Sheila Fonseca: A nova cara do mercado literário brasileiro

Com crescimento do setor autores e pequenas editoras buscam caminhos para se manter em um mercado competitivo e conquistar novos leitores.

Por Sheila Fonseca, especial para o Vermelho

Nos últimos 10 anos o volume de investimento em feiras e festivais literários no país triplicou, chegando a R$ 11,6 milhões em 2011. É o que aponta levantamento da Biblioteca Nacional.

Segundo o estudo, esse crescimento se deu por intermédio da lei Rouanet e calcula-se que 10 milhões de brasileiros frequentem este tipo de evento anualmente, movimentando mais de R$ 100 milhões para o setor apenas em feiras. O estudo traçou um panorama do mercado editorial avaliando o impacto do apoio destas iniciativas nos hábitos de leitura dos brasileiros e na cadeia produtiva do setor.

A Fundação Instituto de Pesquisas Econômicas (Fipe) concorda com a avaliação em relação ao crescimento dos investimentos, segundo aponta pesquisa feita por encomenda da Câmara Brasileira do Livro (CBL) e Sindicato Nacional de Editores (Snel). A pesquisa revela que o mercado movimenta cerca de R$ 4,8 bilhões no total e demonstra aquecimento, com aumento na produção e impressão de livros.

Contudo, nem só de vitórias vive a literatura nacional, que em contraponto à alta de investimentos vive momentos de baixo crescimento em termos de faturamento. Dados da pesquisa Produção e Vendas do Setor Editorial Brasileiro 2011 revelam que o mercado pode estar sofrendo déficit de faturamento tendo em conta vendas diretas para o leitor. No ano de 2011 em relação a 2010 o crescimento foi de apenas 0,81%, já descontada a inflação e somadas às vendas das editoras para livrarias, leitor final e também para o Governo. Se forem excluídas dessa conta as compras do Governo Federal, o que se registrou, foi queda real de 3,27%.

Eduardo Lacerda, proprietário da ‘Editora Patuá’, ressalta a necessidade de uma política de continuidade nas leis de fomento “É uma questão complicada. Se as editoras só sobrevivem com o apoio do governo, então não temos um mercado editorial. Ficamos dependentes. As editoras acabam publicando apenas aquilo que pode ser adotado nas compras governamentais ou publicando apenas o que pode dar um retorno certo e imediato, isso prejudica a bibliodiversidade, a publicação de escritores iniciantes, o interesse de novos leitores e o próprio 'mercado'. Por outro lado os governos (municipais, estaduais e federal) concedem cada vez mais bolsas para escritores como um paliativo. Não há uma política continuada, que envolveria diversas ações, a melhora da educação é apenas uma delas, mas também a criação de mais bibliotecas e livrarias, a valorização das profissões correlacionadas à educação, livro, literatura e cultura (professores, editores, revisores, diagramadores, bibliotecários, livreiros etc). Enquanto as ações forem apenas pontuais e contemplarem apenas certos setores, as coisas continuarão como estão por muito tempo.”opina, Eduardo Lacerda.

Os novos autores

O aumento e variedade do segmento se reflete trazendo rotatividade e dando oportunidade a escritores tanto conhecidos, como desconhecidos do grande público.

É o caso da escritora carioca Tamara Martins, de apenas 20 anos, que prepara coletânea de contos para o lançamento de seu primeiro livro. Para a autora a internet tem sido uma ferramenta de visibilidade para novos escritores, mas ressalta que não é uma solução mágica. “A Internet, é uma faça de dois gumes, tanto ajuda quanto atrapalha. É claro que o acesso a livros em formato digital, artigos e notícias, por exemplo, pode ser de grande utilidade na confecção de um texto, tanto no que diz respeito ao vocabulário quanto à consistência do que se escreve. Entretanto o fluxo de informações é muito grande e demanda uma filtragem – não censura, mas uma seleção critica – que muitas vezes deixamos de fazer”, diz Tamara, que cursa jornalismo na PUC Rio.

