Farc: Diálogo com governo é oportunidade histórica para a paz

De todos os processos políticos em desenvolvimento na América Latina, sem sombra de dúvidas um dos mais importantes é a realização dos diálogos de paz entre as Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia (Farc) e o governo do presidente Juan Manuel Santos.

Por José Reinaldo Carvalho, editor do Vermelho

Farc: comandantes guerrilheiros Ricardo Téllez e Marcos Calarcá - Vermelho - José Reinaldo Carvalho

Não é a primeira vez que o movimento insurgente se dispõe a encontrar uma solução política para o conflito que se arrasta há mais de meio século. A rigor, esta sempre foi uma orientação estratégica das Farc, desde que surgiram na cena político-militar latino-americana. A cada governo que se constituía, o comando guerrilheiro enviava cartas propondo o diálogo.

A última tentativa, que se revestiu de enorme significado político, foi feita entre os anos de 1998 a 2002, quando o então presidente Andrés Pastrana e a organização política insurgente mantiveram negociações na região desmilitarizada de San Vicente del Caguán, contando inclusive com acompanhamento internacional.

Contudo, o banditismo de setores das classes dominantes, a chegada ao poder de Álvaro Uribe, que adotou uma política militarista, voltada para o cerco, aniquilamento e extermínio das Farc e do movimento popular, com apoio político, financeiro, logístico e militar do imperialismo estadunidense, levaram o país a um grave impasse.

Já anteriormente, nos anos 1980, como conta o chefe guerrilheiro que entrevistamos, o Secretariado das Farc decidira criar um movimento político, a União Patriótica, que conseguiu eleger vereadores, deputados, senadores, prefeitos. As oligarquias, apoiadas no Exército e em forças paramilitares, dizimaram o movimento, deixando um saldo de mais de cinco mil mortos, um genocídio político.

Os atuais diálogos de paz, em curso na capital cubana, Havana, estão na sua fase inicial e foram instalados oficialmente depois de dois anos de entendimentos prévios. Desenvolvem-se com altos e baixos, avanços ainda lentos, o que não surpreende, pois se trata de conversações entre duas forças políticas antagônicas, com perspectivas e objetivos estratégicos diferentes.

A entrevista exclusiva com o comandante guerrilheiro Ricardo Téllez, concedida ao Vermelho em Havana na quinta-feira passada (31) demonstra que as Farc estão convictas de que é preciso e possível avançar para uma solução política e a conquista da paz no país.

Vermelho: Que razões determinaram que as Farc e o governo Colômbia decidissem começar uma vez mais os diálogos pela paz? Houve fatos novos na evolução do conflito ou na conjuntura política do país que influenciaram esta decisão de retomar esses diálogos?
Ricardo Téllez: Bom, nós consideramos que sim, produziram-se novos e contundentes fatos. Primeiro, com a chegada do senhor [Álvaro] Uribe ao poder na Colômbia, se implantou o Plano Colômbia, que tinha como objetivo derrotar as Farc em quatro anos. Isso não foi alcançado, apesar de toda a ajuda que lhe haviam dado os EUA, a Inglaterra, e mesmo o Brasil. Uribe se fez reeleger, mudou a Constituição exatamente para poder lançar ainda uma ofensiva muito mais contundente contra as Farc. Usaram toda a tecnologia de ponta, mais de US$ 12 bilhões doados pelos EUA, criaram redes de informantes por todo o país, ofereceram recompensas pelas cabeças dos dirigentes das Farc e, no final, isso não deu resultado.

Quando foi eleito Juan Manuel Santos à presidência da Colômbia, ele se deu conta de que a doutrina de segurança nacional, dita “segurança democrática”, do senhor Uribe havia fracassado e que as Farc estavam fortes política e militarmente, apesar de tudo o que eles mostravam virtualmente. Porque tinham feito o país e o mundo acreditar que as Farc estavam derrotadas política e militarmente, o que não era verdade.

