Inácio Arruda: coação moral no trabalho deve ser punida por lei

O problema do chamado, na França, “assédio moral” e, nos Estados Unidos, “tirania no local de trabalho”, e que aqui preferimos denominar pela expressão menos equívoca de coação moral, vem se agravando, constituindo fenômeno existente em larga escala, que coloca em risco a sanidade física e mental e a dignidade e honra dos trabalhadores.

Por Inácio Arruda*

 A coação moral não é, de forma alguma, um fenômeno novo, porém a reflexão e o debate sobre o tema ainda são recentes. Levantamento da Organização Internacional do Trabalho (OIT) aponta para distúrbios da saúde mental relacionados com as condições de trabalho em países como Finlândia, Alemanha, Reino Unido, Polônia e Estados Unidos. Segundo a OIT e a Organização Mundial da Saúde, as perspectivas não são boas, pois nas próximas décadas predominarão vários danos psíquicos relacionados com as novas políticas de gestão na organização de trabalho.

O assédio ou coação moral pode ser definido como a exposição dos trabalhadores e trabalhadoras a situações humilhantes e constrangedoras, repetitivas e prolongadas no exercício de suas funções, sendo mais comuns em relações hierárquicas de um ou mais chefes dirigida a um ou mais subordinado(s). Tal atitude, além de constranger, desestabiliza o empregado durante sua permanência no ambiente de trabalho e fora dele, forçando-o muitas vezes a desistir do emprego, acarretando prejuízos para o trabalhador e para a organização.

Segundo a União Geral dos Trabalhadores portuguesa (UGT), uma pesquisa realizada no âmbito da União Europeia, em 1996, constatou que 4% dos trabalhadores (seis milhões de pessoas) tinham sido submetidos a violência física no ambiente de trabalho no ano precedente, 2% a assédio sexual e 8% a intimidações e a coação moral.

Em parecer dado a Projeto de Lei em tramitação no Congresso de Portugal, a UGT define a violência moral desencadeada costumeiramente contra trabalhadores no local de trabalho como o comportamento vexatório/persecutório sistemático por parte da empresa ou dos seus representantes, que implica na degradação das condições de trabalho, com a finalidade de forçar a cessação da relação de trabalho ou a modificação do status do trabalhador, e assim a descreve:

De fato… o terrorismo psicológico ou assédio moral se corporiza por considerações, insinuações ou ameaças verbais e em atitudes que se traduzem numa degradação deliberada das condições físicas e psíquicas dos trabalhadores nos locais de trabalho que visem a sua desestabilização psíquica com o fim de provocar o despedimento, a demissão forçada, o prejuízo das perspectivas de progressão na carreira, o retirar injustificado de tarefas anteriormente atribuídas, a penalização do tratamento retributivo, o constrangimento ao exercício de funções ou tarefas desqualificantes para a categoria profissional, a exclusão da comunicação de informações relevantes para a actividade do trabalhador, a desqualificação dos resultados já obtidos.

Exigir que a empresa não permita práticas degradantes em seu ambiente de trabalho é um instrumento de defesa dos trabalhadores. A lei 8.666/93, que institui normas para licitações e contratos da Administração Pública no âmbito dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, enumera em seu artigo 27 os requisitos necessários para a habilitação dos interessados em participar das licitações promovidas pelo poder público, a saber: habilitação jurídica, qualificação técnica, qualificação econômico-financeira, regularidade fiscal e o cumprimento do disposto no inciso XXXIII do art. 7o da Constituição Federal, que proíbe o trabalho noturno, perigoso ou insalubre a menores de dezoito e de qualquer trabalho a menores de dezesseis anos, salvo na condição de aprendiz, a partir de quatorze anos. Já no seu inciso I, o art. 7° assevera que é direito do trabalhador uma “relação de trabalho protegida contra despedida arbitrária ou sem justa causa”, prevendo a estipulação legal de indenização compensatória, com essa finalidade.

Nada mais arbitrário e injusto do que forçar o trabalhador a pedir sua própria demissão, por lhe ter sido tornado insuportável o ambiente de trabalho, seja pela perseguição sistemática, seja pela sua submissão a comportamentos vexatórios, humilhantes e degradantes, razão pela qual estamos convencidos da necessidade de aprovação, neste Parlamento, de normas que protejam o trabalhador dos efeitos deletérios desses atos dos patrões ou de seus prepostos.

Apresentei três projetos de lei abordando a coação moral. O PLS 80, de 2009, altera dispositivos da Lei n° 8.666, de 21 de junho de 1993, que “regulamenta o art. 37, inciso XXI, da Constituição Federal, institui normas para licitações e contratos da Administração Pública e dá outras providências”, e institui o Cadastro Nacional de Proteção contra a coação moral no emprego. Aguarda designação de relator na Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania (CCJ).

O PLS 121, de 2009, altera dispositivos da Lei nº 8.112, de 11 de dezembro de 1990, que dispõe sobre o Regime Jurídico dos Servidores Públicos Civis da União, das Autarquias e das Fundações Públicas Federais. A CCJ aguarda a apresentação do parecer do relator, senador Pedro Taques (PDT-MT).

O terceiro, que altera dispositivos da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), aprovada pelo Decreto-Lei nº 5.452, de 1º de maio de 1943, para dispor sobre coação moral, também foi apresentado em 2009 (PLS 79) e já foi aprovado no Senado. Está agora na Câmara, onde recebeu o número 6757/2010, e aguarda parecer na Comissão de Trabalho, de Administração e Serviço Público (CTASP), que será apresentado pelo relator, deputado Vicentinho (PT-SP).

A legislação brasileira não pode continuar omissa sobre questão tão importante – e degradante – das condições de trabalho.

* Inácio Arruda é senador pelo PCdoB do Ceará