Tamara ressalta que há uma nova geração interessada no processo de escrita fomentando o mercado “A impressão que eu tenho é que a escrita é intensamente exigida da minha geração (seja em âmbito acadêmico, pessoal, profissional etc.), a partir daí surgem os que escrevem, os que gostam de escrever e os que gostam não só de escrever como de ler também -o que, ao meu ver, potencializa a experiência da escrita”, conceitua.

A premiada escritora Heloisa Seixas, esposa do também escritor Ruy Castro, também é otimista em relação aos hábitos de leitura dos brasileiros e aponta a internet como possível aliada “Os números mostram: os brasileiros estão lendo cada vez mais; há cada vez mais editoras, algumas fazendo trabalhos belíssimos; nossas edições nunca foram tão bonitas e caprichadas. Então, para que reclamar? Ainda não dá para saber o que a internet vai fazer com o mundo. Há quem diga que vai desaparecer não só o livro impresso, mas também o próprio conceito de autor, de autoria de um texto. Isso para mim é assustador. Mas é inegável que a internet faz com que o conhecimento e a informação circulem como nunca antes na história humana.”

O escritor paraibano Aderaldo Luciano, autor de "Anotações para uma história do cordel brasileiro", dentre outros títulos, avalia que ainda existe uma cultura de Best Sellers, criada pelas grandes editoras, mas que apesar das estratégias de marketing, o leitor brasileiro tem interesse em conhecer o produto nacional e se identifica com a literatura “O público leitor no Brasil é como o público de qualquer outro país. Os best-sellers são mundiais e há editoras que se especializaram em publicá-los. Tenho viajado pelo interior do Brasil, em pequenas cidades que têm as suas festas literárias e sempre tenho encontrado leitores ávidos por literatura brasileira, atentos às publicações e que cobram a presença de autores brasileiros e regionais. O grande exemplo é a cidade de Itabaiana, no Sergipe, em sua segunda edição, em 2013, aproximadamente 50 autores locais, da cidade e região, lançaram seus livros com êxito. O público está ávido por literatura brasileira. Infelizmente há um conluio de grandes grupos editoriais e da mídia que não estão interessados em letras literárias, mas em letras de câmbio.” avalia Aderaldo.

Pequenas editoras como solução

Em contrapartida aos desafios dos grandes selos editoriais, o mercado de pequenas editoras vem ganhando fôlego nos últimos anos, tornando-se uma opção viável para novos autores. Esse é o caso da ‘Patuá’, editora voltada para a publicação de poesia e literatura brasileira que se especializou em lançar novos autores, promessas no mercado, que não têm espaço nas grandes editoras. O poeta e escritor Eduardo Lacerda faz um trabalho de militância cultural que se reflete em números promissores. Em 03 anos de atividades a editora publicou cerca de 180 títulos e tem a intenção de lançar mais 150 somente em 2014.

Eduardo revela que o segredo do crescimento da editora foi transformá-la em um projeto de vida. “Editar não é o meu negócio, é a minha vida. O interesse em fundar um editora veio de um sonho de poder trabalhar pelos escritores, principalmente os poetas, que não encontram espaço em outras editoras. Mas editar, ao contrário do que muitos pensam, vai além de publicar o livro impresso, publicar é tornar público. Para isso é necessário trabalhar por todas as etapas de um livro e, considerando que livros acontecem a longo prazo, nunca deixar que um livro morra no catálogo, mesmo após anos de sua publicação.”, conta.

Outra revelação no segmento de editoras de pequeno porte é a ‘Editora Oito e Meio’, da cineasta, empresária e escritora Flávia Iriarte. Especializada em novos autores a ‘Oito e Meio’ vem despontando no mercado editorial com o rápido crescimento e diversidade no perfil dos títulos. Recentemente a editora deu um passo ousado abrindo um espaço cultural na cidade do Rio de Janeiro.