Este fator e o fato de que as transnacionais, sobretudo as que estão vinculadas à mineração, à questão do petróleo e à exploração de grandes extensões de terra para as questões da biomassa para os combustíveis, que precisavam de investimento na Colômbia, influenciaram; deram-se conta e, ao não poder ganhar a guerra nos termos que eles tinham pretendido, decidiram tratar de explorar a possibilidade de tentar um diálogo com as Farc. Neste sentido, no mês em que subiu ao poder, o senhor Santos envia uma carta ao comandante das Farc, Alfonso Cano, dizendo-lhe que compreendia que os motivos de alçamento das Farc tinham justificação, que muito do que nós propúnhamos na Plataforma para um Governo de Reconstrução Nacional era válido, mas que o que prejudicava eram os métodos que nós usávamos, ou seja, a via armada, que usamos porque não nos deixaram qualquer outro espaço.

Então, aí começa uma tentativa de aproximação. E devo dizer, em justiça, que o Brasil, o governo do Brasil, muito generosamente, ofereceu seu território para um primeiro encontro entre o governo colombiano e a delegação oficial das Farc. Nós dissemos que um primeiro contato, obrigatoriamente, teria que ser em território colombiano, e assim o fizemos. Sem áreas desmilitarizadas e em meio a operações militares, o que significa que sim é possível dialogar dentro da Colômbia. Depois fizemos outros contatos fora da Colômbia e, por fim, decidimos entre as partes que o lugar para levar adiante as conversações, os diálogos, era Cuba, pela própria segurança à delegação das Farc.

Vermelho: Vocês acreditam que atualmente ainda existem razões para um conflito armado na Colômbia?
Ricardo Téllez: Na Colômbia sim, claro! Mais que nunca. A Colômbia é o terceiro país mais desigual do mundo; cerca de 52,6% das terras pertencem a 1% dos grandes detentores de terra; o sistema bancário tem concentração de cerca de 87%; o índice Gini, que é o que mede a pobreza na Colômbia, é de 0,86, e isso é uma verdadeira calamidade. E a Colômbia, digamos, segue apresentando uma doutrina de segurança nacional baseada no extermínio, ou posta em função de exterminar o povo. Não há qualquer tipo de garantia política; o regime eleitoral colombiano é o mais atrasado do continente. Então, isso é uma questão, nosso povo não encontra nenhuma outra forma de poder se expressar senão fazendo uso das armas. Essa oligarquia colombiana parece que não escuta senão o ruído da metralhadora ou do fuzil.

Nós estamos dispostos, e dissemos isso desde o ano de 1964, a entrar na vida política. Podemos fazer política, e a grande política, mas na Colômbia não há esse espaço; o terrorismo de Estado, já superado em muitos lugares, continua vigente na Colômbia. Eu pelo menos me lembro, nos anos 1960, sob uma ditadura muito bárbara, sob a qual vocês viveram, havia motivos para o alçamento militar no Brasil. Ou seja, os povos podem fazer uso do direito legítimo à defesa, e nós estamos executando isso. Pode ser que no Brasil, neste momento, não seja necessária a luta armada; pode ser que na Suíça tampouco, nem na Noruega, mas no caso colombiano é plenamente justificável. E não alçar-se em armas na Colômbia é uma covardia.

Vermelho: Sabe-se que já houve, no passado, tentativas de pacificação, de diálogo. Inclusive, a última vez foi quando houve uma zona desmilitarizada em San Vicente del Caguán; já tinha havido outras tentativas de diálogo para um acordo de paz, mas todas fracassaram. Por que?
Ricardo Téllez: Da confrontação militar no campo de batalha passa-se a uma mesa de diálogo. E então, o inimigo, que não pôde ter triunfos militares, acredita ganhar na mesa de conversações algo que não pôde impor em campo de batalha. Se nós, neste momento, estivéssemos política e militarmente derrotados, tenha certeza de que nenhum governo estaria dialogando com as Farc. Ao vencido se impõe condições, não se convida a dialogar. Então, nós consideramos que o governo colombiano foi mais realista neste momento; nunca, nos processos anteriores, manifestou a vontade de uma saída, realmente, mas os usou para fins eleitorais.

