Juventude reacende discussão sobre legalização das drogas no Brasil

No vizinho Uruguai, a maconha foi legalizada. Na Argentina, a Corte Suprema declarou inconstitucional a criminalização do consumo de drogas e do cultivo para uso pessoal; debates sobre o consumo acontecem agora no México, Peru, Colômbia, Equador e Guatemala, reconhecendo que a criminalização não é uma boa política. Todo esse universo reacende a discussão sobre a política de drogas adotada no Brasil.

Por Patrícia Blumberg, no site da UJS

Não existe no Congresso Nacional nenhuma proposta objetiva para debater o consumo. A maioria dos projetos em tramitação pretende tornar mais rigorosa a legislação atual e até mesmo criminalizar e internar compulsoriamente o usuário. Há quem defenda, no entanto, a legalização das drogas e a regulamentação da produção e do consumo como única maneira de combater a escalada do uso e a violência gerada em torno dela.

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Essas duas vertentes conduziram um debate amplo sobre o tema na manhã desta sexta-feira (23), no Minas Brasília Tênis Clube, em Brasília. A mesa, intitulada “Drogas: uma questão econômica, social e de saúde pública”, contou com a participação de Oscar Gomez, vice-ministro da Educação do Uruguai; Leon Lobo Garcia, diretor de Articulação e Coordenação de Políticas sobre Drogas do Ministério da Justiça; e Ismael Cardoso, diretor de comunicação da UJS, que vem estudando sobre o assunto já há algum tempo.

A violência é fruto das drogas ou da sua proibição?

As falas dos convidados convergiram em um ponto central, imprescindível para o debate sobre a legalização das drogas no Brasil e sua possível regulamentação: a violência que existe hoje é fruto das drogas ou da sua proibição?

Para Leon Lobo, as drogas estão relacionadas ao maior problema que existe hoje no Brasil, o genocídio dos jovens pobres nas grandes periferias do Brasil. “É isso que devemos combater com unhas e dentes. Nós não conseguimos ainda avançar em políticas sociais que possibilitem aos jovens pobres e negros progredirem na sua escolaridade. Temos um grande número de jovens que abandonam as escolas porque não há possibilidade de perspectiva. Esse é um dos grandes problemas, que nada se relaciona ao consumo das drogas”, reforçou o estudioso.

Leon levantou também uma questão interessante: o cuidado com as pesquisas relacionadas ao consumo de drogas e o aumento da violência no Brasil. “Existem pesquisas sérias, sem influência de uma classe conservadora, que diz que não há associação do uso de drogas com o ato de cometer crimes. Um caso ou outro ganha destaque na mídia, mas essa não é a regra. Essas notícias ajudam a criar uma imagem negativa e tendenciosa para o debate”, rebateu.

Para Ismael Cardoso, o objetivo do Congresso não é fazer apologia ao uso das drogas, mas travar um debate sério sobre sua proibição, que hoje traz prejuízo com a chamada “guerra às drogas”: “Depois de tantos anos de proibição e guerra, os resultados são violência, mortes, prisões superlotadas, desigualdade, racismo, corrupção, aumento dos riscos e danos à saúde e nenhuma redução na disponibilidade das substâncias proibidas. Ao contrário, elas ficaram mais baratas, mais potentes, mais diversificadas e mais acessíveis do que eram antes de ser proibidas”.

“Negro pobre é traficante e rico branco, usuário”

Leon Lobo também fez uma reflexão sobre a legislação em vigor, aprovada em 2006, sobre a diferenciação entre usuários e traficantes. “Não temos na legislação brasileira uma diferenciação objetiva do que é usuário e do que é traficante. Uma subjetividade injusta acaba tratando negro pobre como traficante e rico branco como usuário. Temos que tirar definitivamente do âmbito do código penal o usuário de drogas. Ele ainda está dentro do Sistema Penal. É possível avançar para desligar o usuário do sistema policial e judiciário”.

Para Leon, a legislação é injusta e viola o princípio da isonomia ao permitir drogas, como o álcool e o cigarro, e manter outras na ilegalidade.

Aprendendo com a política uruguaia

Oscar Gomez trouxe um curta-metragem interessante sobre a evolução do tema em seu país e passou para todos os participantes da mesa antes de iniciar sua fala. O áudio era em espanhol e a legenda em inglês, mas, mesmo assim, foi possível entender que, no meio do processo, em 1998 especificamente, houve uma mudança brusca na política sobre drogas no Uruguai.

“O governo sempre teve autonomia sobre o tema, mas, em 1998, começou a existir um grande controle com as drogas, por vários motivos. No Uruguai, 80% dos usuários de drogas ilegais, consomem maconha. Grande parte dessa fatia está vinculada ao tráfico e ao crime organizado. Depois de todos esses anos, entendemos que era preciso um marco na política integral, pois o problema era social, complexo e com muitos meandros.

Gomez explicou que para legalizar a maconha no país, houve uma grande discussão com todos os setores da sociedade. “Uruguai tem 45% a menos de população do que o Brasil. Conseguimos, através de coletivos, discutir com 50% da população uruguaia. A Junta Nacional de Drogas chegou à conclusão que o proibicionismo não sustentava mais o debate. Era preciso criar uma lei que contemplasse a todos.

A lei possui quatro grandes objetivos: separação de mercados (maconha com outras drogas); normalização do marco político sobre o uso da cannabis; diversificação do tema; e combate ao narcotráfico.

“Conseguimos reduzir a hipocrisia sobre o tema. O projeto que enviamos era muito distinto do que planejamos porque incorporou todo pensamento coletivo, dos mais radicais aos mais extremistas. Demos um tímido passo na busca pela regulamentação e controle do conjunto das drogas.”, finalizou.