Honduras: Resultado das eleições foram alterados, diz observador

Na terça-feira (26), a Missão de Observação Eleitoral da União Europeia (MOE-UE) apresentou à imprensa internacional um informe preliminar sobre as eleições em Honduras.

Por Giorgio Trucchi*, na Opera Mundi

Leo Gabriel: "houve pessoas que não puderam votar porque apareciam como mortas e houve mortos que votaram"| Foto: Giorgio Trucchi – Opera Mundi

Apesar de evidenciar “sérios indícios de tráfico de credenciais e outras irregularidades”, somado a um “claro desequilíbrio na visibilidade dos distintos partidos nos meios” e “a falta de transparência no financiamento da campanha eleitoral”, a missão disse ter uma avaliação positiva “tanto da transparência da votação como com respeito à vontade dos eleitores” no pleito.

O informe afirmou também que “o sistema de transmissão das atas de votação garantiu a todos os partidos políticos uma ferramenta confiável de verificação dos resultados divulgados pelo TSE (Tribunal Superior Eleitoral)” e felicitou as autoridades eleitorais por terem alcançado “uma maior transparência” com relação às eleições passadas.

Esses elementos, fundamentais no texto difundido pela MOE-UE, contrastam com as fortes denúncias de irregularidades apresentadas pelo partido Libre (Liberdade e Refundação) e o PAC (partido anticorrupção) que, juntos, somam quase 50% dos votos contados. Os candidatos dos respectivos partidos, Xiomara Castro e Salvador Nasralla, não aceitaram os resultados divulgados pelo TSE e dizem ter provas de uma suposta fraude. Com 80% das atas contadas, o TSE já declarou que o candidato do Partido Nacional, Juan Orlando Hernández, “é o ganhador das eleições” com 35.26% dos votos. Em segundo lugar ficou Xiomara, com 29.14%.

Leo Gabriel, jornalista austríaco e integrante da MOE-UE, afirmou em entrevista exclusiva a Opera Mundi que houve intensa discordância entre a imensa maioria dos membros da missão com o informe preliminar preparado. Segundo ele, essas diferenças sobre o que aconteceu em 24 de novembro desataram uma forte discussão interna. No entanto, os cálculos políticos e os interesses comerciais prevaleceram e se preferiu fechar os olhos ante a evidente alteração dos resultados e a violação da vontade expressada nas urnas pelo povo hondurenho.

Opera Mundi: Qual é a sua avaliação sobre as eleições em Honduras?
Leo Gabriel: Tivemos a oportunidade de observar as eleições a partir das mesas de votação e chegamos a conclusões diametralmente opostas às da equipe central da MOE-UE, com respeito à suposta transparência da votação e da apuração. Desempenhei meu trabalho de observador no departamento de Cortés, um dos mais populosos a nível nacional, e me dei conta desde o princípio de que esse processo eleitoral estava alterado.

Quais foram as irregularidades observadas?
Constatei um sem número de inconsistências no padrão eleitoral. Houve pessoas que não puderam votar porque apareciam como mortas e houve mortos que votaram. Também foi evidente a grande desorganização nas mesas de votação, onda a aliança oculta entre os pequenos partidos e o Partido Nacional originou a compra e venda de votos e credenciais.

Durante a transmissão dos resultados não houve nenhuma possibilidade de averiguar até onde as atas eram enviadas e recebemos informações fidedignas acerca do desvio de pelo menos 20% das atas originais até um servidor ilegal, que as ocultou.

Falar de transparência frente a tudo o que aconteceu naquele domingo é uma piada e acredito que, acima de tudo, nós observadores precisamos ser honestos e refletir sobre o que de verdade vimos.

Por que, então, a equipe central da MOE-EU está dizendo em seu informe que a votação e a recontagem foram “transparentes”?
Alguns deles acreditam de verdade no que diz o TSE, mas há uma razão política e econômica mais profunda. O golpe de Estado de 2009 afetou e desprestigiou a imagem de Honduras no mundo, desacelerando a execução do Acordo de Financiamento firmado entre a União Europeia e a América Central (AdA UE-CA). Apresentar um processo eleitoral limpo e transparente serve à UE para limpar a imagem de Honduras no mundo e colocar em marcha esse projeto comercial.

Soube que o conteúdo do informe preliminar originou uma forte discussão interna na missão da UE.
Na reunião geral de avaliação, a maioria dos colegas que observamos as eleições “in loco”, no terreno, coincidimos sobre as irregularidades que acabo de explicar. Ninguém defendeu o conteúdo do informe e o conceito de transparência do processo e isso se chocou com a intransigência da equipe central da MOE-UE, que não quis ceder nem um milímetro sequer. Lhes propusemos discutir a fundo o tema, tomando em conta o que havíamos visto e sugerindo mudanças ao texto, mas isso foi negado rotundamente.

Você acredita que os resultados do TSE não refletiram o que de verdade o povo hondurenho expressou nas urnas?
Acho que o TSE tirou os resultados da manga seguindo um cálculo político bem definido.

Ou seja, já tinham tudo preparado?
Sim, porque esses resultados não têm nenhum fundamento e a rapidez com que obtiveram os primeiros dados demonstra isso. No entanto, tenho a esperança que os partidos que estão denunciando uma fraude tenham a capacidade e a vontade de apresentar, de maneira sistemática e em todo o país, todas as cópias das atas, comparando-as com os dados divulgados pelo TSE. Dessa forma, a verdade virá à luz.

Isso seria um golpe muito forte para a credibilidade das missões de observação.
Claro. O que me pergunto é: como é possível que a equipe central da MOE-UE não tenha sequer mencionado em seu informe que há partidos, que representam quase 50% dos votos escrutados, que não estão reconhecendo os resultados e que denunciam graves irregularidades ou uma fraude?

Qual sentido tem, então, essas missões de observação?
O exemplo de Honduras não é generalizável, porque há outros exemplos onde as missões da UE jogaram um papel relevante e encararm a falta de transparência em processos eleitorais. Aqui prevaleceram atitudes políticas, econômicas, comerciais e até partidárias.

*É correspondente da Opera Mundi em Tegucigalpa