Cresce consciência do povo em especial dos jovens, diz Tokarski

Em entrevista à Revista Princípios, o presidente nacional da União da Juventude Socialista (UJS) avalia o protagonismo dos jovens militantes na jornada de manifestações e diz que o “movimento social precisa estar aberto a se atualizar e se renovar para ter a capacidade de organizar essas milhares de pessoas que saíram às ruas e querem lutar por um Brasil melhor”.


André Tokarski / Imagem: Arquivo Pessoal

Princípios: Como a União da Juventude Socialista está se posicionando diante desta jornada de manifestações?
André Tokarski: A militância da UJS é parte das centenas de milhares de jovens manifestantes que tomaram as ruas do país no mês de junho. As manifestações deixam claro que o Brasil possui uma energia democrática viva e forte, e essa energia se expressa na força que a juventude demonstra ao tomar as ruas e lutar por nossos direitos.

Diferente da Europa, em crise, onde os jovens hoje lutam para não perder direitos já conquistados, a nossa luta no Brasil é para conquistar mais direitos. A UJS enxerga nesse momento de intensa participação política, em especial da juventude, uma grande oportunidade para realizarmos as reformas democráticas que ofereçam igualdade de oportunidades e justiça social a todo o povo e à juventude, com educação, saúde, trabalho decente, segurança e transporte público de qualidade. Já conquistamos muito nos dez anos de governo Lula/Dilma. Acabamos de aprovar no Congresso Nacional o Estatuto da Juventude. É uma conquista histórica, mas à medida que se consolidam conquistas, queremos avançar mais.

No meio da profusão de pautas que apareceram nas ruas, uma coisa é certa: a juventude quer ser ouvida e quer participar do processo de decisão das principais pautas do país. Isso deve se traduzir na necessidade de realizar uma reforma política democrática, onde a juventude tenha mais espaço para participar de instâncias de decisão, como os poderes Legislativo e Executivo.

O MPL (Movimento Passe Livre) acabou sendo o grande protagonista de toda esta onda de manifestações. A UJS participa deste movimento? E como vocês avaliam esta postura do MPL de organizar as mobilizações de forma "horizontal"?

O MPL foi, sem dúvida, o principal articulador e protagonista da luta pela redução da tarifa do transporte público na cidade de São Paulo, mas essa luta ultrapassou tanto as fronteiras da cidade, ganhando as ruas de todo o país, quanto também não se limitou à pauta do valor da passagem. A pauta do transporte foi o catalisador que desencadeou essa onda de protestos mas, como todos vimos, bandeiras como a defesa da educação e saúde de qualidade, o combate à corrupção e a reforma política também foram pautas dos protestos e, nesses casos, já sem a participação ou protagonismo do MPL. A UJS não participa do Movimento Passe Livre, mas nos somamos aos companheiros do MPL nas ruas há bastante tempo, nas lutas contra os preços abusivos do transporte coletivo e na defesa do passe livre estudantil, bandeira que defendemos há bastante tempo.

Por que as entidades estudantis não conseguiram tomar a frente das manifestações pautar suas reivindicações?
As entidades estudantis participaram ativamente das mobilizações. Muitas das pautas defendidas nas ruas são defendidas também pelas entidades estudantis. As manifestações não foram de ninguém e de todos ao mesmo tempo. A UNE realizou há pouco mais de um mês (de 29/5 a 02/6) o seu Congresso Nacional. Mais de dois milhões de estudantes votaram no processo eleitoral da UNE, sendo que esse processo foi precedido de intenso debate em torno das bandeiras e propostas que a UNE deve defender no próximo período. O Congresso, que aconteceu em Goiânia, reuniu cerca de dez mil estudantes de todos os estados brasileiros e sem dúvida foi um importante espaço de articulação das lutas que estão em curso no país.

