José Dirceu: Repúdio à fuga do senador boliviano

O assunto não está encerrado, mas o firme repúdio manifestado pela presidenta, Dilma Rousseff, e pelo Itamaraty à fuga do senador boliviano Roger Pinto Molina é importante para que não haja dúvidas de que o governo brasileiro em nenhum momento pactuou com essa aberração diplomática.

Por José Dirceu, no Sul21

Retirado da embaixada brasileira em La Paz e levado a Corumbá (MS) e depois a Brasília, Molina foi trazido ao Brasil ilegalmente pelo diplomata brasileiro Eduardo Sabóia —já afastado—, em uma ação que contou também com a ajuda do presidente da Comissão de Relações Exteriores do Senado brasileiro, Ricardo Ferraço (PMDB-ES).

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É bom que se situem os equívocos cometidos e que não se permita que isso se transforme em uma crise, mas que se punam os responsáveis. Ao conceder asilo diplomático a um cidadão, o Estado brasileiro cumpriu a tradição pela qual é respeitado internacionalmente. Da mesma forma, as autoridades bolivianas têm suas razões para não ter concedido o salvo-conduto ao senador acusado de diversos crimes pela Justiça do país. Portanto, não é isso que está em questão.

A operação, que muitos classificam como “desastrada”, foi na verdade uma injustificável agressão à soberania boliviana e uma violação de acordos de reciprocidade e de leis internacionais. Condenado pela Justiça comum de seu país e asilado na embaixada brasileira desde 2012, Molina refugiou-se por livre e espontânea vontade e não estava proibido de ir e vir dentro da Bolívia.

As supostas razões humanitárias alegadas por Sabóia para patrocinar a retirada do senador de La Paz e acompanhá-lo ao Brasil não apenas são improcedentes, como sua iniciativa oferece ao mundo um exemplo de que como se liquidam e se desmoralizam uma função, uma carreira pública e um instituto internacional —o do asilo. O senador boliviano não sofria nenhum tipo de perigo ou ameaça que justificasse sua fuga, portanto abriu-se desnecessariamente e de forma leviana um precedente que pode ser usado amanhã contra o nosso país.

Mais grave do que o episódio, no entanto, é a tentativa da oposição de explorá-lo politicamente para tentar indispor os governos do Brasil e da Bolívia. Por incrível que possa parecer, tentam transformar o diplomata Sabóia em herói, mesmo tendo ele colocado em risco a vida de quem tinha o dever de proteger. Procuram ainda atribuir a responsabilidade ao governo brasileiro e à sua diplomacia, quando na verdade esse ato irresponsável e criminoso é que desmoraliza nossa política externa e a imagem do Brasil. Felizmente, o presidente boliviano combateu essas atitudes mesquinhas ao afirmar que não conseguirão gerar conflitos, porque há maturidade política nas relações entre os dois países.

Se não bastasse, aproveitam para criticar o governo da Bolívia, que acusam de ser uma “ditadura disfarçada”, como se o senador Molina fosse um asilado político por ser de oposição—algo totalmente descabido. O governo da Bolívia não tem qualquer responsabilidade neste episódio e, além do mais, o presidente Evo Morales foi eleito democraticamente e conta com apoio do Congresso e de ampla maioria da população. Defender o senador boliviano sob essa perspectiva só se explica por um conservadorismo tacanho.

A permanência de Molina no Brasil dependerá de uma nova concessão de asilo, agora territorial, uma vez que o asilo diplomático de 2012 se limitava a garantir sua presença na embaixada do Brasil em La Paz. Sua extradição, contudo, embora ainda não tenha sido oficialmente pedida pelo governo da Bolívia, parece ser o caminho mais coerente.

De todo esse enorme embaraço, fica a lição do quanto a irresponsabilidade de alguém que se julga apto a resolver uma questão complexa e sensível de acordo com a própria consciência pode resultar em consequências desastrosas, como corromper a democracia e alimentar intrigas entre duas nações irmãs.

Já o apoio de alguns setores, por meio de falsos argumentos, à operação ilegal e criminosa que trouxe o senador boliviano até o Brasil é um risco que não se pode admitir. Nossa experiência democrática comprova que todas as vezes em que se flexibilizaram as leis para aplicá-las segundo conveniências ou pressões políticas, acabamos mal.

*Advogado, ex-ministro da Casa Civil e membro do Diretório Nacional do PT