Vanessa Grazziotin: vacina contra o HPV é um direito da mulher 

Em editorial publicado com o título O combate ao HPV (17/3, A3), este jornal oportunamente cobrou do governo federal ações que tornem viável a vacinação contra o papilomavírus humano, responsável por 90% do número de casos de câncer de colo do útero no Brasil. Também concordo com a análise do editorial de que o assunto entrou na ordem do dia e as ações não podem mais ser procrastinadas.

Por Vanessa Grazziotin*

 Há muito tempo as parlamentares da bancada feminina no Congresso Nacional lutam para que essa ação de prevenção à saúde das mulheres e de homens seja realidade em todo o País. O primeiro projeto foi apresentado por mim em 2007 na Câmara dos Deputados, sob o número 164. Em seguida, a então senadora Ideli Salvatti apresentou outro projeto de igual teor, sob o número PLS 51/2007.

Ao reapresentar a matéria no Senado, propus a imunização de mulheres entre 9 a 40 anos de idade, mas depois de intenso debate o teor da proposição foi mudado pela relatora, senadora Marta Suplicy (PT-SP), para que abrangesse apenas meninas de 9 a 13 anos, no sentido claro de prevenir o contágio antes do início da atividade sexual. O projeto, que já foi aprovado no Senado, encontra-se em análise na Comissão de Seguridade Social da Câmara, onde espero que tenha rápida tramitação.

O fato de a vacinação ter sido iniciada no Distrito Federal, seguido pelos Estados do Amazonas e do Rio de Janeiro, que já aprovaram leis a ela favoráveis, só reforça a nossa luta. Creio que após essas movimentações não há como o Ministério da Saúde adiar a compra da vacina para distribuir gratuitamente a Estados e municípios e estabelecer a imunização no calendário nacional.

Afinal de contas, a situação é grave e não pode esperar. O câncer de colo do útero é um problema de saúde pública em todo o planeta. São aproximadamente 500 mil novos casos por ano e 270 mil mortes provocadas pela doença, sendo 80% delas nos países mais pobres e em desenvolvimento, muito em decorrência da falta de programas de rastreamento, o que dificulta o acesso das mulheres aos serviços de saúde. A principal causa dessa diferença de mortalidade entre nações decorre justamente da mencionada falta de programas de rastreamento, que são pouco desenvolvidos nos ; países mais pobres, limitando o acesso das mulheres ao necessário tratamento médico.

O câncer de colo do útero é o segundo tipo de tumor maligno de maior incidência entre as brasileiras, perdendo apenas para o câncer de mama. Segundo o Instituto Nacional do Câncer (Inca), a Região Norte é a única onde o câncer de colo do útero mata mais que o de mama.

O dado positivo é que o País avançou nas últimas décadas no que se refere ao diagnóstico e tratamento precoce do câncer. Na década de 1990, 70% dos casos diagnosticados estavam no estágio mais agressivo da doença. Atualmente, 44% dos casos são diagnosticados ainda precocemente, aumentando substancialmente a possibilidade de cura.

Por ano, segundo o Inca, esse tipo de câncer faz 4.800 vítimas de morte e apresenta 18.430 novos casos. Para este ano, por exemplo, calcula-se que 17.540 brasileiras venham a contrair o câncer de colo do útero. Os dados consolidados de 2010 registraram 4.986 mortes no País por causa dessa doença.

No Amazonas, onde a situação é mais crítica, foram registrados no ano passado 600 novos casos e 171 mortes. Esse quadro negativo reforçou a necessidade da vacinação de 90 mil meninas entre 11 e 13 anos das escolas da rede de ensino pública e privada. O Estado pretende adquirir 270 mil doses, 90 mil para cada etapa da vacinação. Os custos são estimados em R$ 12,1 milhões no processo de pregão.

A ginecologista Mônica Bandeira de Melo, que liderou um movimento na luta contra o câncer de colo uterino no Estado do Amazonas, diz que o HPV é a causa de doença sexualmente transmissível (DST) mais comum no mundo. Infelizmente, o uso correto do preservativo não protege 100%, visto que durante as preliminares o vírus também pode ser transmitido. São fatores de risco o início precoce da atividade sexual, múltiplos parceiros, o tabagismo e o uso prolongado de pílulas anticoncepcionais.

O HPV não causa apenas o câncer de colo do útero, mas também câncer de pênis, de ânus e de vulva. Há mais de 70 anos que no Brasil se conhece a relação do HPV com esses tipos de câncer. Portanto, a vacina é o melhor meio de combate a esse tipo de doença. Ela está disponível gratuitamente em 30 países. No nosso país, apenas o Distrito Federal e mais 16 dos 5.570 municípios brasileiros dispõem da vacina na rede pública, o que é lamentável.

Precisamos mudar essa realidade. A vacinação é vantajosa, principalmente, diante do custo assistencial elevado, decorrente de consultas médicas, exames laboratoriais, biópsias e tratamentos medicamentosos, quimioterápicos, radiológicos e cirúrgicos. Portanto, a oferta gratuita da vacina constitui importante estratégia de enfrentamento da doença, conforme já comprovaram estudos científicos.

Nos Estados Unidos, por exemplo, não apenas as mulheres, mas os homens também estão sendo imunizados para que esse câncer não se propague.

O objetivo central da vacinação é melhorar a qualidade e a expectativa de vida das mulheres e, consequentemente, potencializar a sua capacidade de viver de forma ativa e saudável, sempre inserida na família, no trabalho e na comunidade.

Enfim, o que defendemos é que o governo federal atenda à recomendação da Organização Mundial de Saúde (OMC) para que a vacina seja introduzida como parte de uma estratégia coordenada com vista à prevenção do câncer de colo do útero e de outras doenças relacionadas ao HPV. Isto é, que o combate às doenças relacionadas ao HPV seja prioridade dentro do sistema de saúde pública, incluindo a vacina no Programa Nacional de Imunizações e a prevenção do câncer de colo do útero.

A situação é grave. O tema entrou na ordem do dia e as ações não podem mais ser adiadas.

*Senadora pelo PCdoB do Amazonas e Procuradora da Mulher no Senado Federal

Fonte: O Estado de São Paulo