Noam Sheizaf: O problema de Israel é Benjamin Netanyahu

Basicamente, concordo com aqueles que afirmam que não há luz do dia entre o primeiro-ministro Benjamin Netanyahu e o ministro da Defesa Moshe Ya’alon sobre as questões, apenas sobre o estilo e o momentum. Netanyahu cercou-se de oponentes à solução de dois Estados: seus círculos políticos são cheios de colonos, nacionalistas-religiosos e outros falcões – e não apenas no gabinete, mas em seu próprio escritório.

Por Noam Sheizaf*, na +972 Magazine

Israel - Kobi Gideon / GPO / +972

Como notou o correspondente político veterano Shalom Yerushalami no [jornal israelense] Ma’ariv, nesta quarta-feira (15), há semanas essas pessoas têm corrido por aí dizendo o que Ya’alon disse a qualquer um que o escutasse, mas eles o diziam em privado.

Pessoas como o embaixador de Israel nos Estados Unidos, Ron Dermer, e o novo conselheiro político de Netanyahu, Dore Golg, passaram suas carreiras profissionais inteiras discutindo contra um Estado palestino baseado nas fronteiras de 1967, com trocas de territórios ou não, e nenhum dos seus comentários recentes mostram qualquer mudança no coração – nem no de Netanyahu, a propósito. Os quase nove anos de jogo de adivinhação sobre as “verdadeiras” intenções de Netanyahu dizem mais sobre aqueles adivinhando do que sobre ele próprio.

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Assim como Netanyahu, Ya’alon provavelmente entende que as negociações servem ao interesse de Israel, ao manter o estado das coisas, já que a maior parte da pressão internacional sobre Israel tende a diminuir quando as conversações de paz estão em curso. É por isso que até [o ministro da Economia extremista e ultraortodoxo] Naftali Bennett apoia as conversações, ou ao menos não se importa com elas. Então, o que fez Ya’alon vacilar, atacando o secretário [de Estado dos EUA John] Kerry tão cruamente em uma conversa que ele certamente sabia que vazaria?

Parte da resposta é uma questão de personalidade. Ya’alon é um verdadeiro ideólogo e tem uma história de não esconder seu ponto de vista. Ya’alon era um popular chefe do Estado-Maior no governo de [Ariel] Sharon, mas sua oposição à retirada [dos colonos] de Gaza custou-lhe o seu cargo (ele é um dos poucos chefes das Forças Armadas que não teve seu mandato estendido por um quarto e último ano).

Depois, quando o Hamas tomou o controle de Gaza, Ya’alon conseguiu muitos pontos com o centro israelense, por cima da admiração que ele já tinha dos colonos, por apoiar a sua causa. Após as últimas eleições, aqueles mesmos grupos eram os que enviavam petições a Netanyahu para tornar Ya’alon o novo ministro da Defesa; para esclarecer, Bibi sabia o que estava fazendo.

Mas também há um ângulo político aqui. Toda rodada de conversações e todo prospecto de retirada apresenta uma grande oportunidade para o político que poderia previsivelmente liderar a oposição contra este mesmo acordo/retirada/pacto. Outra vez, Netanyahu deve saber. Foi assim que ele fez a sua própria carreira, ao opor-se às negociações em Oslo, de Camp David, as conversações de Taba, a retirada [de Gaza] e o processo de Annapolis do [ex-premiê Ehu] Olmert.

Como líder da direita rejeicionista, Netanyahu foi capaz de construir uma base política que o serve até hoje. Até mesmo agora, o típico movimento de colonos e a extrema-direita não estão desejosos de seguir por um rumo diferente do dele.

Caso resulte mesmo algo do atual processo de paz, e este algo poderia ser tão pequeno quanto um acordo israelense para continuar negociando, depois de o secretário Kerry apresentar sua proposta não vinculante, alguém emergirá para liderar aqueles que se opõem desde a direita. Será alguém que pode carregar um grande bloco no Knesset [Parlamento] – majoritariamente do Likud, o partido Lar Judeu inteiro, alguns ultraortodoxos e talvez até um ou dois do partido Yesh Atid do [ministro das Finanças] Yair Lapid, que não é tão ideologicamente coerente quanto algumas pessoas gostam de pensar. E se nada acontecer, então Ya’alon emerge como um vencedor, de qualquer maneira, já que predisse a falência das conversações.

A parlamentar Miri Regev, uma das mais críticas na reserva do Likud e líder do importante Comitê dos Assuntos Domésticos do Knesset, já postou um comentário no Facebook em que congratulava Ya’alon por suas declarações contra o secretário de Estado [Kerry] e o iminente acordo vendido (em hebraico a expressão significa algo próximo a um “acordo de rendição”) que ele está tentando promover. Regev depois removeu o seu comentário; uma imagem dele pode ser encontrada no blog político de Tal Schneider.

Em última instância, o elefante na sala não é Regev, outros da reserva, Bennett e os colonos, ou mesmo Ya’alon. O problema é Netanyahu e a forma com que o governo Obama o está permitindo evitar qualquer comprometimento real com o processo de paz. Netanyahu está negociando sem aceitar os termos de referência que foram acordados antes, em rodadas anteriores de conversações; ele continua a popular a Cisjordânia com judeus; está constantemente colocando mais obstáculos e condições; e ele está aproximando o público judeu-israelense cada vez mais à direita com suas declarações e ações. É assim que Netanyahu consegue continuar a conversar com os palestinos, enquanto mantém sua coalizão com os tipos do Bennett e Ya’alon.

Comprometimento real vem na forma de capital político, não no teatro político que cerca os gestos insignificantes, como a libertação dos prisioneiros ou um “congelamento parcial da colonização.” Sharon descartou os ministros do Likud que se opuseram à retirada e rompeu com seu próprio partido. Sem uma crise política de duelo – uma entre os EUA e Israel e outra dentro do governo israelense – o processo Kerry inteiro continua um exercício teórico, palavras vazias e pouco além.

*Noam Sheizaf é um jornalista israelense independente, editor da revista eletrônica +972.
** Título original: "O problema é Netanyahu, e não Ya'alon"

Fonte: +972 Magazine
Tradução de Moara Crivelente, da redação do Vermelho