ECA completa 23 anos com ausência de garantia de direitos

O Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) completa neste sábado (13) 23 anos. Porém, mesmo assim o conceito de Sistema de Garantia de Direitos (SGD), estabelecido como essencial para efetivação de políticas de proteção integral a crianças e adolescentes, está longe de ser uma realidade nas redes de atendimento que compõem os Conselhos dos Direitos das Crianças e Adolescentes (CDCA).


Foto: Agência Brasil

A secretária-geral do Centro de Referência, Estudos e Ações sobre Crianças e Adolescentes (Cecria), Leila Paiva, lamentou. “Ainda vivemos em um país em que crianças e adolescentes, cada vez mais, são credores de direitos. São muito mais vítimas do que autores de violência. Lamentamos o fato de que temos a lei, mas não conseguimos aplicá-la”, diz Leila.

De acordo com a ela, os conselhos de Direitos da Criança e do Adolescente e os conselhos tutelares não têm condições favoráveis para atuar, e as varas criminais especializadas em crimes cometidos contra crianças e adolescentes ainda não foram implantadas. “Não temos uma política de atendimento especializado voltada para as diversas formas de violência contra crianças e adolescentes,” destaca a secretária-geral do Cecria.

Ela ressalta, porém, que também houve conquistas nos 23 anos do estatuto. “Tivemos avanços nas políticas setoriais, como um plano nacional de enfrentamento da violência sexual que deu visibilidade às diversas formas de violência a que crianças e adolescentes brasileiras são submetidos. Esse plano tem pautado as políticas públicas nesta área e inclusive foi redefinido neste ano.”

A secretária executiva do Comitê Nacional de Enfrentamento da Violência Sexual contra Crianças e Adolescentes, Karina Figueiredo, concorda que o estatuto trouxe grandes avanços, mas diz que o atendimento ao menor vítima de exploração sexual e a responsabilização dos autores de crimes contra menores ainda precisam ser melhorados.

“O atendimento psicossocial à criança ou ao adolescente vítima de violência sexual pode ser muito demorado. O Brasil precisa ampliar o número de delegacias de Proteção à Criança e ao Adolescente e aumentar a eficiência do sistema no que se refere à responsabilização dos crimes”, afirma Karina. Segundo ela, o estatuto trouxe um novo olhar para a criança e o adolescente como sujeitos de direito. “Temas que eram pouco falados, como o trabalho infantil e a violência sexual, passaram a ter visibilidade e programas específicos.”

Leila e Karina enfatizam a necessidade de alocação de mais recursos no orçamento público para ações voltadas a esse público. “É preciso garantir a prioridade absoluta prevista na Constituição Federal, inclusive no orçamento público”, diz a secretária-geral do Cecria.

Sistema de Garantia de Direitos

O SGD engloba uma variedade de órgãos governamentais e da sociedade civil que devem garantir os direitos fundamentais da criança e do adolescente previstos no ECA. e tem como principal desafio a integração e a desfragmentação do atendimento, ou seja, encontrar uma forma de trabalhar efetivamente em conjunto. É o que afirma o consultor em educação e desenvolvimento social, Fábio Ribas. “O SGD tem como grande desafio desdobrar esse fluxo de forma articulada e integrada. Atualmente, é um pouco parecido com o conceito de rede de atendimento, ou seja, não tem uma instância com a função única e exclusiva de coordenação”.

Para ele, o que mais atrapalha são os entraves políticos. “Existe essa situação onde há disputas ideológicas ou de interesses particulares ou corporativistas de grupos, setores, ou partidos, que mais enxergam as diferenças do que as convergências”, denuncia. “O que está em questão é oferecer o que está garantido pelo marco legal de direitos. A necessidade da integração já está previsto no ECA, mas nós somos um país que tem muita lei, muita coisa bonita escrita, só que na verdade não acontece na prática e isso é histórico no Brasil”.

A presidenta do Conselho Municipal de Direitos da Criança e do Adolescente de São Paulo (CMDCA-SP), Solanje Agda da Cruz, também expôs a falta de prática no município. “As políticas são criadas, mas não são efetivadas, igual ao Estatuto da Criança e do Adolescente. São Paulo hoje não tem um plano de política municipal para a infância e juventude que funcione”.

Solange Cruz afirma que é preciso articular e integrar as instâncias do processo. “A rede deve juntar todo mundo e hoje não há ninguém responsável, não existe rede de atendimento que converse entre si e que funcione”.

Um dos sintomas dessa desarticulação é o descompromisso dos atores do SGD. “Há uma certa fragmentação, se cada ator desse sistema estiver olhando só para o próprio umbigo, a tendência é que o Sistema fique mais complexo e fracasse, com os atores cada vez mais individualizados”, explica o consultor em educação e desenvolvimento social.

Com Andi e Agência Brasil