Angelina Anjos: Juventude Brasileira e a Primavera de Agosto

No ano em que a Constituição Brasileira de 1988 completa 25 anos, a juventude renova a esperança de um país mais avançado para os brasileiros na medida em que consolida um processo de quase dez anos de luta para finalmente dispor do Estatuto da Juventude, a Lei 12.852, de cinco de agosto de 2013.

Por Angelina Anjos (*), especial para o Vermelho

No ano em que a Constituição Brasileira de 1988 completa 25 anos, a juventude renova a esperança de um país mais avançado para os brasileiros na medida em que consolida um processo de quase dez anos de luta para finalmente dispor do Estatuto da Juventude, a Lei 12.852, de cinco de agosto de 2013.

A Constituição cidadã, conquista democrática depois de 21 anos de ditadura militar, é a primeira a estabelecer um Estado democrático de direito, onde todo o poder emana do povo, diretamente ou por meio dos seus representantes. É a primeira, também, a trazer logo no início a explicitação dos fundamentos do Estado e dos direitos e garantias fundamentais, individuais e coletivos.

A Lei 12.852 define os princípios e diretrizes para o fortalecimento e a organização das políticas de juventude, em âmbito federal, estadual e municipal. É norteadora de políticas que se tornam prerrogativas de Estado e não só de governos. A partir de agora será obrigatória a criação de espaços para ouvir a juventude, estimulando sua participação nos processos decisórios, com a criação dos conselhos estaduais e municipais de Juventude.

Ao ter sancionado o Estatuto da Juventude foi dado mais um passo para consolidação da história da juventude brasileira, baseada em direitos, conquistados através do esforço, da participação, da disputa democrática, forjados por visões distintas, mas que conseguiram convergir e criar a possibilidade de 51 milhões de brasileiros possuírem sua carta de direitos.

Segundo a presidenta Dilma Rousseff, as escolhas políticas dos últimos 10 anos levaram à retomada do desenvolvimento e a considerar absurda e inadmissível a desigualdade que recortava nosso país. Por isso milhões de brasileiros puderam acessar direitos – como carteira assinada, acesso à Universidade, combate à miséria através do Programa Bolsa Família, distribuição de emprego e renda, Programa Minha Casa, Minha Vida, melhora significativa do salário mínimo com poder de compra, criação de mais Universidades Federais, do ensino técnico, PROUNI, FIES, e Lei de Cotas, que é uma lei de democratização e combate ao racismo no Brasil.

Entretanto, uma questão crucial põe em cheque todo um objetivo de Estado democrático de direito – a violência contra a juventude negra, com baixa escolaridade e pobre, que representa o aspecto mais perverso de todos os outros e mostra um lado da nossa sociedade com que nós não podemos conviver pacificamente: é imperativo que se construam, dentro do Estatuto da Juventude, as trincheiras para lutar contra a violência indiscriminada contra os jovens negros.

Ao afirmar que a juventude brasileira tem como pano de fundo essa violência, isto nos remete ao conceito de democracia explicitado na obra do escritor e ativista político José Saramago. Em seu livro Ensaio sobre a Lucidez, de 1995, que rendeu o único Prêmio Nobel de Literatura a um autor de língua portuguesa em 1998, ele buscava mostrar que o simples direito de voto, ou a mudança periódica de governantes, por si só, não representam a democracia.

Segundo Saramago, o discurso democrático pregado pelos estados ocidentais servia apenas de fachada para esconder o real poder que prevalece nestas sociedades: o poder econômico.
Saramago não pretendia com essa declaração fazer apologia do voto em branco, nem uma campanha contra a democracia e sim afirmar a necessidade de uma sociedade que pudesse se insurgir contra uma situação de mudança aparente que é, no fundo, a continuidade de um sistema capitalista consumista, excludente e desigual.

O romance mostra-se, inicialmente, como uma utopia na qual, mais do que renunciar a uma democracia de fachada, os cidadãos se mostram maduros o suficiente para exercerem uma democracia direta, para viverem em comunidade sem precisar do mando ou comando de alguns poucos, ou da força e do medo impostos pela polícia.

O fato é que a violência, o aumento da criminalidade, a banalização da vida e a diminuição da maioridade penal em particular, têm merecido destaque e são tema de inúmeros estudos e debates entre a sociedade. Humilhação e aniquilação parecem ser a via privilegiada para a reparação da ofensa, para a defesa da segurança pública.

