Artigo de Olívia denuncia a situação da mulher contemporânea

A pedagoga Olívia Santana, atual subsecretária da Secretaria Estadual de Trabalho, Emprego, Renda e Esporte do Estado (SETRE-BA), aproveitou o Dia Internacional da Mulher, celebrado nesta sexta-feira, 8 de março, para denunciar a situação de vulnerabilidade da mulher contemporânea. No artigo “Até que a morte nos separe?!”, Olívia defende que pouca coisa mudou na enraizada cultura machista do país e pede “força e efetividade” nas políticas públicas destinadas às mulheres. Confira.

Até que a morte nos separe?!*

Em pleno século 21, a relação homem/mulher ainda é fortemente marcada por uma espantosa forma de atavismo! A velha característica do patriarcado – a mulher compreendida como propriedade do homem – invade a atualidade de maneira criminosa, configurando a violência de gênero, que poderia ser plenamente evitada, se houvesse uma mudança de mentalidade, uma superação da cultura machista e misógina.

Foram inúmeros os casos de assassinatos de mulheres em Salvador e Região Metropolitana, em 2012, continuados nesse início de 2013, quando o número de ocorrências registradas nos primeiros 50 dias do ano representou 16,4% de todos os casos registrados no ano passado.

Vale homenagear a memória da dona de casa Maria Mendes, da cozinheira Sônia Bárbara, da fisioterapeuta Clarissa Nunes, da empregada doméstica Marcela Oliveira, da jovem Iara Lima. Todas elas mulheres que sucumbiram nas mãos daqueles que deveriam ser seus companheiros. Pagaram com a vida a coragem de romper relacionamentos que não desejavam mais. Para muitos machos, ainda é inconcebível o direito de a fêmea não aceitá-los, de libertar-se e iniciar uma nova vida.

A violência física dirigida à mulher e a sua face mais abominável, que são a tortura, as mutilações e os assassinatos, têm um alto custo social para o Estado, arrasam famílias e marcam filhos e filhas, que passam a carregar para sempre a dor da bestial perda de quem os deu à luz.

A saída para este quadro envolve o Estado, mas também a sociedade. É espantosa a capacidade de alguns cultivarem justificativas para violar os direitos humanos das mulheres. Vejamos o caso das vítimas dos estupros praticados pela banda New Hit. Não foram poucos que se levantaram em defesa da banda, com o triste argumento de que as jovens entraram no ônibus, onde o ilícito aconteceu, por livre e espontânea vontade. O empresário do grupo chegou a declarar que o julgamento contribuíra para “aumentar o cartaz da banda”. A questão é: gostar desse tipo de banda ou de música autoriza que esses supostos artistas avancem sobre suas fãs e concretizem no corpo delas as violências sexuais que pregam em suas canções?

Apesar de sermos reconhecidos como um povo despojado, acolhedor, festivo – e isso é uma parte do que somos -, o fato é que a Bahia está entre os 10 estados que ostentam os maiores índices de violência contra a mulher e também onde mais se matam gays e jovens negros, dados que, no mínimo, abalam a visão idílica de alguns sobre a nossa proclamada baianidade.

Houve um tempo em que a violência contra a mulher não estava na pauta do Estado. Imperava a descrença em que os horrores sofridos pelas mulheres, no ambiente privado do lar, pudessem ser objeto de interesse do poder público. Aliás, o Código Civil de 1917 normatizava a desigualdade, declara as mulheres incapazes e dá aos maridos o poder de ter a guarda das suas esposas.

A Constituição de 1988 rompeu com a assimetria de gênero, ao menos no papel. Declarou que todos são iguais perante a lei. Já a Lei Maria da Penha é outra grande conquista do povo brasileiro. Vem superando entraves e se consolidando como um importante instrumento a favor da integridade das mulheres. Hoje há uma maior consciência de que em briga de marido e mulher é preciso mais que meter a colher.

O governo federal, em diálogo com os movimentos sociais, lançou o Pacto pelo Enfrentamento à Violência contra as Mulheres. É preciso mais força e efetividade na implantação de tal política, que envolve estados, municípios, Poder Judiciário e Ministério Público. Mas há de haver, também, maior protagonismo do povo na superação de códigos anacrônicos, na promoção de uma nova revolução cultural capaz de elevar o princípio da igualdade e fazer nascer uma sociedade mais saudável. Antes que a morte violenta continue separando casais e interditando a liberdade das mulheres, Libertas quae sera tamen! Ou ainda como disse Simone de Beauvoir: “Querer-se livre é também querer livres os outros”.

* Olívia Santana (PCdoB)
Pedagoga