Prêmio a goleiro soviético Yáchin completa 50 anos

Exatamente há 50 anos, o goleiro soviético Lev Yáchin (Yáchin, de acordo com a grafia inglesa) era reconhecido como o melhor jogador de futebol da Europa, tornando-se o primeiro e único jogador da posição na história a receber o prêmio Bola de Ouro. Ele foi o jogador de futebol mais brilhante de toda a história da União Soviética.

Campeão olímpico em 1956 e campeão europeu quatro anos mais tarde, o goleiro russo era cobiçado pelos principais clubes do mundo, tanto é que suas defesas fantásticas lhe renderam o apelido de “aranha negra”. No entanto, como militante convicto do Partido Comunista da União Soviética, permaneceu jogando na Sociedade Esportiva Dínamo, na seção de Moscou, onde passou 22 temporadas.

O que deixa os mais jovens é que o goleiro ganhou um dos principais prêmios individuais do futebol somente aos 34 anos. Até certo ponto, Yáchin teve sorte, porque, se há 50 anos a Bola de Ouro fosse concedida de acordo com os critérios atuais, o prêmio certamente teria ido parar nas mãos de Pelé, que em 1963 foi vencedor da Copa Intercontinental pelo Santos e tinha sido bicampeão mundial no Chile um ano antes com a Seleção Brasileira, embora não tivesse jogado mais que meia partida. É que até 1995 o prêmio só podia concedido a europeus.

Ainda com 12 anos, em 1942, trabalhou em uma fábrica para ajudar os esforços de guerra da União Soviética. Foi jogando pelo time da fábrica que ele chamou a atenção de olheiros e recebeu o convite para jogar pelo Dínamo de Moscou.

Em 1953, quando ainda era reserva no Dínamo, chegou a disputar jogos de hockey no gelo com a equipe do clube – fez parte do elenco campeão da Copa Soviética daquele ano.

Em seu primeiro jogo no campeonato nacional, em 1950, Yáchin deixou passar um gol ao colidir com o meio-campista do próprio time. Essa derrota do Dínamo fez com que Yáchin permanecesse na reserva por quase três anos.

Obra rara

Yáchin foi, sem dúvidas, um fenômeno de seu tempo. Após o término da partida final do Campeonato Europeu de 1960, o então presidente do Real Madrid, Santiago Bernabeu, aproximou-se do goleiro soviético. O todo-poderoso pegou o talão de cheques e propôs que o próprio goleiro preenchesse o valor do contrato relativo à sua transferência do Dínamo, bem como definisse o salário que ele gostaria de receber no Real.

Ao ouvir isso, os outros jogadores da seleção soviética, querendo fazer uma brincadeira com o “milionário”, sugeriram que Yáchin escrevesse um valor de deixar os “cabelos em pé”. No entanto, quando traduziram essas palavras a Bernabeu, ele primeiro sorriu e, em seguida, disse com seriedade: “Estou realmente disposto a pagar qualquer quantia por ele, mesmo que para isso eu tenha que vender todos os diamantes da minha família e até me endividar. Mas nem tal quantia seria suficiente porque, na verdade, Yáchin não tem preço, assim como as obras dos grandes pintores que se encontram no Museu do Prado”.

Entre crendices e cigarros

Durante muitos anos, Yáchin jogou pelo Dínamo e pela seleção nacional da USSR usando o mesmo boné. Com o tempo, o boné ficou desgastado, mas o lendário goleiro não quis jogá-lo fora. Onde quer que fosse, ele sempre levava o objeto consigo. O mais curioso é que, antes de jogos importantes, Yáchin costumava colocar o seu velho boné ao lado do gol.

As crendices também se estendiam a outra paixão do goleiro: a pescaria. Quando Yáchin pegava um peixe antes da partida, o Dínamo vencia. Ele tinha uma grande coleção de iscas artificiais que incluía amostras importadas, bastante raras naquele tempo. Mas muitas vezes cavava iscas naturais em um lixão perto de sua datcha (casa de campo), onde remexia os detritos em busca de larvas e minhocas. Aliás, o próprio goleiro, que não hesitava em pilotar o fogão, se ocupava do preparo dos peixes para a esposa e suas filhas.

Os torcedores devem se lembrar ainda que Yáchin era um fumante inveterado e chegava a fumar até quatro maços de cigarros por dia. O vício pernicioso, que teve início na infância militar, lhe causou sérios problemas de saúde, como uma úlcera no estômago. Mas o vício também foi motivo de piadas.

Antes da Olimpíada de 1956, a seleção foi levada para passar um mês na Índia a fim de se preparar para o calor. Os jogadores resolveram tirar uma fotografia ao lado de um elefante, e Yáchin, que nunca se separava dos cigarros, estava segurando um porta-cigarros naquele momento. Ao ver a caixinha, o elefante esticou a tromba e tirou-a das mãos do goleiro, fazendo com que os companheiros de equipe caíssem na gargalhada.

Na Copa de 58, marcou a história ao ser o primeiro goleiro a enfrentar a temida dupla Pelé e Garrincha junta. Yáchin tomou apenas 2 gols, o que depois se provou ser um milagre – A seleção Brasileira goleou seleções à época muito mais temidas como França e Suécia.

Carisma

Em 65, o goleiro mudou-se, de férias, para o Brasil. Segundo ele, era o melhor lugar do mundo porque era ali que se praticava o melhor futebol do mundo, fã que era do futebol brasileiro. Neste período de férias, morou no Rio de Janeiro e chegou a treinar os goleiros do Flamengo carioca.

Yáchin revolucionou o futebol. Ele atuava muito mais avançado do que os goleiros da época e aperfeiçoou o conceito de goleiro-líbero. Desarmava atacantes adversários fora da área e organizava a defesa de seu time. Era um jogador muito atlético e com forma física impecável. Sandro Mazzola, jogador insigne da Internazionale de Milão e da seleção Italiana, chegou a afirmar que “Yáchin joga com os pés melhor do que eu.”

Relatos afirmam que o ele defendeu mais de 150 pênaltis na carreira. Certa vez, Lev afirmou que "A felicidade de ver Yuri Gagárin indo ao espaço só é superada pela felicidade de pegar uma penalidade". Dos 812 jogos que disputou na carreira, não tomou gol em 270 deles.

Depois de se aposentar, em 1970, seguiu em cargos administrativos no clube onde jogou por toda sua carreira e ganhou uma estátua de bronze no estádio do time. Lev era um homem carismático e por isso era um dos símbolos da seleção soviética. Em 1986, depois de uma doença grave, teve uma das pernas amputadas. E em 1990, o futebol perdeu um dos maiores jogadores da história para um câncer de estômago.

Com informações do jornal Rossískaya Gazieta (Rússia) e do blog Armário da Bola