A Serpente Encantada e o Sarney Democrático – I

 

Por Egberto Magno – secretário estadual de comunicação do PCdoB/MA

Diz uma lenda em São Luís, no Maranhão, que nas galerias subterrâneas do Centro Histórico da cidade vive uma serpente encantada que cresce sem parar; quando sua cabeça encontrar com o rabo, a Ilha será levada para as profundezas e nunca mais voltará. Há outra lenda, esta circula em alguns círculos políticos do país, cujo personagem também é maranhense: a de que o ex-presidente da República e senador pelo Amapá, José Sarney, trabalhou para acabar com a ditadura militar e consolidar o Estado Democrático de Direito, por suas convicções democráticas.

A primeira lenda é belíssima e faz parte do acervo antropológico-cultural ludovicense. A segunda é danosa, porque distorce a realidade histórica, fazendo mal à historiografia contemporânea brasileira e a uma biografia condizente com a trajetória do personagem.

A SERPENTE ENCANTADA E O SARNEY DEMOCRÁTICO – parte I

NOVIÇO NADA REBELDE

Quando chegou ao Senado Federal em 1971, Sarney havia governado o Maranhão por quatro anos, tendo sido eleito chefe do executivo estadual em 1965 com o beneplácito da ditadura militar. Com o Ato Institucional nº 3, publicado em 5 de fevereiro de 1966 pelo presidente Castelo Branco, os militares extinguiram as eleições diretas para governador e vice-governador.

A eleição seguinte teve vez em 1970, sendo eleito de maneira indireta, pela Assembleia Legislativa do estado, o Secretário da Fazenda no governo Sarney, Pedro Santana, com o apoio do chefe, é claro. No transcurso desse período ocorre a adoção, pelo regime, do Ato Institucional nº. 5. O ano: 1968. Por este ato, o presidente da República ficava autorizado, em caráter excepcional e sem impeditivos do Poder Judiciário, a decretar o recesso do parlamento federal (as duas Casas), fazer intervenções nos estados e municípios, cassar mandatos parlamentares, suspender, por até dez anos os direitos políticos de qualquer cidadão, decretar o confisco de bens supostamente adquiridos ilicitamente e revogava a garantia ao habeas-corpus. Naquele ano, 11 deputados federais e até mesmo ministros do STF foram cassados.

Em 1971, ano da posse de Sarney no Senado, o ambiente naquela casa refletia a inquietude dos setores democráticos que se batiam contra as crescentes medidas autoritárias do governo Garrastazu Médici, o mais genuíno dos carrascos militares que presidiram o Brasil. Vigorava o bipartidarismo (ARENA E MDB). Os parlamentares oposicionistas atuavam tendo sobre suas cabeças a “espada de Dâmocles”, mas, corajosamente, cumpriram o seu papel de combater as iniquidades governamentais.

Naquela quadra política, o embate entre governistas e oposicionistas era travado com intensidade. Amplamente majoritária, a bancada governista era composta por figuras de perfil conservador como Virgílio Távora (CE), Petrônio Portela (PI), Magalhães Pinto (MG), Filinto Muller (RJ) – perseguidor e assassino de lideranças da esquerda e de democratas em décadas anteriores, Jarbas Passarinho (PA), entre outras. A diminuta e firme bancada oposicionista tinha figuras da estatura política de Nelson Carneiro (RJ) – autor da lei do divórcio de 1977, Josaphat Marinho (BA) e Franco Montoro (SP). De que lado estava o novato Senador José Sarney?

A contenda política entre as duas bancadas girava em torno do AI-5. Governistas defendiam as medidas de exceção previstas no decreto presidencial e oposicionistas denunciavam o seu caráter antidemocrático. Fora dali, a atmosfera era de terror político da ditadura sobre aqueles que se insurgiam contra a tirania: cassações da mandatos de prefeitos e vereadores, aposentadoria compulsória de servidores públicos, prisões, torturas, assassinatos nos porões do regime.