rumo à construção do Brasil dos nossos sonhos. Um passo após o outro e chegaremos lá! Viva o Brasil! Viva a democracia!

*Secretário geral do Diretório Central dos Estudantes da Universidade Federal de Goiás (DCE/UFG); estudante de Ciências Sociais; militante da União da Juventude Socialista (UJS).