Livro com relatos de perseguidos políticos é lançado em Fortaleza

O lançamento de “Repressão e Direito à Resistência – Os Comunistas na luta contra a ditadura (1964/1985)” foi realizado na noite desta segunda-feira (21/10), na Assembleia Legislativa. A publicação reúne depoimentos de militantes da Ação Popular (AP) e do Partido Comunista do Brasil (PCdoB) e é resultado do convênio entre a Comissão da Anistia do Ministério da Justiça e a Fundação Mauricio Grabois.

evento, que foi requerido pelo deputado estadual Lula Morais (PCdoB), contou com uma palestra do jornalista e pesquisador da fundação, Osvaldo Bertolino.

O clima foi de reconhecimento à trajetória de homens e mulheres que deram a vida em prol da democracia do Brasil e, acima de tudo, de resgate da memória desses heróis e heroínas nacionais. Benedito Bizerril, membro da Fundação Maurício Grabois no Ceará, destacou a importância do livro. “Este é um trabalho que registra depoimentos de vários companheiros que participaram da luta contra a ditadura. Essas histórias nos mostram momentos difíceis, com prisões e perseguições. Estes relatos nos apresentam personagens que, naquele momento histórico, representaram a luta em defesa de ideias que o povo defendia: por democracia e liberdade”, ratificou.

Segundo o advogado, o livro tem o intuito de “registrar o papel histórico desses homens e mulheres, além de resgatar a memória no sentido de buscar reparação moral a esses heróis. O povo brasileiro e as atuais gerações têm que conhecer o que ocorreu naquele período, o que brasileiros passaram e quais lutas desenvolveram para construir o Brasil dos dias de hoje”.

Representando a Comissão de Anistia do Ministério da Justiça, Mário Albuquerque ratificou o trabalho realizado pelo grupo. “O Projeto Marcas da Memória, através do qual o livro foi publicado, é mais uma inovação da Comissão de Anistia. Ela existe desde 2002, masfoi na gestão do atual presidente, Paulo Abrão, que começou em 2008, que ela alcançou nova dinâmica. Antes os julgamentos eram atos meramente administrativos. De lá para cá, saiu dos gabinetes e ganhou visibilidade. Agora, os processos tornaram-se públicos e divulgados pela mídia. Pelas Caravanas da Anistia os julgamentos foram levado aos Estados. Só aqui no Ceará já foram realizadas duas vezes”, reforçou.

Ainda segundo Mário, esta nova postura rendeu maior participação e visibilidade aos julgamentos. “Não se trata de uma reparação financeira, pois nada paga o que passamos. O significado das ações da Comissão de Anistia é político, sendo um ato formal em que o Estado Brasileiro vem, de público, pedir desculpas pelas atrocidades cometidas”, ratificou.

Além da Ditadura

Osvaldo Bertolino fez a apresentação do livro durante seu lançamento. O jornalista foi um dos colaboradores da elaboração da publicação. “O projeto nasceu de uma ideia da Comissão de Anistia do Ministério da Justiça e a Fundação Mauricio Grabois entrou participando do edital lançado em 2011. A partir daí surgiu a parceria para realizar as entrevistas, editar e publicar o material”.

Bertolino explicou que a Fundação Mauricio Grabois é ligada ao PCdoB e tem por prioridade “resgatar a história, a memória, o pensamento marxista e progressista do nosso país. Temos trabalhado nessa busca de informações desde 2008, quando foi instituída”. Segundo o jornalista, este resgate está focado em trabalho documental e registro oral. “Assim como no caso do livro, nosso intuito é registrar a memória dessas testemunhas da nossa história”.

Apesar de focar em relatos de personagens que sofreram perseguição durante os duros anos de repressão, Osvaldo Bertolino diz que o livro remete a um período mais amplo da história brasileira. “Seu alcance é maior que o espectro de tempo que ele procura mostrar, pois há conexão dos registros buscando, no fio da história, a trajetória de resistência e mobilização popular ao longo da história brasileira”.

