SP: Operação da prefeitura na Cracolândia completa um mês

Há 30 dias, a Prefeitura de São Paulo dava início à remoção dos 147 barracos construídos nas ruas Helvétia e Dino Bueno, no Centro de São Paulo, e começava a encaminhar os seus cerca de 300 moradores para cinco hotéis da região. A ação era a primeira parte da “Operação de Braços Abertos”, política de redução de danos aos usuários de drogas que circulam pelas ruas da Cracolândia, na região da Luz.

por Bruna Carvalho, na Carta Capital

Além da hospedagem, o projeto municipal consiste na contratação dos beneficiários para serviços de varrição e zeladoria com jornada de quatro horas diárias por um salário de 15 reais por dia trabalhado.

Na quarta-feira, dia 12, Vanderlei Filho, 40 anos, descansava no degrau de um edifício na rua Helvétia ao lado de outros beneficiários do programa e agentes de saúde da prefeitura. Vestindo o uniforme azul escuro da "Operação de Braços Abertos", ele contou que havia começado a trabalhar às 9h varrendo as ruas do centro da cidade. “Não faltei em nenhum dia de trabalho. Não é?”, disse, buscando aprovação das agentes que estavam ao seu lado. “Eu tenho a responsabilidade de vir aqui todo dia, doido ou não.”

Usuário da droga há 20 anos, ele afirma estar tentando largar o vício e que sua maior motivação para entrar no programa foi o desejo de sair das ruas. “Foi bom. Imagina você sair de um lugar que está pingando água e ir para um quarto de hotel com chuveiro, com cama?”.

Além do trabalho, o programa da gestão Fernando Haddad (PT) fornece três refeições diárias no Bom Prato e oferece tratamento de saúde e cursos de capacitação profissional de maneira não compulsória. Desde a sua implantação, a “De Braços Abertos” buscou se distanciar da ação realizada pela gestão Gilberto Kassab (PSD) em 2012, conhecida como Operação Sufoco. A iniciativa naquela ocasião se baseou em forte repressão policial aos usuários de crack.

O modelo atual não prevê o desligamento do programa caso os beneficiários faltem ao trabalho ou não participem da capacitação, mas busca garantir a oportunidade de retomada de uma vida digna aos usuários. “Para o curso de capacitação, não tivemos uma adesão em massa.

Tínhamos cerca de 50, 60 pessoas. Em um segundo momento será obrigatório, mas por agora é apenas um convite”, afirmou a secretária de Assistência Social Luciana Temer, durante divulgação do primeiro balanço da ação, no fim do mês passado.

Segundo a prefeitura, devido ao ineditismo do programa, ajustes pontuais são feitos quase que semanalmente. Em visita surpresa à Cracolândia nesta semana, por exemplo, Haddad anunciou que a tenda na rua Helvétia onde funciona a sede do programa municipal, que antes fechava às 17h, passará a funcionar até às 22h. Também há uma proposta de que o Bom Prato atenda aos usuários nos finais de semana. O governo municipal anunciou a criação de 80 novos postos de trabalho na área de jardinagem e estuda aumentar o número de vagas no programa, atualmente em 400.

“Comparando com antes, melhorou em 80%. Não dá para melhorar 100%, mas já melhorou bastante”, avaliou o beneficiário Bruno Porto, 27 anos, enquanto jogava o lixo recolhido em uma caçamba na alameda Cleveland. “A maioria dos caras não parou de usar (crack), mas é uma oportunidade para quem quer.”

O programa da prefeitura atualmente possui 386 cadastrados, e desses, 340 estão na frente de trabalho e receberam os salários na semana passada. É o caso de José, 62 anos, que classificou o programa como uma “maravilha”. Nascido no Ceará, mas vivendo em São Paulo há mais de 40 anos, José contou já ter feito tratamento no Centro de Referência de Álcool, Tabaco e Outras Drogas (Cratod) para se livrar do vício, mas não conseguiu. “Isso é uma doença muito triste. Uma doença que o cientista inventou”, disse após concluir sua jornada de quatro horas.

De acordo com a prefeitura, desde a implementação do programa, houve uma queda de 50% a 70% em média no consumo de crack entre os beneficiários. Os usuários, que consumiam cerca de 15 pedras de crack por dia, passaram a consumir cinco.Nesses 30 dias, 149 pessoas deram início ao processo de desintoxicação e as equipes da saúde da prefeitura fizeram 3 mil abordagens e 355 atendimentos médicos a dependentes.

Um usuário que não quis se identificar afirmou que a operação da prefeitura representou uma melhora na sua vida, mas faz críticas em relação à divisão dos hotéis. “Deveriam separar trabalhador de quem não é. Ontem mesmo roubaram um shorts meu e 50 reais dentro do quarto. O que adianta? Trabalhar para roubarem?”, disse ele, que divide o quarto com outros quatro homens. “O problema é que o hotel fica ao lado do fluxo. 95% ainda fuma.”

Nascido em Pindamonhangaba (SP), ele entrou em contato com o crack pela primeira vez aos 19 anos, logo que chegou a São Paulo. “Eu nunca tinha nem visto isso, nem sabia o que era”, falou.

No dia 23 de janeiro, ele era um dos usuários que passavam pelo fluxo na alameda Barão de Piracicaba quando uma truculenta ação da Polícia Civil, subordinada ao governo do Estado, pegou de surpresa os agentes da prefeitura, espalhando balas de borracha e gás lacrimogêneo. “Na hora, eu não entendi nada do que estava acontecendo. Machucou muita gente, teve gente que foi levada para o hospital”, disse sobre a violenta operação que terminou com a prisão de um traficante e a detenção de cerca de 30 pessoas para "averiguação".

Condenada pela prefeitura e considerada correta por Alckmin, houve na ocasião certo temor de que os excessos da ação policial pudessem prejudicar o programa da prefeitura, afastando os usuários dos agentes. Mas menos de uma semana depois, a administração municipal e o governo do Estado fizeram questão de colocar o episódio como um "incidente isolado" que não se repetiria. Segundo o último levantamento da prefeitura, divulgado nesta sexta-feira 14, foram presos 25 suspeito de tráfico de drogas e apreendidas 4 mil pedras de crack na região.