O Mapa da Violência 2013 revela que homicídios entre a população jovem cresceram de forma mais acelerada: na população como um todo foi de 502,8%, mas entre os jovens o aumento foi de 591,5%. Similar ao que ocorre com as vítimas de homicídio, a vitimização do sexo masculino é extremamente elevada nas mortes por arma de fogo: 93,9%. Outra característica se refere à raça/cor das vítimas. As taxas de homicídio da população negra – 19,7 óbitos para cada 100 mil pretos — são 88,4% maiores que as taxas dos homicídios de pessoas brancas — 10,5 óbitos para cada 100 mil brancos. Isto é, morrem por estas causas, proporcionalmente, 88,4% mais negros que brancos. Já as taxas de óbitos por arma de fogo dos pardos são 156,3% maiores que a dos brancos.

Em 2010, 26.854 jovens entre 15 e 29 anos foram vítimas de homicídio. Do total, 74,6% dos jovens assassinados eram negros, 91,3% das vítimas de homicídio eram do sexo masculino.
Em pleno Estado democrático de direito, os jovens representam o grupo mais vulnerável às violações de direitos humanos, e são as maiores vítimas da violência letal.

Por que foi que cegamos, Não sei, talvez um dia se chegue a conhecer a razão. Queres que te diga o que penso? Diz. Penso que não cegamos, penso que estamos cegos, Cegos que veem, Cegos que, vendo, não vêem. (Saramago, 1995, p. 310).

A reflexão acima nos obriga a querer entender como as políticas públicas de segurança, foram planejadas para evitar violações de direitos repetidas, contra a juventude no Brasil.
Deve servir de estímulo ao povo brasileiro para cobrar a construção de um novo modelo de segurança, que esteja vocacionado a proteger. Conclama a participação efetiva da sociedade em condição de protagonista, no sentido de estabelecer uma nova percepção, capaz de alterar em qualidade a segurança pública no país.

Que o caos instalado contra a juventude obrigue a um recomeço. Um recomeço igualitário, onde valores como solidariedade e consciência coletiva superem o egoísmo e o individualismo, e a necessidade de sobrevivência supere a idéia de posse, para que seja possível uma sociedade justa e igualitária.

Neste contexto as políticas públicas precisam chegar e fazer parte das questões relacionadas à juventude, de forma mais consistente, por motivos emergenciais, já que os jovens são os mais atingidos pelas transformações no mundo do trabalho e pelas distintas formas de violência física e simbólica que caracterizam o século 21.

Política pública que considere a juventude como um segmento social portador de direito e protagonista do desenvolvimento nacional. Essa é uma decisão posta à sociedade civil, às entidades representativas como, por exemplo, a histórica União Nacional dos Estudantes, em fazer prevalecer as decisões e aspirações juvenis.

Objetivando a promoção e integração de ações de prevenção à violência, com foco no enfrentamento ao racismo nas Instituições, na transformação de territórios vulneráveis e na criação de oportunidades de inclusão social dos Jovens.

É preciso empreender tanto ações caracterizadas como políticas universais, destinadas a incidir em problemas relativos à população em situação de vulnerabilidade social de maneira geral, ações focadas, destinadas a incidir em problemas relativos exclusiva ou preponderantemente à população jovem negra.

Agosto estará para a juventude brasileira como a primavera, tipicamente associada ao reflorescimento de sonhos, desejo de lutas vindouras, sensação de dever cumprido. A carta que institui o Estatuto da Juventude foi redigida pelas mãos de centenas de jovens brasileiros, que ousaram sonhar um país menos excludente, que tenha como principal foco proteger, estimular e ampliar direitos sociais.

Entretanto, somente através da participação democrática dos jovens e do povo brasileiro, que o extermínio dessa camada da polução do Brasil cessará no sentido da superação do obscurantismo, do tráfico de drogas, da prostituição, da exclusão, das chacinas, dos desaparecimentos forçados, das prisões e das mortes.

O momento agora é de um grande levante popular da juventude, que utilize como trincheira para a liberdade a lei de cinco de agosto, que tenha organização nas entidades representativas que nutrem historicamente os melhores sentimentos do mundo. Onde o caminho possa ser o da liberdade e da beleza, que mais do que adversidades, possam ter determinação, humanidade, afeição, perspectiva e sede de futuro.

*Angelina Anjos é assistente social, militante da luta pelos direitos humanos, membro do Comitê Paraense pela Verdade, Memória e Justiça e filiada ao Partido Comunista do Brasil no Pará