O senador Lindbergh Farias disse em entrevista ao jornal Folha de S. Paulo que a UNE “perdeu o bonde da história e não tem mais protagonismo. Como você avalia esta declaração dele?
Acho uma declaração infeliz, mas não surpreende que tenha vindo do senador Lindbergh. Talvez ele não queira que surja uma nova liderança de massas pela UNE e que faça sombra ao que ele já foi um dia, quando liderou o Fora Collor presidindo esta mesma UNE. Respeito Lindbergh, mas quando olhamos para a sua trajetória fica a impressão que ele assume determinadas posições por conveniência e não por convicção. A grande imprensa circulou a versão de que UNE e UBES, por exemplo, esta vam fora das passeatas. É uma grande entira. A própria presidenta da UNE, Vic Barros, participou das primeiras manifestações em São Paulo contra o aumento da passagem quando o movimento não tinha ganhado toda essa dimensão. Além disso, a UNE é uma organização perene. Tem 76 anos de história, nasceu durante a ditadura do Estado Novo, jogou papel fundamental nos anos 1950 e 1960, foi duramente perseguida durante a ditadura militar, sobreviveu e renasceu mais forte.

Nos últimos dez anos, a UNE viveu um período de intensas conquistas para os estudantes e toda juventude brasileira. Foi fruto da atuação das entidades estudantis que conquistamos mais de um milhão de estudantes Prounistas, mais de 240 Institutos Federais de ensino superior e tecnológico. A reserva de vagas em universidades federais para negros e estudantes de escolas públicas virou realidade. Nesse mesmo período foram criadas dezenas de universidades federais, fruto dessa luta, mais que dobrou-se o número de vagas nas universidades federais brasileiras. Recentemente o Ministro da Educação, Aluisio Mercadante, anuncio um programa de bolsa permanência de cerca de R$ 500,00 (quinhentos reais) por mês para todo estudante de universidade federal de baixa renda, e no anúncio do programa fez uma homenagem à UNE por ter sido a principal defensora dessa proposta. O Congresso Nacional está próximo de aprovar a destinação dos recursos do petróleo e do fundo social do pré-sal para a educação, bandeira esta que foi apresentada à presidenta Dilma e aos parlamentares pela União Nacional dos Estudantes. Na realidade, talvez estejamos vivendo o período mais vitorioso da UNE nas pautas educacionais, o que mostra quão descabida foi a declaração do Senador.

Entre tantas divergências nas análises sobre as manifestações, há pelo menos um consenso: o reconhecimento de que as redes sociais foram o principal instrumento de mobilização. Como a UJS e as entidades clássicas do movimento estudantil estão se preparando para serem ouvidas e terem protagonismo nestes espaços das redes?
É evidente o papel das redes sociais na convocação dos atos, na articulação de pautas e na conexão de pessoas nos quatro cantos do país e, claro, ao redor do mundo. É uma nova geração que sabe usar as ferramentas que as novas tecnologias propiciam para se comunicar, mas também para fazer política.

A UJS já participa dos movimentos nas redes sociais. No ano passado realizamos o nosso 16º Congresso Nacional que teve como chamada: ”Nas redes e nas ruas, lutando pelo Brasil os nossos sonhos”. A UJS está atenta e aberta à participação da juventude pelas redes. Essa é uma realidade e com a ampliação do acesso à internet em nosso país tende a ter papel cada vez mais importante nas lutas da juventude.

A UJS foi pras ruas com suas bandeiras? Houve hostilidade contra os militantes da juventude socialista como houve contra os militantes partidários que portavam bandeiras?
Em todas as passeatas participamos levando as nossas bandeiras e as nossas propostas. A UJS não foi hostilizada em nenhuma manifestação, mas sem dúvida houve uma reação agressiva e antidemocrática a pessoas que portavam bandeiras de partidos em algumas manifestações.

