Weissheimer: Uma reflexão sobre o novo modelo de pedágio no RS

O governador Tarso Genro garantiu, na segunda-feira (3), que as tarifas dos pedágios que estão sendo retomados pelo Estado baixarão de valor imediatamente. O anúncio foi feito durante o programa “Mateando com o governador”, que abordou o novo modelo de pedagiamento que começa a ser implantado no Rio Grande do Sul.

Por Marco Weissheimer, Sul21

Segundo Tarso, o Estado vai retomar os polos de pedágio contando com a participação da população na gestão dos mesmos.

A prioridade, no curto prazo, disse o governador, é baixar imediatamente o valor das tarifas, o que já está sendo trabalhado entre o presidente da Empresa Gaúcha de Rodovias (EGR), Luiz Carlos Bertotto, e a Casa Civil do governo do Estado. “Nós vamos mostrar para a sociedade que administramos melhor os pedágios, prestando um serviço de qualidade, e diminuindo o preço”, acrescentou o governador.

O chefe do Executivo anunciou também que o governo ingressará na Justiça com uma ação contra as empresas que cobraram pedágio depois do prazo estabelecido para o término pedindo que elas devolvam o valor cobrado da população por meio de um mandato judicial. Na avaliação de Tarso, o prazo de controle dos pedágios pelas empresas privadas deve ser contado “a partir do momento em que elas se apropriaram do espaço público e não a partir do momento em que passaram a cobrar”. Caso as empresas entrem na Justiça contra o Estado, disse ainda o governador, “será apresentado pelo Executivo um estudo técnico rigoroso de alta qualidade tecnológica e de funcionalidade, mostrando que as empresas não fizeram duplicações e melhorias que eram obrigadas a fazer, como também não cumpriram as mínimas obrigações determinadas pelo contrato”.

Estradas devolvidas à gestão federal

Na Serra, o governo gaúcho devolverá à gestão federal os dois trechos da BR 116 – entre Caxias do Sul e Campestre da Serra e entre Caxias do Sul e Nova Petrópolis. Além de extinguir a praça de Farroupilha, a EGR assume a administração da RS 122 entre Caxias do Sul e Antônio Prado. Os valores cobrados naquele trecho cairão de 26% a 30%. Automóveis particulares terão o valor reduzido de R$ 7,00 para R$ 5,20 e a maior taxa cobrada será de caminhões com 16 ou mais eixos, que pagarão R$ 18,50. Segundo o presidente da EGR, Luiz Carlos Bertotto, toda a arrecadação será reinvestida na própria estrada.

No polo de Lajeado, a BR 386 será devolvida à União e as RS 129/130 e 453 serão assumidas pela EGR, também com imediata redução dos valores de pedágio. “Cada centavo será reinvestido na estrada onde for cobrado”, assegura Bertotto.

Nós e a Europa: diferentes caminhos

Com todos os limites financeiros que o Estado do Rio Grande do Sul enfrenta hoje, a iniciativa de retomar o controle público das praças de pedágio caminha na direção contrária ao que ocorre hoje na Europa, onde bens e serviços públicos estão sendo transferidos em grande escala para a iniciativa privada. A comparação vale ao menos pra refletir sobre o estado das coisas no mundo hoje e sobre os diferentes caminhos adotados hoje na Europa e na maioria dos países da América do Sul.

A Europa fez duas sangrentas guerras mundiais no século XX que deixaram muitos dolorosos ensinamentos a respeito de como resolver conflitos políticos, sociais e econômicos. Do ponto de vista história, o início do século XX está logo aqui atrás de nós. Não é uma data longínqua o suficiente para justificar o esquecimento desses ensinamentos, se é que ainda possam ser chamados como tais. O que se vê hoje no chamado “velho continente” é o ressurgimento de problemas sociais que pareciam ter sido superados no período pós-guerra. Uma das principais contribuições europeias para a civilização humana foi a invenção do Estado de Bem-Estar Social que, agora, parece estar sendo desmontado peça por peça.

Os conflitos de rua na Suécia, entre jovens (em sua maioria imigrantes ou descendentes de imigrantes) e a polícia, escancaram a crise naquele que já foi o paradigma dessa criação chamada Estado de Bem-Estar Social. As políticas de austeridade implementadas pela União Europeia, sob a direção política da Alemanha, juntamente com o Fundo Monetário Internacional e do Banco Central Europeu, estão desmontando o modelo de Estado e de sociedade, construído a partir da década de 1950. A crise na Europa está longe de ser um detalhe menor na conjuntura atual. Pelo contrário, é um dos epicentros dessa conjuntura, irradiando tendências e reações que, em geral, acabam se propagando por outros cantos do mundo. No século XX, a Europa viveu pelo menos uma grande revolução (Rússia), duas grandes guerras mundiais e a construção de uma rede de proteção social até então inédita no mundo. O que restou disso tudo? Onde a Europa está hoje?

Sobre esse tema, sugiro a leitura do artigo “Suécia: quando uma estrela morta deixa de brilhar”, escrito conjuntamente pelo escritor argentino Lucio Salas Oroño e pelo seu filho, o cientista político Amílcar Salas Oroño, que viveram na Suécia como exilados políticos durante a última ditadura militar argentina. Ao comentarem a situação vivida na Suécia, hoje, eles afirmam:

“Talvez o fogo destes dias cumpra uma das tarefas que o fogo sempre teve: a de iluminar. E os suecos talvez possam reconhecer nessa luz o que tem de melhor: são trabalhadores, educados, pacíficos, em sua maioria não são xenófobos, têm a possibilidade de apelar a sua memória histórica para entender que as imposições do capitalismo (selvagem, neoliberal, financeiro ou seja lá como se queira chamá-lo) não são leis da natureza. Nós que somos moralmente devedores de sua generosidade de outrora, desejamos isso de todo o coração”.

Lucio e Amílcar Oroño traçam também um paralelo entre as distintas realidades vividas hoje na Europa e na América do Sul:

“Enquanto isso, desse esse longínquo rincão do planeta, seria bom que prestássemos atenção ao que acontece a nossa volta: quando voltam a se escutar em nossa América os cantos de sereia do neoliberalismo, observemos a que situação de decadência essas doutrinas levaram países que, como a Suécia, foram modelos de sociedades igualitárias e estados benfeitores. Hoje já não é possível falar de modelos europeus, e os países de nosso continente que nos últimos anos escolheram um curso alternativo ao mundialmente hegemônico – Venezuela, Equador, Bolívia, Brasil, Uruguai, Argentina -, mesmo com todas as suas diferenças, representam uma unidade conceitual importante: são governos e povos que querem acreditar em si mesmo, por que não, e crescer e distribuir o crescimento. A verdade é que nossos países estão meio sozinhos no mundo, mas a autoestima recuperada – sem isso não há nada – permitiu que ganhassem a última década para seus próprios interesses, para seus ideais – difusos e heterodoxos, se se quiser – de criar critérios de convivência com mais igualdade e com mais justiça”.