Alterações no ECA: punição versus garantia de direitos 

Uma discussão acerca de decisões iminentes que afetarão o futuro dos jovens brasileiros está sendo travada no Congresso Nacional. Está em apreciação, na Câmara dos Deputados, projeto de lei do Senado que pretende alterar o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) para alterar a maioridade penal. Para socializar o debate antes de emitir parecer ao projeto, foi criada a Comissão Especial de Medidas Socioeducativas, que está percorrendo os estados. 

 Os representantes da comissão estão percorrendo algumas capitais brasileiras para ouvir autoridades e profissionais que atuam nas áreas de infância e juventude. Com esse intuito, a comissão aportou em Salvador nesta segunda-feira (16) para cumprir extensa programação. Durante todo o dia, os deputados federais inteiraram-se da situação da Bahia no que diz respeito ao adolescente em conflito com a lei e ouviram os segmentos que atuam na área.

A agenda que incluiu visita a uma unidade de acolhimento de medidas socieducativas (Case-CIA), audiência com o governador em exercício, Otto Alencar, e realização de seminário na sede do Ministério Público do Estado da Bahia.

Punição ou direitos

Mediado pelo deputado Vieira da Cunha (PDT-RS), presidente da comissão, o seminário reuniu autoridades das áreas de infância e juventude. A partir de explanações chegou-se ao consenso de que é temerário alterar uma lei considerada modelo como o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) e que sequer foi integralmente aplicada.

As opiniões também convergiram para a ideia de que jovens e crianças não precisam de mais punição e sim de políticas públicas que lhes assegurem os direitos à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao esporte, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, conforme preconiza o artigo 4º do Estatuto.

O relator do projeto, deputado Carlos Sampaio (PSDB-SP), abriu os trabalhos destacando que o ECA é uma das mais relevantes peças jurídicas em vigência no Brasil e que o seu arcabouço não deve ser alterado. O deputado salientou que o estatuto traz importantes garantias de direitos a crianças e adolescentes, mas não foi devidamente implementado em seus 23 anos de vida útil no Brasil. “O ECA é um diploma legal de altíssima qualificação no Brasil e no mundo. Nós queremos ouvir o Brasil antes de emitir parecer”, ponderou o relator.

Críticas à mídia

A visão de Sampaio é compactuada pela deputada Alice Portugal (PCdoB-BA), também membro da comissão. Ela ressaltou o caráter delicado da matéria e a necessidade da busca por um texto legislativo que faça avançar o efetivo cumprimento desses direitos.

A deputada atacou a imprensa conservadora, que , segundo ela, faz recortes estereotipados do tema, simplificando uma questão complexa e levando a crer que o problema da violência no Brasil se resolveria a partir do encarceramento de sua juventude.

“A grande repercussão na mídia de casos em que os nossos jovens se envolvem em crimes quer fazer crer que precisamos de um Estado punitivo, mas nós queremos um Estado social, que garanta a jovens e crianças brasileiras direitos básicos de sobrevivência. Só assim nós os afastaremos do crime”, disse a deputada, ao destacar que, ao invés de criminosos, os jovens são vítimas e que o rigor na punição deve recair sobre adulto que alicia menor para a prática de crimes e não sobre os adolescentes. Apenas 10% das notificações de crimes no Brasil são atribuídas a adolescentes.

Onda conservadora

A deputada Rosane Ferreira (PV-PR) alertou para uma onda conservadora no Congresso Nacional, amplificada pela mídia, que luta para endurecer punições para o adolescente infrator e reduzir a maioridade penal.

“Na Câmara, há muitas propostas para redução (da maioridade penal). Foi criada até uma frente parlamentar com esse objetivo. A mídia pressiona pela redução como forma de inibir a violência, mas nós precisamos é proteger os nossos adolescentes, para que eles tenham oportunidades”, defendeu a deputada.

Muitos participantes do seminário consideraram que da forma como estão propostas, as alterações podem desvirtuar o ECA, transformando-o em um código penal para crianças e adolescentes e não um instrumento de garantia de seus direitos, como foi concebido originalmente.

“Podemos estar contribuindo, pela via transversa, para um aumento do ato infracional”, opinou o promotor de Justiça Evandro Luis Santos de Jesus. Segundo ele, há muitos itens na proposta que violam frontalmente as normas federais brasileiras, como a Constituição Federal, e também convenções internacionais das quais o Brasil é signatário. “O que precisamos é de medidas de prevenção, uma vez que as causas da omissão do Estado não são tratadas”, reforçou.

Altos custos

A representando da Secretaria de Desenvolvimento Social e Combate à Pobreza, Ariselma Pereira, apresentou dados que legitimam a compreensão de que a redução da maioridade penal e ampliação das medidas socioeducativas é um equívoco que pode custar caro à sociedade brasileira.

Segundo ela, 90% dos adolescentes que cumprem medidas socioeducativas são negros e 53% não frequentavam a escola quando cometeram o ato infracional, caracterizando um corte social e de raça no perfil do adolescente infrator. “Esse jovens são mais vítimas do que algozes”, frisou Ariselma, ao defender o cumprimento do ECA e não a sua alteração. “Por que revisar e mudar algo que não foi plenamente executado?”, questionou.

Ariselma salientou ainda o fato de que cada jovem interno custa ao Estado um valor que oscila entre sete e oito mil reais mensais, que poderiam ser investidos em medidas preventivas, em detrimento das punitivas. Numa matemática simples, quando se multiplica o custo de cada jovem punido pelo quantitativo de 18 mil adolescentes em internação hoje no Brasil, chega-se ao valor de 144 milhões de reais gastos a cada mês, ou seja, 1,7 bilhão de reais gasto para punir adolescentes que cometeram ato infracional, na maioria das vezes, por total ausência de perspectiva de futuro.

Da Redação em Brasília
Com informações da Ass. Dep. Alice Portugal