Jerônimo De Boni: De Marx a Paulo Freire

A maior contradição entre a nova concepção de Ensino Superior no Brasil e suas fases preparatórias é o planejamento feito para minimizar as interferências subjetivas que possam pôr em risco sua eficiência. Isso vai ao encontro da Pedagogia Tecnicista, inspirada nos princípios da racionalidade, eficiência e produtividade, ao contrário da tentativa de estabelecer, no Brasil, uma pedagogia “libertadora-histórico-crítica”, inspirada na Escola de Vigotski.

Por Jerônimo De Boni*, para o Vermelho

Os professores e pedagogos veneram Paulo Freire e sua formação marxista, fariam tudo por ele, menos lê-lo. Os filósofos têm apenas interpretado o mundo de maneiras diferentes; a questão, porém, é transformá-lo. (Marx, Teses sobre Feuerbach).

“A tendência democrática de escola não pode consistir apenas em que um operário manual se torne qualificado, mas em que cada cidadão possa se tornar governante” Antônio Gramsci.


De Marx a Freire: Ruptura com a Pedagogia Tecnicista e a necessidade de materializar os avanços das concepções pedagógicas progressistas

A intelectualidade burguesa defende sistematicamente sua concepção pedagógica ligada, historicamente ao liberalismo, e neoliberalismo e agora a fase superior do capitalismo, o imperialismo.

Os professores e pedagogos veneram Paulo Freire e sua formação marxista, fariam tudo por ele, menos lê-lo, pois a empregabilidade e o sucesso da vida dependem, cada vez mais, do desempenho técnico, do rigor intelectual, da atualização do pensamento e do conhecimento, deixando de lado o papel fundamental da educação que é possibilitar a apropriação do acervo cultural da humanidade para realizar as ações necessárias à construção de uma nova forma social. Freire busca a independência crítica do homem através da sua libertação. Essa liberdade não é a da individualidade liberal, mas a da pessoa enquanto consciência autônoma em comunhão outras. O diálogo entre professor e aluno, na concepção freiriana, nada tem de subjetividade, e a tomada de consciência se insere em um processo objetivo histórico de emancipação cultural.

 
Demerval Saviani observa que o desenvolvimento das sociedades se dá pela ação dos homens na história, as novas formas sociais superam as anteriores incorporando os elementos antes desenvolvidos os quais se integram no acervo cultural da humanidade.

Historicamente, o fato de que as pedagogias críticas tenham se difundido entre os educadores ao longo dos anos 80 não constitui condições suficientes para romper com a ideia da educação como o instrumento mais poderoso de crescimento econômico e, por consequência, de regeneração pessoal e de justiça social. A mobilização não chegou, em nenhum momento, a se hegemonizar na prática educativa. Estas concepções pedagógicas críticas agiram como contraponto às ideias sistematizadas na teoria do capital humano. Para compreender a necessidade de ruptura com as apropriações neoliberais e pós-modernas da teoria vigotskiana é necessário praticar as conclusões de Marx no “método da economia política’”, onde concluiu que o movimento que vai da síncrese (‘a visão caótica do todo’) à síntese (‘uma rica totalidade de determinações e relações numerosas’) pela mediação da análise (‘as abstrações e determinações mais simples’) constitui uma orientação segura tanto para o processo de descoberta de novos conhecimentos (o método científico) como para o processo de transmissão-assimilação de conhecimentos (o método de ensino). Um bom início desta ruptura é quebrar a “obrigação didática” que o professor tem de dar aula em pé frente aos alunos, pois a visualização de “baixo para cima” evoca o sentimento de inferioridade, física e psicológica dos alunos.

No cinema, a força relativa de um personagem está ligada ao modo como o enxergamos. Assim se o personagem for focado de cima para baixo, este perde importância e força, dando a ideia de estarmos acima do personagem, do ponto de vista do status este parece quase completamente insignificante, perdendo quase toda a força. Por outro lado, se o personagem for visto de baixo para cima, passa a ter uma superioridade de status em relação ao espectador. É a típica imagem do herói intocável, ganhando força e subtraindo, ao mesmo tempo, força ao espectador que se sente intimidado, pelo ar aterrador do personagem. Esta obrigatoriedade didática é deveras prejudicial para o processo de ensino libertador-histórico-crítico, causando desde o início uma imagem inferior do aluno, contribuindo para que este cidadão tenha dificuldade para adquirir a capacidade questionadora que é o motor do progressismo pedagógico.

*Jerônimo De Boni é professor municipal e dirigente do Partido Comunista do Brasil de Passo Fundo-RS