Como você avalia esta hostilidade de uma boa parte dos manifestantes aos partidos e entidades dos movimentos sociais?
Há tempos a grande imprensa vem associando a atividade política unicamente a coisas ruins, para algumas pessoas já virou quase sinônimo “política” e “corrupção”. Por outro lado, a sociedade já não se vê mais representada pelas instâncias de poder no país. Há uma grave distorção na representação política e em especial no nosso parlamento. O Brasil ainda vive uma espécie de onda jovem . Somos 50 milhões de jovens entre 15 e 29 anos e quando olhamos para o Congresso Nacional reconhecemos poucos representantes que se identificam de fato com as ideias e demandas da juventude. Isso gera uma descrença com as instituições tradicionais da política. Nesse sentido, o debate sobre a reforma política ganha muita relevância. A juventude quer ser ouvida e quer participar do processo de decisão das principais pautas do país. Considero que a hostilidade por parte de alguns manifestantes aos partidos em determinadas manifestações foi uma atitude isolada, minoritária, mas ainda assim preocupante.

É preciso ver até onde vão os movimentos que não possuem coordenação ou instâncias organizadas de diálogo e decisão. Já assistimos alguns exemplos na história recente de grandes mobilizações de massa que tomaram as ruas de forma descoordenada e não conquistaram seus objetivos.

A presidenta Dilma Rousseff apresentou uma plataforma de cinco temas para responder aos anseios dos manifestantes. Como vocês avaliam as pautas apresentadas pelo governo?
Acredito que a presidenta apresenta uma agenda positiva e progressista para país. A destinação dos royalties do petróleo e de 50% do Fundo Social do Pré-sal para a educação é uma bandeira que a UNE e a UBES apresentaram à presidenta e que ela incorporou às propostas do governo. Esse é o melhor caminho para atingirmos em alguns anos o patamar de investimento de 10% do PIB para a educação. Mais uma vez fica provado que é só com o povo na rua que conquistamos mudanças. Precisamos aproveitar a força das mobilizações de rua para finalmente realizar as reformas democráticas que o Brasil precisa para atingir um novo patamar de desenvolvimento e democracia. A democratização dos meios de comunicação ficou fora das pautas propostas pela presidenta, mas está entre as nossas prioridades. A UJS vai reforçar a coleta de assinaturas do Projeto de Lei de iniciativa popular que propõe democratizar o sistema de radiodifusão no país. A meta é colher 1,5 milhão de assinaturas.

A mídia tentou a todo custo dar uma direção conservadora para as manifestações, mas também foi hostilizada. Como você avalia o papel da mídia neste momento histórico do país?
Ficou claro mais uma vez que o principal partido de oposição ao governo Dilma é a imprensa golpista. PSDB, DEM e PPS se calaram de forma vergonhosa frente aos protestos, exatamente porque não têm projeto nem proposta para o país. A grande imprensa, que num primeiro momento tentou criminalizar as manifestações e chegou até mesmo a pedir explicitamente, através de editoriais, uma ação mais violenta da policia na repressão das manifestações, mudou a lógica da cobertura e passou a apoiar e a incentivar as manifestações na tentativa de fazer com que estas pudessem se virar contra o governo Dilma. Entretanto, essa mesma imprensa foi desmascarada e desmoralizada pelos manifestantes, nas ruas e nas redes sociais. Repórteres da Rede Globo que cobriam as manifestações tiveram que tirar sua identificação para não ser hostilizados nas passeatas.

É interessante notar que os institutos de pesquisa avaliaram a opinião da sociedade sobre diversos temas durantes as passeatas: desempenho de governos, intenção de voto para a eleição presidencial, credibilidade das instituições políticas, entretanto nenhuma pergunta foi feita sobre a avaliação da sociedade sobre essa situação de monopólio midiático. Já está claro que o povo não tolera mais essa verdadeira ditadura midiática.

O que este movimento deixa de lição para a UJS e o conjunto dos movimentos sociais?
As manifestações de junho deixam lições importantes para toda a sociedade, não só para os movimentos sociais. Revelam que aumentou a consciência e o grau de exigência do povo, em especial da juventude. Reafirma mais uma vez que o povo na rua é o principal combustível das transformações e que o movimento social precisa estar aberto a se atualizar e se renovar para ter a capacidade de organizar essas milhares de pessoas que saíram às ruas e querem lutar por um Brasil melhor.

Fonte: Revista Princípios