Agora, nós gostaríamos que o senhor Santos não utilizasse esse processo que acaba de se iniciar em Havana para fins eleitoreiros ou politiqueiros. Isso seria extraordinariamente grave. E, pelo menos, no dia de ontem [quarta-feira, 30], o irmão do presidente, Henrique Santos, que foi diretor do diário El Tiempo, falou que é muito importante a reeleição de Santos, pois isso garantiria uma continuidade da política de paz. Nós consideramos que esta questão da paz deve ser um assunto de Estado, e não de governo.

Vermelho: E como vocês avaliam o que já se fez nesses diálogos atuais, em Havana? Como avaliam a evolução desses diálogos? Há confiança? Há garantias de que não se repetirão os fatos negativos dos processos de diálogo anteriores? Em que momento os diálogos estão?
Ricardo Téllez: Os diálogos acabam de começar. Começamos a abordar a questão da metodologia, tratamos de ter um glossário comum para saber de que coisas estamos falando, estruturamos os dias de funcionamento da mesa, acertamos as questões de logística e começamos a tratar do tema da terra. À partida, são duas delegações [a das Farc e a do governo] totalmente diferentes e antagônicas, mas precisamente por isso é que há uma mesa de diálogo, para ver até que momento poderemos aproximar posições sem que o Estado pretenda, como até agora pretende, que a nossa obrigação seja a entrega das armas, em troca de nada, de nenhuma reforma. Nós lhes dissemos “não, senhores, se dizem que não se fará a revolução por contrato, na mesa, tampouco têm qualquer direito de dizer-nos que, por decreto, temos que depor as armas”. Nós temos sessenta anos de luta armada e uma grande experiência, e temos um trabalho acumulado no campo e na cidade, e representamos uma grande força político-militar no país.

Diria que, inclusive, com todas as campanhas de informação, não conseguiram, digamos, calar o que significam as Farc desde o ponto de vista político, desde o ponto de vista ideológico, desde o ponto de vista do trabalho organizativo, desde o ponto de vista da combinação do trabalho político-militar, pois a nossa organização é uma organização político-militar. Temos como base o marxismo e o bolivarianismo aplicados à realidade colombiana.

Vermelho
: Mas vocês têm uma avaliação positiva do que se fez até o momento? Ainda que [o diálogo] tenha começado recentemente?
Ricardo Téllez: Bom, temos tido momentos interessantes que foram muito tênues, mas que ao fim e ao cabo, avançam. Algumas pessoas na cúpula do governo já começam a se desesperar, porque consideravam que essa seria uma paz express, ou imediata, prematura e débil. Na parte exploratória levamos, na realidade, dois anos, antes de abrir publicamente os diálogos para a opinião pública. Agora, consideram que tudo isso poderia ser feito em dois ou três meses. Isto é impossível para um conflito de mais de cinquenta anos. Ontem ainda soltaram uma “bomba”, uma “carga de dinamite” muito grande, por gente do senhor Humberto de La Calle, que é o representante, o chefe da delegação do governo, com palavras muito duras e quase que ameaçadoras. E eu o vejo, nas entrelinhas, como se estivessem buscando um pretexto para romper a mesa de diálogo. Esses são os cálculos errôneos do governo colombiano.

Nós chegamos a Havana convencidos de que há uma oportunidade histórica de frear o conflito armado no país, e para isso estamos trabalhando com seriedade e profundidade. Por isso nós chamamos a opinião pública colombiana e todos os setores para estarem atentos ao processo, e estamos chamando à consciência os irmãos latino-americanos para obrigar o governo colombiano, ou, se preferem, as partes em Havana, a permanecerem aqui para evitar a guerra e o derramamento de sangue no país.

