Resultados das eleições mostram uma Europa dividida pela crise

No domingo (25) terminaram as eleições de quatro dias para o Parlamento Europeu (PE). Análises radicais apontam à ascensão da extrema-direita, como a Frente Nacional, da França, e a Alemanha, onde os neonazistas do Partido Democrático Nacional conseguiram um assento. Já em Portugal, a Coligação Democrática Unitária (CDU), de esquerda, conquistou outra vaga. Ponderações sobre os resultados abrangem frustrações populares com políticas de arrocho impostas inclusive por forças ditas “socialistas”.

Eleições na Europa - Social Europe

As eleições para o legislativo da União Europeia (UE) envolvem questões de fundo no debate sobre a organização. Para uns, o bloco deve tornar-se uma instituição supranacional, que tenha caráter de governo, quase como uma “federação” europeia.

Outros opinam, ainda antes do assombro das medidas de arrocho impostas pelos credores internacionais da troika (Comissão Europeia, Banco Central Europeu e Fundo Monetário Internacional), que isso significaria a rendição das soberanias nacionais ao imperialismo dos países europeus mais fortes, como a Alemanha.

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No contexto da crise internacional, que eclodiu em 2007-2008, mas ainda mantém efeitos trágicos sobre as economias e os povos de diversos países (Portugal, Itália, Espanha, Grécia e outros do leste europeu, principalmente, mas até da França e do Reino Unido), este debate mostra-se central. As receitas para a “saída da recessão” profunda em que vive o continente têm mergulhado os europeus na pobreza, enquanto as grandes fortunas expandem-se.

Neste sentido, forças de esquerda como a CDU portuguesa defendem a participação nas eleições para o Parlamento Europeu justamente como forma de combater o avanço das medidas de arrocho já institucionalizadas em grande parte dos países que recebem “pacotes de resgate” financeiro da troika, em troca de reformas destrutivas e ataques profundos aos direitos sociais conquistados pelos trabalhadores.

Além disso, “apesar de mudanças no sentido de imiscuir alguma representatividade democrática no fundo do túnel muito escuro da autocracia mercantil e da arbitrariedade bancária, o Parlamento Europeu pouco parlamenta,” escreve José Goulão, diretor do jornal internacional e online Jornalistas sem Fronteiras. Goulão refere-se às atribuições do PE, que não elege os cargos executivos da UE e não possui iniciativa própria para legislar – o que faz é opinar, aprovar ou mudar propostas de lei da Comissão. Goulão enfatiza: “O Parlamento Europeu não decide, recomenda; não demite, adverte; não bloqueia, adia.”

Resultados variados

Assim como no Portugal de José Sócrates, primeiro-ministro até 2011 pelo Partido Socialista (PS), na França do presidente François Hollande, também de um PS, o cumprimento das ordens da troika pelo arrocho e pela agressão às políticas sociais leva muitos a verem as legendas com ceticismo.

O progesso da aliança de esquerda Coligação Democrática Unitária (CDU) entre o Partido Comunista Português (PCP) e o Partido Ecológico "Os Verdes" (PEV) é significativa, neste contexto, com três assentos conquistados. Jerónimo de Sousa, secretário-geral do PCP, assinala que o resultado da CDU é a "vitória da confiança e da esperança."

Já para os franceses, o avanço foi da extrema-direita. O partido de Marie Le Pen, Frente Nacional, conquistou 26% dos votos, em comparação com os 20,6% da União por um Movimento Popular (UMP) – da qual o ex-presidente Nikolas Sarkozy já foi líder – e os 13,8% do Partido Socialista de Hollande, que atingiu um recorde negativo.

No caso da Alemanha – que se apresenta como a mandatária nessa situação e na formulação das políticas europeias, através da figura forte de Angela Merkel – a situação de insegurança social também existe. O Partido Democrático Nacional (NPD), neonazista, tem ganhado espaço interno e, nas europeias, conquistou um assento no Parlamento pela primeira vez. A questão é alarmante porque o domínio já é exercido pelo partido de Merkel, União Democrata-Cristã (CDU), da direita liberal-conservadora, em coligação com a União Social-Cristã da Baviera (CSU).