Em sua apresentação, Bertolino citou episódios que contribuíram para o estopim da repressão. Dentre eles, a Revolução dos Tenentes, o Estado Novo, a ascensão do nazifascismo, e os projetos antagônicos que ecoavam o clamor do povo brasileiro em confronto com os interesses da elite brasileira. “Este caminho evoluiu porque a elite não conseguia garantir o poder pelas vias democráticas, nem se firmar como corrente e daí partiu para práticas golpistas, dentre elas o Golpe de 1964”.

Diante do cenário de perseguição e repressão, acrescentou Bertolino, o PCdoB avaliou que o regime só seria derrubado pelo caminho da guerra popular. “A partir daí constatou-se a necessidade de organizar os núcleos da luta armada e, dentre eles, os concentrados na região do Araguaia. Foi em torno da ideia da guerra popular que se formou toda a militância do PCdoB”.

Osvaldo também relatou que inúmeras foram as entrevistas, e que a fundação teve que escolher apenas alguns relatos para a publicação, fortalecendo a ideia de uma segunda publicação nos próximos anos. “Uma forma de tentar reparar o passado é dando voz às vítimas da ditadura, como os membros da esquerda comunistas da época. É o que traz o livro”.

História viva

O cearense Carlos Augusto Diógenes (Patinhas) é um dos 26 personagens que fazem parte do livro. Presente no lançamento da publicação em Fortaleza, o ex-presidente estadual do PCdoB-CE contou brevemente sua trajetória. “Minha mãe queria que eu fosse padre; meu pai, militar. E foi na Escola de Cadetes do Exército que participei da primeira greve. Lá ouvi o comandante dizer que tinha comunista envolvido na manifestação e foi quando descobri que o comunismo pregava o bem”. De volta a Fortaleza, após abandonar o Exército, Patinhas entrou no curso de Engenharia da UFC, quando começou a atuar junto ao movimento estudantil e entrou no PCdoB. Perseguido, foi embora do Ceará, viveu na clandestinidade e sentiu na pele a perseguição.

“O livro apresenta, de forma humana, as histórias de 26 companheiros. Conta a vida de cada um de nós. Conheço a maioria das pessoas que nele está contido, mas ao ler soube de informações que não tinha conhecimento até então. Cada história tem em comum a crença na democracia e a luta pela liberdade”, defendeu Patinhas que comemorou a vitoriosa trajetória. “Hoje sou grato por estar vivo. Teve um tempo em não acreditava mais que poderia escapar com vida. Sabíamos que estávamos colocando nossa vida em risco. Nossa saída era continuar a resistência e buscar enfrentar os perigos, mas sempre lutando porque já estávamos marcados para morrer”, recordou.

Olhando para o passado, Carlos Augusto diz sair mais forte. “Não perdi tempo, mas ganhei tempo como ser humano. Saio dessa história mais convicto de que o Brasil precisa de uma revolução. Essa é a saga do nosso povo. Compreendemos que a democracia só existe pelo povo e o que ele precisa é de condições adequadas nas áreas de saúde, educação, casa pra morar e emprego”

O comunista reforçou que os personagens do livro, como tantos outros que não fazem parte desta edição e mais outros que deram a vida em nome da democracia, são exemplos heroicos não só do PCdoB, mas do povo brasileiro. “Que esses exemplos sejam a nossa luz para que cada um de nós, exercendo seu papel, possamos criar esta corrente que nos levará a um país mais soberano, justo e democrático”.

Mais

Além de Carlos Augusto Diógenes, também fazem parte desta edição de “Repressão e Direito à Resistência – Os Comunistas na luta contra a ditadura (1964/1985)”, ícones da resistência no Ceará. Ozéas Duarte teve destacado papel na organização do PCdoB no Ceará. A mineira Gilse Cosenza também foi uma das responsáveis pela reestruturação do Partido no Estado.

Também fora ouvidos Benedito Bizerril, Chico Lopes, Abel Rodrigues e José Rubens Sales Bastos (Rubão). Eles deverão fazer parte da próxima edição da publicação.

De Fortaleza,
Carolina Campos