Nós, neste momento, avaliamos também as possibilidades de um cessar-fogo bilateral que atenue, digamos, os “estragos” da guerra no país. Mas o governo tem insistido teimosamente que não, e continua comprando mais aviões, inclusive no Brasil, os caças Super Tucanos; novas brigadas são empregadas na guerra todos os dias; o orçamento de guerra é o mais alto da América Latina, de 6,5% do PIB; a Colômbia tem um Exército maior do que o do Brasil, que é um continente! Nas Forças Armadas colombianas empregam-se 500.000 homens, para um país que não está em guerra com seus vizinhos. E tudo isso é dedicado à guerra interna, com uma poderosa tecnologia de ponta, que jamais havia sido usada contra um movimento insurgente. E essa tecnologia vem do exterior, está em função do extermínio das Farc.

Vermelho
: Será possível avançar, dar novos passos nesse processo de diálogo em Havana, enquanto não se declare esse cessar-fogo bilateral?
Ricardo Téllez: Não, nós insistimos no cessar-fogo, é um elemento que, se efetivado, daria as condições ótimas para um avanço. Nossa posição é: estamos interessados e vamos trabalhar por levar adiante um processo que possa acabar com a guerra no país.

Vermelho: Pelo que entendemos, vocês fazem uma aposta convicta em uma solução política. E todos se perguntam: haverá paz na Colômbia? E mais: até onde vocês podem ir? Chegará um momento em que entregarão as armas? Isto está previsto na agenda? Como as Farc consideram essa possibilidade? Por exemplo, El Salvador fez isso em seu tempo e, em suas condições, a guerrilha se transformou em um movimento político hoje no poder, a Frente Farabundo Martí de Libertação Nacional. Na estratégia das Farc isso está previsto? Pode chegar este momento?
Ricardo Téllez: No acordo assinado em Havana não está assinada a entrega de armas, este ponto não está em discussão. Contudo, há uma interpretação possível, nós falamos de “deixar” as armas, mas o governo teria que bater muito na própria cabeça para que as Farc repitam a triste história de anos passados em que houve filas de guerrilheiros entregando seus fuzis. Isso, em nosso país, não ocorrerá, as Farc não o farão. Nós dissemos que estamos dispostos a “deixar” as armas.

Vermelho: E o que seria “deixar” as armas?
Ricardo Téllez: Há muitas formas de interpretá-la, e em seu momento, no ponto que nos toca discutir, que é depois da guerra, temos propostas muito concretas a respeito. Muitas coisas da agenda, coisas que ainda não foram abordadas, ainda não tornaremos públicas. Mas o que sim posso garantir é que, no dia em que um movimento guerrilheiro entregar a primeira bala, neste dia ele se desmobiliza moral e militarmente. Isto não consta nos cálculos das Farc, as armas aqui não são importantes. As armas, para que funcionem, têm que ser disparadas por homens e mulheres. Se na Colômbia se abrirem as comportas e o ambiente político mudar, para que ninguém tema ser assassinado por suas ideias políticas, e se fizerem mudanças estruturais, os fuzis, as metralhadoras e as granadas também cessarão.

Vermelho: A propósito disso, como vocês veem a evolução da luta política de massas no país, e como poderia ser a inserção das Farc nesse processo de luta política de massas, no quadro de uma mudança estrutural?
Ricardo Téllez: Na Colômbia, desde o ano 1987, teve início um período de aniquilamento do movimento popular. Foi uma questão posta pelo Estatuto de Segurança do presidente [Júlio César] Turbay Ayala [presidente de 1975 a 1982] que desarticulou o movimento e usou a tortura, os desaparecimentos e a morte para evitar essas expressões pacíficas, legais e legítimas da luta. Isso também fez com que o movimento guerrilheiro se fortalecesse. E em muitas oportunidades tentamos entrar na política; não é novidade para as Farc, que é, antes de tudo, eminentemente, uma organização política.