A Alemanha enviará o maior número de deputados ao PE, 96, majoritariamente do partido de Merkel. A coalizão CDU-CSU, ainda assim, reduziu sua representação de 42 para 35 cadeiras, com a pior fatia dos resultados atribuída à CSU. A ascensão é garantida ao Partido Social-Democrata da Alemanha (SPD), que se apresenta como de centro-esquerda. Seus votos garantem o aumento de quatro deputados no PE, passando de 23 para 27.

Na Espanha, o Partido Popular (PP) de direita – liberal-conservador e que está no poder, com o presidente do Governo espanhol Mariano Rajoy – recebeu 26,06% dos votos, ou 16 assentos, apesar de liderar um dos regimes de arrocho com resultados mais extremos na Europa, em um país que vê as taxas de desemprego e empobrecimento baterem recordes. Logo atrás do PP, o Partido Socialista Operário Espanhol (PSOE) recebeu 23% dos votos, com 14 de 54 assentos. A abstenção espanhola foi de 54,16%.

Na Grã Bretanha, o Partido da Independência do Reino Unido (Ukip) – de direita e resistente contra a UE, ou em oposição ao processo de integração – ficou à frente, com 27,49% dos votos, e o Partido Trabalhista, de centro-esquerda, ficou em segundo lugar, com 25,4%, e compõe o bloco Socialistas e Democratas, o segundo maior no PE.

Na Dinamarca, os resultados também foram favoráveis à extrema-direita, com o Partido Popular Dinamarquês dominando a maior fatia do país no PE e dobrando sua representação, de dois para quatro deputados. Na Finlândia, outro partido de extrema-direita, o Partido dos Finlandeses, conseguiu dois assentos, com 13% dos votos (menos do que o conquistado nas eleições nacionais, 19%) e o conservador Coalizão Nacional, no governo, ficou à frente, com 22% dos votos. Mas, segundo o jornal britânico The Guardian, os países nórdicos enviam mais representantes denominados "céticos" com relação à UE.

Na Grécia, o Syriza, de centro-esquerda, conduziu o setor a uma vitória sobre os dois partidos que disputam tradicionalmente o poder, atualmente na coalização de governo: o Nova Democracia, conservador, e o Pasok, socialdemocrata. Os neofascistas da Aurora Dourada conseguiram cerca de 10% dos votos.

O Syriza tem como bandeira principal a posição anti-austeridade e seu líder, Alexis Tsipras, convocou o país a exigir eleições gerais imediatamente, já que o resultado, que deu ao seu partido 4% a mais de votos em comparação com o partido da Nova Democracia, do primeiro-ministro Antonis Samaras, mostra uma rejeição às políticas de arrocho impostas aos gregos. Muitos protestos têm sido organizados contra as medidas de austeridade impostas pela troika de credores internacionais e contra o imperialismo alemão de Angela Merkel (como o da foto ao lado).

Participação e questionamento do projeto europeu

Passados cinco anos da explosão da crise, com recessão persistente e arrocho rompante, que têm mergulhado os europeus em um fosso social crescente, os resultados expõem uma Europa dividida, fragmentada entre a rejeição contra a “austeridade” e a frustração com alguns líderes que poderiam representar a alternativa, em países como a França.

Entretanto, o receio pela ameaça de abstenção em massa não se verificou completamente. Na Alemanha, embora a participação tenha sido menor que a metade da população eleitora, representou um aumento de 5% em comparação com as últimas eleições, somando 47,9%.

Embora a abstenção não tenha sido tão expressiva quanto o esperado, a média de participação no conjunto dos países ficou em 43%, ainda considerada baixa, sem aumento expressivo com relação às últimas eleições, em 2009. Isso pode ser considerado um símbolo do questionamento sobre a legitimidade do Parlamento, que recebeu mais poderes recentemente. Além disso, mais análises enfatizam que a representatividade daqueles que se opõem ao projeto de uma UE é crescente.

“A União Europeia que existe – e não vamos sequer discutir o modo como foi parida –“, escreve Goulão, “é uma tenebrosa estrutura de poder autoritário, uma monstruosa distorção da democracia (…). É contra isto que temos de votar. Com a consciência absoluta de que só isso não chega.”

Por Moara Crivelente, da Redação do Vermelho,
Com informações de jornais europeus