PC argentino aponta ofensiva da direita na Argentina e na AL

No último domingo (11), os argentinos escolheram os candidatos que irão disputar as eleições de outubro. O resultado deixou uma pulga atrás da orelha de Cristina Kirchner e seus aliados. Mas, para o secretário de relações internacionais do Partido Comunista Argentino, Jorge Kreyness, longe de representar uma derrota, o resultado é um sinal de que são necessárias mais mudanças e o aprofundamento do modelo de ruptura com o capitalismo e o neoliberalismo.

Por Vanessa Silva, no Portal Vermelho

Cristina Kirchner chamou empresários e sindicatos para conversar/ Foto: Prensa Oficial

A votação indica que se o resultado se mantiver, a Frente Para a Vitória terá a maioria tanto no Senado, quando na Câmara, apesar da perda de algumas cadeiras. Além disso, seguirá sendo a única força política com presença nos 23 distritos do país e com força para disputar as eleições em 2015, nas quais muito provavelmente não aparecerá a figura de Cristina já que a presidenta, até o momento, não encaminhou o projeto para permitir uma nova reeleição. No entanto, como demarcação de forças, de acordo com informações do jornal La Nación, a presidenta chamou empresários e sindicatos para uma conversa que deverá ocorrer na próxima quarta-feira (21). 

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Em entrevista ao Portal Vermelho, Kreyness avalia que há uma contraofensiva da direita contra o processo de transformações tanto na Argentina, como na América Latina e que é necessário que estas conquistas sejam defendidas com autonomia, independência e mais mudanças. O comunista pontua ainda que o caminho das mobilizações populares não deve ser abandonado.

Portal Vermelho: O que ocorreu nas Primárias? Os meios brasileiros falam de uma grande derrota. Como entender os números das Paso?

Jorge Kreyness: O resultado tem que ser analisado detalhadamente porque ainda que o governo tenha tido uma votação menor que outras oportunidades, o oficialismo se mantém como primeira força de caráter nacional e, ao mesmo tempo, é a única com presença nos 23 distritos do país. Na perspectiva de uma eleição presidencial para 2015, a Frente para a Vitória estará bem posicionada.

Em função da crise internacional do capitalismo e sua influência na economia nacional, se desaceleraram as mudanças que estavam sendo implementadas no país. Neste contexto, é realizada uma votação na qual o oficialismo perde as primárias em vários distritos importantes. Então a questão não é de derrota, como podem confundir alguns meios internacionais, confundindo seus desejos com a realidade, mas uma situação completa que temos que analisar.

Particularmente, os comunistas pensamos que é necessário fazer uma campanha não só baseada no que foi realizado nos 10 anos de governo, como também apresentar propostas de mais e novos direitos para que os que têm direitos e aspiram por mais. É dizer que ninguém vai impedir as pessoas de melhorar a qualidade de vida. Então é necessário não só fazer um balanço das importantes conquistas alcançadas na Argentina, mas também apresentar propostas novas sobre direitos como a distribuição da riqueza, melhoria do transporte. Setores onde há dificuldade para o governo. Isso por um lado e por outro, os comunistas insistimos que não é suficiente constituir uma frente, como a Frente Pela Vitória deste tipo, precisamos de uma frente organizada a partir de baixo e que resulte em empoderamento do povo e uma correlação de força que permita seguir avançando para uma libertação nacional e social, com justiça social plena e conquista de novos direitos.

O kirchnerismo está há 10 anos no poder. O que falta melhorar e o que está sendo feito na Argentina para romper com o capitalismo, com o neoliberalismo?
A correlação de forças na Argentina de hoje e a prática concreta dos trabalhadores indica que estamos diante de um governo que faz reformas progressistas, mas falta muito para alcançar uma sociedade de justiça, beleza e alegria, portanto, por um lado há questões que foram resolvidas e já legisladas, como a lei de comunicação audiovisual, mas há que continuar com as leis que atingem o sistema financeiro, cobrando impostos das grandes transações financeiras transnacionais, reduzindo ou eliminar os impostos sobre o salário… Então há uma série de medidas que são possíveis serem tomadas e que favoreceria, e muito, as possibilidades do governo de que não somente termine o ciclo que se iniciou em 2003 com Kirchner, mas que este processo avance para um projeto de libertação nacional e social.

Acredita que isso seja possível ainda no governo de Cristina?
Creio que Cristina tem uma liderança que a permite tratar de algumas questões e na medida em que ela recorra às mobilizações populares e constitua uma frente política, então estaríamos em condições de confrontar as políticas da direita e gerar até 2015 uma nova fase deste ciclo virtuoso que a Argentina tem vivido e que necessita mais sentido popular e anti-imperialista. Também precisamos aprofundar a integração latino-americana e caribenha.

Muitos jovens votaram pela primeira vez e muitos deles, na oposição. Acredita que este governo não conseguiu chegar na juventude?
Também é complexo. Este governo deu o direito aos jovens de 16 a 18 anos de votar ou não. É possível que muitos deles tenham deixado de votar no kirchenerismo pretendendo um caminho mais rápido de transformações.

Há uma onda direitista na América Latina. Com o golpe no Paraguai e com o que ocorreu recentemente na Venezuela, pensa que esta força está chegando também na Argentina com o crescimento da oposição?
Há uma contraofensiva das direitas que encontram forma de se confrontar com os processos de mudanças que ocorrem na América Latina. Estão impulsionando projetos propagandísticos muito sofisticados, novas candidaturas, novas formas de se apresentar e conseguiram algumas coisas. Penso que temos que aprender com estas novas estratégias da direita, que não são comandadas pelos dirigentes nacionais, mas por especialistas que vêm de outras altitudes e que manipulam a partir de sua influência nos meios de comunicação. Manipulam a opinião pública e lograram alguns êxitos. Nós temos que aprender com isso e defender o que conquistamos na América Latina neste processo de autonomia e independência, de constituição da Unasul [União das Nações Sul-Americanas], da Celac [Comunidade dos Estados Latino-Americanos e Caribenhos], com a incorporação da Venezuela ao Mercosul, e temos que ir atrás de mais mudanças para responder às ações da direita que são mais do mesmo, mas com uma sofisticação tecnológica mais avançada.

Com as jornadas de junho no Brasil, ficou evidente que há uma crise de representatividade nos partidos políticos. Na Argentina, com os panelaços ocorre o mesmo? Como estão trabalhando com a questão da rua?
As manifestações na Argentina tipo panelaço têm uma hegemonia das forças de direita e são impulsionadas pelos meios de comunicação monopólicos. Isso é claramente assim, talvez esta seja a diferença com relação ao Brasil. A força que constitui o oficialismo na Argentina anunciou há pouco o recurso da mobilização popular. Cada vez que o governo e as forças de esquerda e progressistas utilizaram o recurso da mobilização popular, se fortaleceram. Nós comunistas insistimos que este é um caminho que não deve ser abandonado.

A continuidade deste projeto está ameaçada em 2015?
Estará ameaçada se não fizermos o que temos que fazer. Nós temos dois anos, será uma rota difícil, mas existem todas as possibilidades de ganhá-la e devemos organizar e mobilizar a maioria da sociedade argentina para isso.