No ano de 1984, criamos, a partir do secretariado das Farc, a União Patriótica. Com um grupo de companheiros, desci das montanhas até a cidade. E, rapidamente, esse movimento entrou na vida política com uma força muito grande, mas qual é o balanço disso? Removeram-nos a tiros da cena política. Tivemos mais de 5.000 homens mortos no campo e na cidade. Eram dirigentes aqueles homens que morreram. Quer dizer, houve aí o genocídio político mais atroz em toda a história da América Latina. E agora, com essas experiências que já tivemos, temos que ser exageradamente cuidadosos, porque para continuarmos entrando na política, teria que haver garantias e um acompanhamento internacional, uma mudança de mentalidade no Exército e em todos os órgãos colombianos de inteligência, e a remoção dessas travas, o extermínio da doutrina de segurança nacional, pois [Colômbia] é o único país que a continua aplicando.

Nós vemos uma ascensão muito grande do movimento de massas na Colômbia. É uma vertente de unidade, uma torrente onde coincidem os negros, os indígenas, os campesinos, os trabalhadores, os estudantes, as donas de casa, os habitantes das grandes cidades, dos bairros, inclusive setores da intelectualidade. O país atravessa uma crise muito profunda, que só é contornada devido aos altos preços do petróleo e das matérias-primas, como o carvão e outras. Então isso faz com que ainda, digamos, a crise mundial não tenha se refletido na economia colombiana. Já começam a aparecer sintomas de desaquecimento da economia na Colômbia, e o que está se aproximando é uma crise política por um lado, uma crise econômica por outro, e uma crise social que já não aguenta mais. Por isso, também, estamos muito otimistas com a possibilidade de iniciar um grande movimento político unitário no país.

Vermelho: Você falou das garantias internacionais. Como vê o novo quadro político latino-americano e a contribuição que este quadro político pode dar à luta em geral pela soberania, pelo progresso social, a integração continental, a paz, a partir desses governos progressistas conquistados através de processos eleitorais? E já não nos referimos apenas aos governos revolucionários, de Cuba, Venezuela e aos países da Alba, mas também a países como o Brasil, que tem outra orientação política, mas que vem desse tronco de países, de governos que resultaram de conquistas das forças progressistas. Então, como vê o quadro político latino-americano e o papel desses governos, inclusive em relação às garantias do processo colombiano?
Ricardo Téllez: Bem, nós seguimos de perto essas mudanças que aconteceram no continente, que não são iguais, mas todas têm caráter progressista; não é a mesma situação das décadas de 1980, 1990. Há todo um entorno internacional favorável, e pelo menos compreensivo dos governos vizinhos da Colômbia de que essa situação, no interior do país, deve ser acertada. Quer dizer, o conflito colombiano se internacionalizou e está afetando toda a região; a escalada da guerra na Colômbia, sem dúvida, tem repercussões na Venezuela, no Equador, no Panamá, e mesmo no Brasil. O que sobrou para o Brasil, e também no Peru? Mover as brigadas em direção à Amazônia colombiana, em cumprimento de acordos com o governo colombiano. Quando [as Farc realizaram a] tomada de Mitú [Operação Marquetalia], o governo do Brasil permitiu ao governo colombiano usar seus aeroportos próximos à fronteira para repelir o ataque das Farc.

E houve, nessa época, ações combinadas. Nós acreditamos que o nascimento da Alba ou mesmo da Celac, a unidade que se respira na América Latina, o desprestígio da Organização dos Estados Americanos (OEA), são sintomas que permitem que ao menos uma grande quantidade desses governos e dessas novas instituições que surgem ponham luz sobre o que acontece na Colômbia, e impeçam que uma nova onda de terrorismo se instale no país, como aconteceu nos anos 1980 e 1990. Acreditamos nisso, e claro que isso favorece as mudanças.

