José Goulão: O voto e os tanques

Com todo o respeito pelos militares que usam os tanques para defender direitos dos povos, a verdade é que sempre ouvi dizer que o voto é a arma do povo.

Por José Goulão, no Jornalistas sem Fronteiras

Refletir sobre isto nos levaria muito longe porque sabemos que os votos, traduzindo em tese os desejos e vontades dos que os depositam nas urnas, são usados muitas vezes – e cada vez mais pelo mundo fora – para deturpar as esperanças dos que ainda acreditam que a democracia é o veículo capaz de garantir uma governação à medida das maiorias.

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Deixemo-nos de ilusões. Há muito que os senhores do dinheiro e os seus aios políticos da governação bipolar aprenderam a fazer com que a democracia formal seja a mais indolor das ditaduras, para levar as pessoas a acreditar que escolheram uma coisa, mas as circunstâncias, as crises e coisas correlativas não permitem que se cumpra, para já, a sua vontade, ficando para melhores dias desde que se sujeitem a fazer os indispensáveis sacrifícios.

Quando se “escreve pelo mundo fora” a propósito dos desejos e vontades, podemos deter-nos, por exemplo, na Ucrânia. Talvez estejamos ali perante o admirável mundo novo, a magia de uma democracia onde tudo o que vemos é virtual. Existiam um governo e um presidente eleitos – que pelos vistos não eram grandes peças, mas olhemos o cenário de Lisboa a Berlim e tentemos perceber onde estão as diferenças – que foram derrubados por um golpe de Estado.

Então esse golpe de Estado impôs a democracia, instaurando um governo e um presidente não eleitos, sustentados por um aparelho policial e militar governado por fascistas confessos. Todos os países e uniões onde se faz doutrina sobre quem pratica ou não a democracia proclamaram que a situação em Kiev estava nos conformes e todos os que se lhe opõem, falando língua diferente ou pensando de outra maneira, estão imbuídos de tentações ditatoriais e ao serviço de uma potência com vocação para pária.

Acontece que nas regiões inconformadas houve quem, perante canhões e arbitrariedades, decidisse recorrer ao voto dos cidadãos, escolhendo-o como uma arma para fazer frente às armas de fogo.

Então as democracias clamaram que tal ideia de referendar o direito à diferença, a uma opinião e língua própria dentro do mesmo país, era “ilegítima”, "ilegal” porque contrariava um direito democrático nascido de golpe de Estado e imposto na ponta de espingardas empunhadas por fascistas.

 
Ao ver as coisas desta maneira, talvez a culpa seja minha, não fui suficientemente expedito para acompanhar a evolução ultrassônica da democracia mercantil. Enfim, vocês dirão, mas a minha sensação é a de que os votos se aceitam como coisas decentes, quando a sua soma serve os que estão vocacionados para governar; se assim não for, corrige-se o desvio chamando os tanques e até, se for preciso, uns mercenários estrangeiros.

De uma penada corrige-se a democracia e reanima-se a economia com reforço de produtividade e emprego. Abençoada criatividade.

*José Goulão é um jornalista português, diretor do novo jornal internacional online, Jornalistas sem Fronteiras.

Fonte: Jornalistas sem Fronteiras