Segundo Flávia, investir na produção cultural e nas vendas diretas é o caminho para a formação de novos leitores e para o sustento das vendas de pequenas editoras “No nosso caso, em que trabalhamos com tiragens pequenas, ter um espaço próprio é fundamental para o negócio poder funcionar financeiramente. É onde conseguimos vender nossos livros sem ter que pagar os percentuais que as livrarias exigem. Acho que o momento é de mudança. As novas tecnologias digitais e o surgimento de muitas pequenas editoras. Até pouco tempo atrás, isso era impossível, porque era necessário um capital incial muito grande para uma editora poder existir. Com a gráfica digital, que propicia a impressão de tiragens pequenas, não existe mais esse impedimento. Isso faz com que qualquer um, a princípio, possa abrir uma editora.”, opina.

A chegada da gigante Amazon

Há cerca de um ano operando com e-commerce de livros, a gigante do varejo norte-americano Amazon desembarca definitivamente no país com vendas físicas trazendo na bagagem números de vendas bilionários e promessa de aquecimento para o segmento varejista. Sua primeira incursão no varejo teve início em fevereiro deste ano, quando passou a ofertar o dispositivo eletrônico Kindle em seu site.Com esse passo, a empresa norte-americana avança no mercado de vendas online no país, cujo faturamento anual é estimado em R$ 28 bilhões pela E-bit. No Brasil, como meio de otimizar suas operações, a companhia terceiriza o processo de entrega, considerado um dos maiores gargalos do setor, ao contrário do que faz nos Estados Unidos, onde é dona de gigantescos centros de distribuição.

Eduardo Lacerda avalia que a chegada da Amazon não afeta o segmento de pequenas editoras “Antes da chegada da Amazon, há 03 anos, quando criamos a Patuá já definíamos nosso objetivo de ser uma alternativa ao mercado editorial. Antes éramos uma alternativa às grandes editoras, que respeitamos e agradecemos excelentes livros que lemos em nossa formação, mas que dão pouco espaço para o novo, para o diferente. Também nos pretendemos alternativa ao modo de distribuição tradicional. Hoje também somos, assim como centenas de pequenas editoras pelo país, uma alternativa à Amazon. Não, não estamos brigando com a Amazon, não é uma inimiga, nem amiga. É possível fazer um trabalho honesto e diferente sem entrar em disputas. Principalmente, quem nos lê ou quer publicar com a Patuá quer ir contra a massificação da literatura. É preciso compreender que não querer massificar a literatura não significa não querer que todos tenham acesso à literatura. A massificação exclui as pessoas, os leitores e os escritores. Virtualmente parece dar acesso para todos, mas não dá. Temos cada vez mais publicações, mas menos diálogo. A Patuá reúne autores e leitores que buscam, mesmo que timidamente, o diálogo, o debate, a reflexão. Buscamos o humano nas relações de produção editorial. O que inclui ler o livro de quem publicamos (o que parece um absurda, mas há editores e editoras que não leem o que publicam), conhecer o autor, ser um parceiro e amigo, acompanhar a trajetória dele como um humano. Parece romântico, mas acho que será o único caminho no futuro para quem quiser fazer algo de qualidade.

O mercado de Autopublicação

O segmento de autopublicação vem registrando crescimento impulsionado pelo desenvolvimento da tecnologia digital fixa e móvel preenchendo uma lacuna do mercado de publicação tradicional e estima-se que já corresponda a cerca de 10% do mercado.

Uma das maiores representantes desse mercado é a Editora Scortecci, que vem liderando o mercado de autopublicação do país “Chegamos à liderança com trabalho focado nas necessidades do autor e não no livro. É o nosso diferencial. Fazemos tudo igual, de forma diferente, desde 1982: edição, impressão e comercialização de livros em pequenas tiragens. O mercado da autopublicação, plataforma papel, está aquecido desde 2010 e hoje é um modelo de consumo.”, diz João Scortecci, sócio fundador da editora.

Para João Scortecci, o segredo do sucesso é a informação sobre o mercado que se pretende atuar, seja para novos empreendedores, ou novos autores “Credibilidade se conquista com trabalho. São 32 anos. Já publicamos mais de 7 mil títulos em primeira edição. É loucura fazer uma autopublicação com quem não conhece o assunto. A receita de sempre: criatividade, qualidade, originalidade e talento. Fora isso muito trabalho.”

Sheila Fonseca é jornalista