E nós estamos atuando nesse sentido, mas uma coisa é esse entorno internacional favorável e outra é o [fato de que] essa burguesia colombiana ficou metida dentro da concepção da doutrina de segurança nacional, e cada vez mais dependente dos ditames de Washington. Vê-se que a Colômbia praticamente faz o papel de Israel na América Latina. Na Colômbia há sete bases militares, mal contadas; na Colômbia há assessores militares norte-americanos, israelenses, há mercenários que entram e saem do país quando querem, sem que qualquer autoridade os controle.

Quer dizer, estamos em uma guerra que não nos pertence, no sentido da intervenção estrangeira no nosso país. Que não nos pertence porque vem de fora, não é que não tenhamos razões; temos totalmente. Mas aí se entrecruzam muitos jogos de interesses; a Colômbia é um país imensamente rico, tanto que as potências europeias, assim como os EUA, inclusive a Índia e a China, que estão comprando terras, veem possibilidades de negócios na Colômbia.

Devo dizer também que desde o Brasil chegou uma grande quantidade de investimentos para a Colômbia. [Germán] Efromovich, que comprou a [empresa aérea] Avianca, entrou no sistema bancário e está comprando terras nos Llanos Orientais [Região Orinoquia]; a Petrobras tem grandes investimentos na Colômbia. Quer dizer, a burguesia latino-americana está investindo porque, através da luta antiguerrilheira apareceu-lhes a oportunidade, podem fazer bons e grandes negócios na Colômbia.

Vermelho
: E acredita que, neste quadro, o Brasil poderia ter algum papel positivo, a favor desse processo de paz?
Ricardo Téllez: Sem dúvida!

Vermelho: E vocês têm expectativa?
Ricardo Téllez: Nós reconhecemos a ajuda do Brasil nas liberações de alguns prisioneiros de guerra que estavam em poder das Farc e que foram entregues aos governos colombianos. Acreditamos que a senhora [presidenta] Dilma [Rousseff] tem a força moral para contribuir, e o Brasil manifestou pública e privadamente, que estava disposto a oferecer, como disse, no começo, antes dos diálogos de Havana, muito generosamente, no governo do [ex-presidente] Lula, na época, seus territórios. E foi no Brasil, há uma foto, no dia da tomada de posse da senhora Dilma, onde aparece [o presidente venezuelano Hugo] Chávez, o presidente Santos, [a ex-secretária de Estado dos EUA] Hillary Clinton, e nesse momento, se falava ali sobre a possibilidade do que se conheceria depois, seis meses ou um ano depois, em Havana. Ali, quer dizer, se analisar bem a foto ou se revisar as imagens de televisão, já então, no Brasil, se falava do que estamos tratando aqui.

Vermelho: Bom, eu te agradeço e te deixo com as palavras finais, se quiser enviar alguma mensagem às forças progressistas, às forças de esquerda, inclusive aos militantes do Partido Comunista do Brasil.
Ricardo Téllez: Bom, sem sectarismos, primeiro, um abraço comunista ao Partido Comunista do Brasil! Sempre o tivemos em nossa mente e em nossos corações, nós somos comunistas; cada esquadra guerrilheira das Farc é, ao mesmo tempo, uma célula do partido. Essa célula é o que nos prepara política, ideológica e militarmente. Desde já, vai também minha saudação a todo o movimento de esquerda do Brasil, à classe trabalhadora, aos camponeses, a toda a intelectualidade, à presidenta, que também daqui apreciamos o que faz. Pode ser que não concordemos com tudo, mas a vemos como uma lutadora e temos por ela profundo respeito.

Ao povo do Brasil, não só o conhecemos pelo que sofreu na época da ditadura mas também por seus triunfos no futebol, até por aqui nos chegam os ares, num momento foi a lambada, e ainda do Carnaval do Rio. E desejamos agora, no mundial de futebol que está sendo organizado, muito êxito à sua seleção, e que o povo do Brasil demonstre seus avanços, e oxalá que, até então, a fome haja terminado no país. Muito obrigado.

Colaboração, Moara Crivelente da Redação do Vermelho.