Benedito Bizerril: Dona Lourdes, história de luta por liberdade

Durante abertura da 21a Conferência Estadual do PCdoB-CE, os comunistas cearenses renderam homenagens a Dona Lourdes Alburquerque, histórica militante comunista e pró-anistia. Leia a seguir a íntegra do texto do advogado Benedito Bizerril proferido durante a solenidade:

A história de lutas libertárias do povo brasileiro registra uma marcada presença de mulheres que se destacaram por sua bravura, firmeza e desprendimento na busca da construção de um país soberano, independente e socialmente justo.

Dentre tantas, algumas alçaram a condição de heroínas e figuram na historiografia oficial de nosso país, a exemplo de Bárbara Heliodora, Maria Quitéria, Bárbara de Alencar e Anita Garibaldi.

Nos anos tenebrosos da ditadura militar, implantada com o golpe de 1964, em todo o Brasil expressiva foi a participação das mulheres, de todas as idades, na resistência democrática ao regime despótico, sofrendo brutal repressão com o horror das prisões, torturas e assassinatos. Muitas dessas heroínas desse tempo recente pagaram com sua própria vida pelo destemor de lutar por liberdade e por melhores dias para nosso povo. Lembramos e homenageamos todas essas bravas mulheres que tombaram na luta a exemplo de Helenira Rezende, Jana Barroso, Dinalva Teixeira, Dinaelza Coqueiro, Lúcia Petit, Maria Augusta Thomaz, Iara Iavelberg e Sônia Maria.

Aqui, entre nós, no Ceará, muitas foram as mulheres que escreveram de forma definitiva os seus nomes no rol de lutadores pelas liberdades democráticas em nosso país.

Realça, entre essas cearenses, uma senhora doce, solidária e possuidora de uma firmeza de aço inquebrantável na luta pela liberdade e por uma vida mais digna para nosso povo.

Trata-se de Dona Maria de Lourdes Miranda de Albuquerque ou, simplesmente, Dona Lourdes, mãe de nove filhos.

Dona Lourdes tem uma história de família singular. Os ideais comunistas, revolucionários, sempre estiveram presentes em sua família. Quando jovem e ainda residindo em sua terra natal, Granja, bem como em Chaval e Camocim, situadas na região norte do Ceará, presenciou sua mãe participando de reuniões do então clandestino Partido Comunista. Posteriormente, Dona Lourdes casa com Mário Albuquerque, funcionário da Panair do Brasil, ativo militante comunista, e dessa relação nascem nove filhos, alguns dos quais também militantes de organizações comunistas, como PCB, PCdoB e PCBR.

Em sua residência, em Fortaleza, durante a ditadura militar, deu abrigo, em diversas ocasiões, a lutadores do povo perseguidos pela repressão política. Nesse período de arbitrariedades teve sua casa por diversas vezes invadida pelos agentes da ditadura.

Três de seus filhos, Pedro, Mário e Célio, e uma filha, Nadja, foram presos e barbaramente torturados. Um genro e duas noras participaram da luta armada contra o regime militar.

Mesmo diante do terrível sofrimento com as perseguições, prisões, torturas e clandestinidade forçada de seus filhos, jamais fraquejou, mantendo-se solidária e identificada com suas lutas, batalhando, corajosa e incansavelmente para libertá-los.

Sua convicção e compromisso com a luta de nosso povo por liberdade e democracia em nosso país bem se expressam em entrevista por ela concedida e publicada, em 20/08/2012, no jornal O Povo, quando afirma: “Nunca entristecí. Nunca chorei por meus filhos estarem no movimento, nem quando estavam presos. Achava que estavam certos na luta deles.” E arremata: “ Preferia (vê-los) lutando que sendo alienados.”

Em uma ocasião em que seu filho Mário, então estudante, estava preso, uma amiga a aconselhou para que ela orientasse o filho a dizer para a autoridade policial que só havia entrado no movimento estudantil por influência de colegas, sob pena de vê-lo mofar na cadeia.

Dona Lourdes, indignada, respondeu: Nesse caso, ele vai mofar, porque eu não vou fazer isso. Se um filho meu for dar uma declaração dessa, eu prefiro morrer.”

Com o marido doente e por muito tempo sem conseguir trabalho, Dona Lourdes desenvolvia um esforço extraordinário para manter o sustento da família, fazendo trabalhos artesanais e ensinando artes e decorações no período da manhã e, durante à tarde e à noite, cumpria, na condição de funcionária, seu expediente nos Correios e, posteriormente, no INSS.

Nada disso, porém, a desanimava ou a impedia de manter-se ativa na luta.

Dona Lourdes esteve na linha de frente no movimento pela anistia, participando ativamente do Movimento Feminino pela Anistia no Ceará desde sua organização em nosso Estado, ao lado de um grupo de combativas mulheres, familiares de presos políticos e de outras militantes da causa democrática e popular. Os presos políticos do Ceará sempre tiveram por ela um carinho especial por sua dedicação permanente e solidariedade a eles dispensadas no enfrentamento das agruras do dia a dia no cárcere e na luta por sua libertação.

Foi cotidianamente uma presença militante nos movimentos políticos e sociais tendo participado da campanha do “Petróleo é Nosso”, das mobilizações pela convocação de uma Assembleia Nacional Constituinte livre e soberana, por eleições diretas para Presidente e do Fora Collor, entre tantos outros.

Na qualidade de funcionária, seja dos Correios ou do INSS, sempre participou das mobilizações sindicais dessas categorias por seus direitos.

Hoje, aos 91 anos de idade, permanece fiel aos seus ideais de justiça social, liberdade, democracia e prosperidade para o nosso povo e nosso País.

Em razão de toda essa história de vida plena de bravura, tenacidade e solidariedade devotada à luta em defesa da democracia e das causas populares, a 21ª Conferência Estadual do PCdoB no Ceará resolveu homenagear Dona Maria de Lourdes Miranda de Albuquerque, concedendo-lhe a Comenda Bergson Gurjão Farias, herói do povo brasileiro, que tombou na guerrilha do Araguaia, instituída como forma de valorizar e dar destaque a luta democrática de entidades e personalidades de nosso Estado e do nosso Brasil.

Neste sentido, e numa visível demonstração do destacado papel das mulheres nos grandes embates políticos e sociais de nosso país, cabe registrar que desde sua instituição na 19ª Conferência Estadual do PCdoB/CE, a comenda Bergson Gurjão Farias, somente foi, coincidentemente, concedida a duas outras mulheres que, a exemplo de Dona Lourdes, se constituem símbolos da persistência e da combatividade na busca da liberdade e do direito à verdade, Dona Luíza Gurjão Farias, serena e altiva mãe de Bergson Gurjão Farias, e Gilse Cosenza, valorosa camarada e ex-presidente do PCdoB em nosso Estado.

Por fim, Dona Lourdes, querida e estimada companheira de grandes embates, receba essa carinhosa homenagem materializada na Comenda Bergson Gurjão Farias, como o reconhecimento e um tributo dos comunistas cearenses por sua inestimável contribuição à luta libertária de nosso povo.

*Benedito Bizerril é membro do Comitê Estadual do PCdoB/CE e coordenador da seção estadual da Fundação Maurício Grabois.

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