Sem liberdade de expressão não há democracia, diz relator da ONU

Em debate ocorrido nesta quinta-feira (13), na Câmara Municipal de São Paulo, Frank La Rue, relator pela liberdade de expressão da Organização das Nações Unidas (ONU), discutiu a concentração de meios e defendeu a “diversidade de veículos e a pluralidade de ideias e opiniões” na comunicação.


Foto: Felipe Bianchi/Barão de Itararé

A atividade, promovida pela campanha Para Expressar a Liberdade, também contou com a presença do professor e especialista em estudos da mídia Venício Lima, da coordenadora do Fórum Nacional pela Democratização da Comunicação (FNDC) Rosane Bertotti, de João Brant (Coletivo Intervozes) e de Isis de Palma (Aliança Internacional de Jornalistas).

Na opinião de La Rue, a América Latina sofre por um erro histórico: o fato de os meios de comunicação existirem apenas sob a ótica comercial. “A comunicação, antes de tudo, é um serviço social. Os meios podem ser comerciais – e há alguns excelentes que, eu, como relator, conheço e defendo – mas também considero fundamental que existam meios não-lucrativos, que respondem à totalidade da comunidade”, afirma.

Ele também ressalta a importância dos veículos comunitários e públicos, responsáveis por representar as identidades populares. “Temos que preservar as riquezas culturais e históricas dos povos através dos veículos comunitários e isto não existe, em termos legislativos, em muitos países, especialmente na América Latina. A comunicação pública e a comunicação comunitária são fundamentais para a liberdade de expressão”.

Quanto à questão da regulação, La Rue opina que o órgão responsável deve ser independente e composto por atores diversos da sociedade. A regulação, na visão do relator, deve proteger os direitos dos cidadãos e garantir o bom uso das frequências públicas. “Se este espaço público não é bem utilizado e não é pago, como é recorrente no continente, os donos dos meios de comunicação se fazem milionários sem nenhuma contrapartida à sociedade”, argumenta.

O panorama brasileiro

Venício Lima fez um breve panorama da situação no país. “A mídia do país é altamente oligopolizada, contrariando a própria Constituição de 1988, que proíbe práticas monopolistas. Além disso, os grandes veículos produzem um discurso homogêneo”, diz. Lima também ressalta que a mídia brasileira é assumidamente partidarizada e não tem “compromisso com a verdade”.

Ele cita o caso da cobertura eleitoral da Folha de S. Paulo em 2010, que publicou uma ficha falsa de Dilma Rousseff como terrorista catalogada durante a ditadura militar. “A publicação da ficha foi feita sem a a apuração da veracidade da firma e, após comprovada a falsidade, o jornal se comportou de forma incompatível com quem prega o compromisso com a verdade”, frisa.

Lima aponta que o principal financiador desta situação é o próprio governo. “São mais de 162 milhões de reais distribuidos pela Secretaria de Comunicação Social da Presidência da República (SeCom), destinados aos 10 principais grupos midiáticos do país, excluindo-se o aporte oriundo das empresas públicas. Do total do recurso, pouco mais de um terço, de acordo com os dados da SeCom, foram destinados exclusivamente à TV Globo.

Essa situação, afirma Lima, é assegurada por uma legislação assimétrica em relação a outros serviços públicos, completamente desatualizada, não-regulamentada, pois não cumpre o que prevê a Constituição, além de ser omissa em relação ao controle das propriedades cruzadas dos meios. “É uma legislação que vai na contramão da tendência das políticas de comunicação em democracias consolidades. E há um agravante: o papel que o Judiciário brasileiro tem desempenhado ratifica estas distorções, como a ausência do direito de resposta”.

De acordo com Lima, este quadro gera a corrupção da opinião pública. “Não há como a maioria das vozes, plurais e diversificadas, terem acesso ao debate público. A democracia se fragiliza no que tem de mais fundamental: a liberdade de expressão”, sintetiza.

Para expressar a liberdade

Bertotti, em nome da campanha Para Expressar a Liberdade, destacou o anseio do movimento de que, na próxima ocasião, Frank La Rue venha em uma visita oficial, para dar suas impressões e contribuir ainda mais com a luta pela democratização da comunicação no país. Ela também afirma que as leituras compartilhadas no debate são muito similares às leituras feitas e documentadas pelo FNDC há 20 anos.

“Vivemos um período diferente no Brasil, um período de avanços no campo social e econômico. Mas sem avanços no campo da liberdade de expressão, infelizmente. Por isso, é ainda mais importante a visita do Frank La Rue”, diz. Bertotti ainda chama a atenção para a situação precária das rádios comunitárias, que não desfrutam do direito pleno à liberdade de expressão.

“Defendemos um processo de consulta pública, construído coletivamente, mas o Ministério das Comunicações se nega a levá-lo a cabo. