Padilha pede que médicos deixem corporativismo e pensem no povo

O ministro da Saúde, Alexandre Padilha, afirmou que apesar de investimentos do governo federal em infraestrutura e novas unidades de saúde e hospitais, o Brasil tem carência de médicos, o que precariza as condições da saúde pública no país. Em entrevista, ele pediu que as entidades de classe deixem de lado a defesa de posições corporativistas e pensem naquilo que é mais importante para a sociedade brasileira.  

O ministro afirmou que para cada mil brasileiros há 1,8 médico disponível, número pequeno se comparado a países como Argentina (3,2 médicos por mil habitantes) e Espanha (4 médicos por mil habitantes). Padilha reforçou que a proposta do governo se refere a um edital de chamamento preferencial a médicos brasileiros, para que atuem nas periferias das grandes cidades e nos municípios no interior dos estados. As vagas que não forem preenchidas por brasileiros serão destinadas aos médicos estrangeiros, principalmente espanhóis e portugueses, segundo o ministro.

Ele também afirmou na conversa com a repórter Marilu Cabañas que o Ministério da Saúde não exitará em explorar “todas as alternativas possíveis para trazer médicos de qualidade à população”. “Eu sou médico, estudei muito para ser médico, trabalhei muito enquanto profissional, mas não podemos achar que mundo começa nem termina em torno de nós. Em primeiro lugar tem de estar o interesse da população.”

Rede Brasil Atual: O senhor está sendo considerado persona non grata pelas entidades médicas. Como o senhor vê esta questão?
Padilha: O Ministério da Saúde fará todas as alternativas para trazer médicos com qualidade à população. Eu sou médico, mas em primeiro lugar preciso pensar na população que não tem acesso à médicos. Levar médicos e mais estrutura para as unidades de saúde, equipá-las, para a população que não tem acesso a isso. Por isso o Ministério da Saúde desenha uma proposta em que fará um edital nacional de chamada de médicos brasileiros para irem trabalhar nas periferias das grandes cidades e nos municípios do interior.

Aquelas vagas que forem preenchidas por médicos brasileiros o ministério irá remunerar diretamente, vai colocar o acompanhamento das universidades, apoiando a especialização, para que eles possam estar mais perto da população. Aquelas vagas não preenchidas por brasileiros, o ministério fará o que outros países fazem, que é buscar atrair médicos estrangeiros bem formados, com boa qualidade, para o país. Estes médicos passarão por um período permanente, enquanto estiveram no Brasil, de acompanhamento pelas universidades brasileiras.

Rede Brasil Atual: Esses médicos vão receber treinamento? Tem essa questão da língua estrangeira, como fica essa questão?
Padilha: Em primeiro lugar, faremos avaliação criteriosa da formação desse médico. Só aceitaremos médicos formados em escolas de qualidade, e que dão garantia de que o médico exerce a profissão, de fato, no seu país de origem. Faremos também avaliação da língua, para a capacidade desse médico se comunicar com a população, embora o maior obstáculo para a população é não ter o médico, e não a língua em si.

Os médicos serão permanentemente avaliados pelas universidades que acompanharão o programa, não só através de avaliação, mas com a especialização desses profissionais. Eles chegam e são direcionados para as vagas não preenchidas pelos brasileiros. Mas antes de chegar ao município ficam um tempo na universidade que os acompanham e depois terão avaliação permanente da universidade, com supervisão e especialização, queremos levar médicos bem formados à população. Em primeiro lugar estão os médicos brasileiros. E as não preenchidas, gostaríamos de preencher com médicos de outros países, como fazem outros países do mundo.

Rede Brasil Atual: Médicos de quais países, por exemplo?
Padilha: Nosso foco é Portugal e Espanha, são países que falam línguas próximas, o próprio português e o espanhol, e têm mais proximidade com nossa cultura. Estes países passam nesse momento por uma crise financeira, que causa desemprego médico, o que não acontece aqui no Brasil. Estes são países em que há 4 médicos por mil habitantes, enquanto o Brasil tem apenas 1,8 médicos por mil habitantes. Outros países da América do Sul, como a Argentina, que tem mais de 3 médicos por mil habitantes, também interessam ao Ministério da Saúde para preencher as vagas caso o médico brasileiro não as preencha.

Rede Brasil Atual: Os críticos a essas medidas dizem que problema não é falta de médicos, que a proporção médico-habitante é maior do que em países europeus. Como o senhor vê essa questão?
Padilha: Contra números não há argumentos. Não comparo só com a Europa, mas Argentina, o Uruguai. Isso sempre foi um tabu no Brasil e eu estou tendo coragem de enfrentar esse debate inclusive com colegas de entidades médicas. A culpa não é do médico brasileiro. Precisamos formar mais médicos no Brasil com qualidade, dar mais oportunidade para os médicos brasileiros fazerem especialização também. Por isso que o programa inteiro é: mais e melhores unidades de saúde, mais e melhores hospitais, forte investimento na infraestrutura, com construção de novos hospitais, e priorizar o médico brasileiro, com mais vagas para a formação de especialista. Precisamos de mais pediatras. Faltam pediatras hoje no Brasil na rede pública e na rede privada. Faltam anestesiologistas na rede pública e na rede privada e neurocirurgiões também, na rede pública e na rede privada. Faltam especialistas pra tratamento do câncer no Brasil na rede pública e na rede privada. Estamos usando as duas estratégias, em primeiro lugar valorizando o médico brasileiro, mas, caso as vagas não sejam preenchidas por eles, a população não pode esperar. O Brasil pode fazer o que outros países fazem, que é trazer médicos de de outros países.

Rede Brasil Atual: Uma das principais reivindicações é a questão dos concursos federalizados, ou seja, os médicos querem prestar concurso pra trem garantias trabalhistas e reclamam que em municípios médicos não tem CLT e ficam a mercê dos prefeitos. Como o senhor vê essa questão do concurso?
Padilha: O Ministério da Saúde é a favor de discutirmos uma proposta de carreira para os médicos, dentro do âmbito federal, mas sobretudo no âmbito estadual e municipal, pois eles são os responsáveis pelo gerenciamento dos hospitais e das unidades de saúde. Inclusive, o Ministério da Saúde, no começo deste ano, fez um edital com R$30 milhões, para que estados e municípios pegassem o recurso e montassem projetos de carreira. Esses programas às vezes demoram para ser formatados, para ser aprovados nas Assembleias Legislativas, nas Câmaras Municipais, no Congresso Nacional, e a população não pode ficar esperando isso sem médicos, sobretudo vendo novas unidades de saúde serem construídas. O funcionamento dessas unidades depende sobretudo do profissional.

Rede Brasil Atual: As críticas são de que os médicos seriam alocados em cidades distantes e, de acordo com o tempo de trabalho, seriam transferidos para os grandes centros. O senhor acha esta uma boa ideia?
Padilha: Acho uma boa ideia, o Ministério da Saúde defende essa ideia, como outras também. O Brasil é muito diverso. Eu tive a experiência de coordenar um núcleo da USP no interior do estado do Pará. Então eu tinha a experiência de ficar um tempo em São Paulo, um tempo no interior do estado do Pará. Levando médicos, estudantes, médicos estrangeiros, todos sobre nossa supervisão. E lá vimos as diferenças desse país. Não existe uma proposta única que dê conta da diversidade deste país. Agora, não se pode afastar qualquer proposta que traga médicos com qualidade para nosso país, para próximo da população. É este esforço que o Ministério da Saúde tem buscado, de estimular o médico brasileiro, de criar vagas para formação de especialistas, de investir na infraestrutura e buscar atrair médicos estrangeiros para aqueles postos não ocupados pelos brasileiros.

Rede Brasil Atual: Mas a médio e a longo prazo será possível a implementação de carreira médica estatal, nos moldes do que ocorre no Judiciário, por exemplo?
Padilha: Eu diria que nós precisamos ver as especificidades do trabalho médico. Tem um juiz para cada 100 mil habitantes do país. Esse modelo é insuficiente para o trabalho médico. Nós precisamos levar médicos para cidades que não tem comarca de juiz, que as vezes não tem nem padre ou pastor, mas tem que ter médico. Tem gente lá que precisa de cuidado. Então tem especificidades no trabalho médico, no trabalho da saúde, que precisam ser considerados na construção das carreiras, tanto municipais, regionais ou federais.

Eles criticam a questão das emergências em todo o país e a reivindicam da infraestrutura das unidades de saúde. O senhor diria que com estes investimentos que o senhor apontou, é possível dar conta de toda essa demanda?
Eu diria que é um passo importante. Pela primeira vez o Ministério investe na construção, reforma e ampliação de unidades básicas de saúde, de forma direta, através do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC). Pela primeira vez o Ministério da Saúde busca expandir a figura de uma unidade do pronto atendimento pré hospitalar como as Unidades Básicas de Saúde (UBAs) 24 horas, estamos enfrentado maiores prontos-socorros através do SOS Emergência. Mas temos que percorrer um longo caminho ainda. Por isso a nossa ação é por mais e maiores hospitais, mais e melhores unidades de saúde. Hoje temos unidades prontas, renovadas, novas, equipadas, em que há carência de médicos.

Rede Brasil Atual: As entidades também querem uma audiência com a presidenta Dilma Rousseff. Vai ser possível isso, ministro?
Padilha: A presidenta Dilma foi a primeira a receber as entidades médicas. Eu estava junto nessa audiência. Eu recebo as entidades médicas desde a primeira semana que assumi o Ministério da Saúde, e vamos manter um diálogo. Tem de ser um diálogo respeitoso. Em que se debatem ideias, e não se ataque as pessoas. Lamento muito se algumas entidades, de forma isolada, deixaram de lado o debate de ideias e resolveram passar a ataques pessoais. Porque o que estamos discutindo aqui é uma medida para atender o conjunto da população brasileira.

Rede Brasil Atual: Sou médico, tenho muito orgulho da minha profissão, tenho ânimo e alegria em exercer a medicina, mas o mundo não começa nem termina em torno de nós.
Padilha: Em primeiro lugar tem de estar o interesse da população. Por isso temos de trabalhar para termos melhores estruturas, mais unidades, mais oportunidades para o jovem no Brasil que quer fazer medicina. Só que vários investimento como estes podem demorar. A formação de um médico demora de seis a oito anos. A população não pode esperar esse período, por isso estamos fazendo este edital, primeiro chamando os médicos brasileiros, e se estas vagas não forem ocupadas, serão ocupadas então por médicos estrangeiros.

Fonte: Rede Brasil Atual