Após 10 anos, Estatuto do Idoso mostra avanços e deficiências

A aposentada goiana Ilda Maria do Carmo é daquelas que acreditam que o avanço da idade não está necessariamente associado à diminuição da disposição, por exemplo, para atividades físicas e culturais. Aos 68 anos, aproveita o tempo livre para ir à academia, onde, três vezes por semana, caminha na esteira e faz musculação.

Para manter o cérebro ativo, Ilda lê revistas semanais, livros de temas variados e costuma ir a feiras de artesanato, cinemas e espetáculos musicais. Para fazer todos esses gastos caberem no orçamento doméstico, ela usa alguns dos benefícios previstos no Estatuto do Idoso, que completa dez anos nesta terça-feira (1º), como a meia-entrada em teatros, cinemas e eventos culturais. Para Ilda, a facilidade estimula essa parcela da população a ter uma vida mais prazerosa.

"É bom porque a gente já tem que gastar tanto com remédios, que facilita um pouco para ter uma vida mais movimentada e até agradável. Em geral, eu fico sozinha em casa, porque minha filha sai para trabalhar, então tenho que encontrar atividades para ocupar o corpo e a mente", contou. "Muita gente fica admirada, mas eu digo que é importante. Enquanto eu puder, vou me movimentar bastante", acrescentou.

Esse tipo de benefício previsto no Estatuto do Idoso, válido para pessoas com 60 anos ou mais, é um dos principais avanços da lei na avaliação da demógrafa Ana Amélia Camarano, do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea). Ela cita ainda a criminalização da violência contra brasileiros nessa idade e a definição de sanções administrativas para o não cumprimento dos dispositivos legais, atribuindo ao Ministério Público a responsabilidade de agir para garanti-los.

Por outro lado, a demógrafa critica o fato de o estatuto não ter estabelecido prioridades para a implementação nem fontes para o seu financiamento, como no caso da meia-entrada. Em sua avaliação, essa lacuna causa uma divisão mal planejada dos custos entre a sociedade.

“Esses dispositivos são importantes para promover a integração e a participação social da população idosa, mas com os avanços na cobertura dos benefícios da seguridade social, desde a Constituição Federal de 1988, houve uma dissociação entre envelhecimento e pobreza. Não se pode mais dizer que a população idosa é mais pobre do que a dos demais grupos etários”, disse. A pesquisadora sugere que os benefícios sejam concedidos por necessidade e não apenas em razão da idade.

Em 1994, a esperança de vida da população brasileira era estimada em 68 anos. Em 2011, ela passou para 74 anos. A pesquisadora destacou que isso tem sido acompanhado por uma melhoria das condições de saúde física, cognitiva e mental dos idosos, bem como maior participação social.

Condições gerais de vida

O aposentado pernambucano Eliseu Pereira, de 84 anos, também acredita que 60 anos é "cedo" para uma pessoa ser considerada idosa. Em sua opinião, graças às melhores condições gerais de vida, o envelhecimento nos dias atuais pode ser adiado, embora ressalte que esse processo ocorre em ritmo diferente para cada pessoa.

"É verdade que hoje em dia é possível demorar mais para envelhecer. Temos acesso a muitos serviços que os velhinhos de antigamente não tinham. Meu pai, por exemplo, mal sabia o que era uma academia. Já eu frequento regularmente a minha, faço pilates e sou um velho muito mais enxuto", brincou.

"Mas o envelhecimento não ocorre da mesma forma para todo mundo. Aos 79 anos, fiz uma viagem para Israel e muitos jovens que faziam parte do meu grupo não tinham a mesma disposição que eu. Deixei para trás boa parte deles que, por exemplo, não conseguiram subir o Monte Sinai", acrescentou Eliseu. Apesar disso, ele considera injusto elevar a idade mínima para que pessoas "que já contribuíram por tanto tempo para o desenvolvimento da sociedade" tenham acesso aos benefícios previstos no Estatuto do Idoso.
Direitos no papel

Apesar de elogiarem o Estatuto do Idoso, especialistas dizem que apesar do aumento expressivo de espaços para a participação do idoso na sociedade nos últimos anos, vários direitos continuam no papel.

Integrante do Conselho Nacional do Idoso, a médica Jussara Rauth esclareceu que o estatuto ampliou a Lei 8.842 (de 1994) e reconheceu direitos do idoso, com sanções e punições previstas para a família, as instituições e/ou o próprio Estado, caso sejam violados. Porém, segundo ela, faltam ações eficazes na questão do cuidado e da atenção.

“Encontramos nas políticas públicas mais fragilidades do que fortalecimento, pois a questão do envelhecimento ainda não é pauta de uma agenda política forte. Continuamos a ver a ênfase em políticas como da criança e do adolescente. Só que hoje temos um percentual de crianças diminuindo e de idosos aumentando significativamente”, comentou. “Precisamos de um equilíbrio, de uma compensação em cima das demandas sociais”.

A médica criticou ainda a hierarquização das responsabilidades em relação ao idoso, que ocorre na interpretação da lei. “Quando a família não pode dar conta, a responsabilidade é da sociedade e quando ela não dá conta, a responsabilidade é do Estado. Entretanto, a política diz que a responsabilidade é linear, ou seja, as três instâncias são complementares e articuladas”, declarou.

“Se não houver algumas ações de políticas públicas que deem suporte a essa família, ela não consegue cumprir o seu papel em relação ao idoso”, comentou Jussara ao lembrar que o fortalecimento do vínculo familiar é positivo para o idoso e para os parentes. “A família deve desfrutar dessa companhia não como um estorvo, que causa dificuldade, mas como uma pessoa com experiência de vida, vivências que podem ser passadas. O grande valor das pessoas idosas é a possibilidade de nos ajudar a compreender o presente com um retrato do passado”, lembrou a médica, ao defender uma mudança de paradigma na sociedade para que deixe de ver o envelhecimento como problema e o encare como um processo natural da vida que deve ser valorizado.

Para o diretor da Sociedade Brasileira de Geriatria e Gerontologia, Salo Buksman, o cumprimento do estatuto ainda não é uma realidade em muitos aspectos. “O estatuto foi uma iniciativa importantíssima, mas temos ainda muito caminho a percorrer para que a proteção do idoso seja efetivamente executada pela sociedade”, disse ele ao citar algumas arbitrariedades cometidas contra idosos, como a prática de alguns planos e operadoras de saúde de negar o direito de clientes idosos adquirir novos planos.

“Os planos de saúde não veem com bons olhos o idoso, por representar eventualmente um custo maior. Então lançam mão de todos os artifícios possíveis para que não tenham acesso ao seguro-saúde privado, o que é indecente, pois não se pode discriminar uma pessoa devido à sua faixa etária, o que é condenado no estatuto”, acrescentou.

De acordo com o Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (Idec), algumas empresas de planos de saúde não pagam comissão a corretores que vendem planos para idosos. A prática é proibida pela Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS), mas não está prevista na Constituição ou no Estatuto do Idoso.

Fonte: Agência Brasil