Assad Frangieh: A guerra civil dos escorpiões

Os confrontos entre o Estado Islâmico do Iraque e do Levante (EIIL) de um lado e a Frente Islâmica (FI) composta por uma dezena de agrupamentos armados unificados recentemente sob a tutela declarada da Arábia Saudita, são de fato uma luta de sobrevivência e de poder no comando dos “Mujahedeen de Deus”, o braço armado da ideologia takfirista, chamada de Al-Qaeda.

Por Assad Frangieh*, no Oriente Mídia

Estado Islâmico do Iraque e da Síria - Yaser Al-Khodor / Reuters

O EIIL tem em seu comando Abu-Al-Bakr-Al-Baghdadi, um religioso desconfiado que atuou em Fallujah e Samarra (Iraque), criou um Estado maior de oito a 13 membros 100% iraquianos e com braço direito um ex-tenente coronel (já assassinado) do Exército de Saddam Hussein, que abdicou do pensamento do partido Baath e aderiu ao pensamento religioso.

Apesar de o nome se referir à Bagdá, o comandante é de Samarra e alega descendência da tribo Al-Qoraisch, uma condição para seu posto de emir do EIIL.

As finanças para o EIIL eram recolhidas em pedágios, impostos ilegais aos comerciantes locais e contrabandistas, roubo e revenda de petróleo e também generosas doações de xeiques sauditas, alguns com apoio governamental e outros por convicção, mesmo.

O comando sempre fazia suas relações públicas através de chefes tribais locais e da inteligência da Arábia Saudita, que nunca negou sua simpatia pelos “sunitas” renegados do poder do Iraque pós-Saddam.

Um de seus comandados era o sírio Abu-Mohamad Al-Joulani, que recebeu a missão de organizar a base do EIIL na Síria, sob a denominação de Joubhet Al-Nusra. Por conveniência e golpes de traição, Al-Joulani conseguiu estruturar a organização com dinheiro dos mesmos patrocinadores da Península da Arábia em contatos diretos e com um discurso mais regional e coordenado com o interesse do trio turco-saudita-catarino em suas investidas na guerra contra o Estado sírio.

Quando o aluno Al-Joulani começou a se destacar mais que o professor Al-Baghdadi, vieram duas ordens: a primeira, se livrar de alguns comandantes bem relacionados com a Turquia e o Catar que poderiam constituir uma brecha na segurança física e ideológica do EIIL e, uma segunda ordem, de declarar a lealdade da Joubhet Al-Nousra ao comando do EIIL.

A primeira ordem foi negada e a segunda, questionada abertamente. Até Ayman Al-Zawahari, o chefão supremo, entrou na divergência, reconhecendo a autonomia de Joubhet Al-Nousra. Em outros termos, Al-Joulani foi corrompido pelo poder e pelos mesmos patrocinadores que decidiram apostar nele em suas guerras.

Quando Bandar Bin Sultan declarou a formação da Frente Islâmica para agregar todos os grupos armados que combatem o Estado sírio, precisou incluir Joubhet-Al-Nusra dentro da frente, num mosaico complexo e contraditório, já que a própria Joubhet-Al-Nousra faz parte da lista norte-americana e europeia de terrorismo internacional.

Diferente do EIIL, que se distribui na região norte e nordeste da Síria, na fronteira turca menos populosa, a Joubhet Al-Nousra se concentra na fronteira oeste da Síria com a Turquia e, ao sul, com a Jordânia, nas passagens mais populosas em direção ao coração da Turquia e… da Europa.

Nos nove dias de confrontos recentes, as mídias da oposição já falam em mais de 700 mortos, dos quais 246 do EIIL, 351 dos outros grupos agregados e o restante civil. Há centenas de detidos entre ambas as partes, com destino indefinido e provavelmente sombrio.

O canibalismo é uma prática comum entre todos os aracnídeos. Nada mais correto do que comparar os terroristas aos escorpiões. Você pode domá-los por um tempo, mas não tira o instinto deles.

O EIIL é um escorpião que saiu do controle e não serve mais para os interesses supremos dos Estados Unidos e aos interesses regionais dos sauditas. A meta próxima é destruir o EIIL na Síria e no Iraque. Porém, acreditar que a Joubhet Al-Nousra será para sempre domesticada e “politizada” dentro de uma frente fictícia hollywoodiana é apenas um jogo de desespero na tentativa de vencer a guerra contra a Síria.

O confronto deverá continuar, desgastar ambos os lados e servirá apenas para definir melhor o alvo da luta internacional contra o terrorismo, que cedo ou tarde, será cumprido pelo acordo russo-americano.

A Síria e o Iraque já enfrentam os escorpiões criados pela Arábia Saudita, Turquia, Catar e aliados norte-americanos, árabes e europeus. Se não acabarem com eles, será a vez de seus criadores levarem as picadas…

*Assad Frangieh é editor do portal de análises sobre o Oriente Médio, Oriente Mídia.

Fonte: Oriente Mídia