Premiê de Israel ameaça atuar contra o Irã em visita aos EUA

Novamente na contramão da diplomacia – ainda que se tenha um pé atrás bem firme com relação às intenções dos Estados Unidos –, o primeiro-ministro de Israel Benjamin Netanyahu voltou a criticar a falta de ação mais dura contra o Irã. Nesta terça-feira (4), na conferência anual do Comitê Americano de Relações Públicas de Israel (Aipac, na sigla em inglês), Netanyahu, cujo país detém um arsenal nuclear não verificado, defendeu a eliminação do programa nuclear iraniano.

Netanyahu - Aipac

“Infelizmente, as potências mundiais estão conversando sobre deixar o Irã com a capacidade de enriquecer urânio,” disse o primeiro-ministro de Israel, diante de uma audiência responsável pelo lobby israelense nos Estados Unidos. Netanyahu tem se referido ao programa nuclear do Irã como uma “concessão equivocada”, enquanto acusa o país vizinho de planejar desenvolver armas para uma causar a catástrofe nuclear do seu próprio.

O Irã, ao contrário de Israel, é signatário do Tratado de Não Proliferação Nuclear, assim como é membro da Agência Nuclear de Energia Atômica (AIEA), ambos mecanismos de regulação das atividades de desenvolvimento e pesquisa relacionada a este recurso, mas que também garantem o direito dos países avançarem programas responsáveis e verificáveis.

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Isto deveria valer para proteger os países que se comprometem com os dois mecanismos e responsabilizar aqueles que não o fazem, como Israel, pelas tensões causadas com a falta de transparência e a posição ameaçadora que assumem. As autoridades israelenses, embora integrem a AIEA para questões científicas e de “cooperação tecnológica”, rechaçam frequentemente o pedido de inspeção a suas instalações nucleares.

Não é novidade, tampouco, que Israel possui ogivas nucleares, conforme Mordecai Vanunu, o técnico israelense que delatou o programa de desenvolvimento nuclear bélico ainda na década de 1980 e foi preso por isso. Ele cumpriu 18 anos de sentença (inclusive os 11 anos em regime solitário) e, quando liberado, sofria várias restrições impostas pelas forças de segurança, mas suas acusações não foram investigadas pela AIEA.

Além disso, observatórios como o Instituto Internacional de Pesquisa sobre a Paz de Estocolmo (Sipri, na sigla em inglês) estimam que Israel possua de 80 a 200 ogivas nucleares, de acordo com os cálculos dos materiais possuídos pelo país e da movimentação registrada em conexão com o programa nuclear.

Mas, novamente, Netanyahu sente-se seguro para seguir acusando o Irã, embora tenha sido obrigado e rebaixar a retórica – antes, exigia e previa a possibilidade de realizar ataques aéreos contra as instalações nucleares iranianas – para pedir a continuidade das sanções impostas contra as atividades econômicas, financeiras e até petrolíferas do país persa, além da proibição de continuidade do programa nuclear.

Israel é a única potência nuclear no Oriente Médio

O governo iraniano, por sua vez, reafirma sempre que, apesar da disposição e do compromisso com as negociações que vem mantendo com a AIEA e o Grupo 5+1 (EUA, Reino Unido, França, China e Rússia, membros do Conselho de Segurança das Nações Unidas, e Alemanha), para chegar a um acordo final sobre a questão, ainda tem o direito a desenvolver um programa nuclear cujos fins garante serem o energético e o da pesquisa médica.

Em novembro, um acordo provisório para as medidas de “construção da confiança” (a suspensão de sanções, por parte do Ocidente, e o maior acesso à inspeção internacional nas instalações nucleares iranianas, assim como a redução do enriquecimento de urânio) foi anunciado com otimismo inclusive pelas potências europeias e pelos EUA, que também mantinham uma retórica acusativa e agressiva contra o Irã.

Já no início deste ano, o avanço também é visível na construção de um acordo definitivo sobre a questão, embora os pontos específicos sobre o programa e sobre as sanções ainda estejam sendo debatidos. Enquanto isso, Israel vai ficando isolado, bradando pela pressão coerciva e pela ameaça contra o Irã, encontrando audiência em seu lobby nos EUA e no reflexo desta pressão no Congresso norte-americano, onde uma nova rodada de sanções quase foi aprovada, colocando as negociações com o Irã em grave risco.

Sem ruborizar, naquele palco em que o cinismo político impera de forma quase debochada, Netanyahu disse que o Irã, “um Estado fora da lei, viola frequente e constantemente as resoluções do Conselho de Segurança da ONU” e que, por isso, não pode ser “permitido” como uma “potência nuclear” que pode desenvolver rapidamente armas nucleares. É mais uma vez flagrante o uso dos mecanismos que seu próprio governo ignora completamente – as resoluções da ONU, para começar, sobre as suas próprias relações de opressão contra vizinhos árabes e os palestinos, em específico – para acusar e ameaçar outro país.

Apesar de o governo iraniano seguir rechaçando as acusações de buscar desenvolver armas nucleares e abrir cada vez mais portas à inspeção internacional, Netanyahu indaga: “Se permitirmos este Estado terrorista e fora da lei enriquecer urânio, como poderemos impedir outro país de fazê-lo?"

"Meus amigos, eu acredito que deixar o Irã enriquecer urânio”, continua o premiê, repetindo um mantra, “seria como abrir uma comporta, abriria a caixa de Pandora sobre a proliferação nuclear no Oriente Médio e em todo o mundo. Isto não pode acontecer, e nos certificaremos de que isso não aconteça,” concluiu, sob os aplausos daqueles que defendem que Israel continue, impunemente, como a única “potência nuclear” no Oriente Médio, custe o que custar.

Por Moara Crivelente, da redação do Vermelho
Com informações do The New York Times