Dilma: “Abandono do multilateralismo é o prelúdio de guerras”

A presidenta Dilma Rousseff fez nesta terça-feira (24), em Nova York, o discurso de abertura da 68ª Assembleia Geral das Nações Unidas. Dilma iniciou seu pronunciamento afirmando que os recentes casos de espionagem – revelados pelo ex-funcionário da Agência Nacional de Segurança (NSA) Edward Snowden – promovidos pelo governo dos Estados Unidos representam graves "violações dos direitos humanos e das liberdades civis".

Por Mariana Viel, da Redação do Vermelho

Dilma discursa na ONU 1 - Roberto Suckert Filho/PR

Dilma repudiou as atividades de uma rede global de espionagem, que colocou o Brasil, suas representações diplomáticas, informações empresariais – da estatal Petrobras – e a própria Presidência como alvo do que denominou como intromissão. Segundo ela, o problema afeta “a própria comunidade internacional e exige respostas”. 

Para a presidenta o argumento de que os Estados Unidos precisam espionar para proteger seus cidadãos do terrorismo não é válido e disse que “uma soberania jamais pode firmar-se em detrimento de outra”. E lembrou que o espaço cibernético não deve ser instrumentalizado como “arma de guerra”.

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“O Brasil é um país democrático, cercado de países democráticos. Vivemos em paz com nossos vizinhos há mais de 140 anos. Não posso deixar de lutar pela soberania de meu país, sem respeito à soberania não há base para o respeito entre as nações.”

Dilma também afirmou que o Brasil apresentará uma proposta para a criação do marco civil para governança e uso da internet. “Fizemos saber ao governo norte-americano nosso protesto, exigindo explicações, desculpas e garantias de que tais procedimentos não se repetirão. Governos e sociedades amigos, que buscam consolidar uma parceria efetivamente estratégica, como é o nosso caso, não podem permitir que ações ilegais, recorrentes, tenham curso como se fossem normais. Elas são inadmissíveis.”

Em referência ao seu passado de militante contra a ditadura brasileira, a presidenta afirmou que lutou “contra o arbítrio e a censura” e que não pode deixar de “defender a privacidade dos cidadãos e a soberania do Brasil".

O combate à pobreza, à fome e à desigualdade pelo Brasil também foi tema do discurso da presidenta. Ela lembrou que na última década o governo brasileiro retirou mais de 23 milhões de pessoas da pobreza. E lembrou dados divulgados recentemente pela Unicef que apontam que o Brasil está entre os países que mais reduziu a mortalidade infantil e afirmou que as crianças são prioridade para o governo. Ressaltou ainda a destinação de 75% dos royalties do pré-sal para a educação.

Vozes das ruas

A presidenta afirmou que as manifestações que ganharam as ruas do país em junho deste ano são parte indissociável do processo de construção da democracia e de mudança social no Brasil. Segundo ela, ao promover a ascensão social e superar a extrema pobreza, o governo brasileiro criou um imenso contingente de cidadãos com melhores condições de vida, maior acesso à informação e mais consciência de seus direitos.

“O meu governo não as reprimiu, pelo contrário, ouviu e compreendeu a voz das ruas. Ouvimos e compreendemos porque nós viemos das ruas. Nós nos formamos no cotidiano das grandes lutas do Brasil. A rua é o nosso chão, a nossa base.”

A mandatária brasileira reafirmou que os protestos não pediram o retorno das políticas neoliberais que durante décadas aprofundaram as diferenças econômicas e sociais no país. “Os manifestantes não pediram a volta ao passado. Pediram sim o avanço para um futuro de mais direitos, mais participação e mais conquistas sociais”. E lembrou que “não basta ouvir [a voz das ruas] é necessário fazer”.

Governança mundial

Outro tema importante abordado por ela foi a frágil situação da economia mundial. Para a presidenta, os recentes dados do desemprego mundial são inaceitáveis. Ela defendeu que os países emergentes não conseguirão sozinhos encontrar soluções para a crise e defendeu uma ação coordenada. “Estamos todos no mesmo barco”, enfatizou. Dilma disse ainda que o Brasil segue no apoio à reforma do Fundo Monetário Internacional (FMI).

A presidenta também cobrou, mais uma vez, a “reforma urgente” do Conselho de Segurança da ONU como forma de assegurar a representatividade de nações emergentes e dos novos atores globais e com “vozes independentes”. Ela defendeu a incorporação de novos países permanentes e não-permanentes para suprir o déficit de representatividade e legitimidade capaz de assegurar a defesa de um mundo multilateral. E reafirmou a primazia da solução pacífica nos conflitos internacionais.

Síria

Ela defendeu uma solução negociada para o conflito na Síria e afirmou a necessidade de calar a voz das armas. A presidenta brasileira considerou que a única solução possível para a crise no país é a negociação, o diálogo e o entendimento.

“Dois anos e meio de perdas de vidas e destruição causaram o maior desastre humanitário deste século (…) É preciso impedir a morte de inocentes, crianças, mulheres e idosos. É preciso calar a voz das armas – convencionais ou químicas, do governo ou dos rebeldes. Não há saída militar. A única solução é a negociação, o diálogo, o entendimento.”

Dilma afirmou apoiar o acordo para a eliminação das armas químicas sírias intermediado pela Rússia e que impediu uma intervenção unilateral dos Estados Unidos. E disse que cabe ao “governo sírio cumpri-lo integralmente, de boa-fé e com ânimo cooperativo”. Ela disse ainda que o governo brasileiro repudia intervenções sem autorização do Conselho de Segurança pois tal atitude só agravaria a instabilidade política da região e aumentaria o sofrimento humano.

“A história do século 20 mostra que o abandono do multilateralismo é o prelúdio de guerras, com seu rastro de miséria humana e devastação. Mostra também que a promoção do multilateralismo rende frutos nos planos ético, político e institucional”, disse.

Ao abordar outro tema internacional candente, ela criticou a paralisia do tratamento da questão Israel-Palestina. E defendeu o firme estabelecimento do Estado da Palestina, através da solução de consenso internacional de dois Estados.

Brasil na ONU

Dilma discursou pela terceira vez na abertura da Assembleia Geral da ONU. Em 2011, a presidenta brasileira fez história ao se tornar a primeira mulher a discursar na abertura dos trabalhos da principal reunião de chefes de Estado da ONU. Em sua intervenção, Dilma afirmou que o Brasil já estava pronto para assumir suas responsabilidades como membro permanente do Conselho de Segurança.

Em seus dois pronunciamentos anteriores, 2011 e 2012, Dilma chamou atenção para a crise econômica e defendeu a construção de um amplo pacto pela retomada do crescimento global.

Embora não seja citada em nenhum estatuto oficial da ONU, é tradição que o Brasil faça o discurso de abertura das assembleias gerais. A prática remete a 1947, quando o então ministro das Relações Exteriores Oswaldo Aranha presidiu a abertura do primeiro encontro. Desde então, a delegação brasileira é responsável pelo discurso inicial das assembleias. Além de ser um dos Estados fundadores da organização, o Brasil também foi o primeiro país a aderir à ONU.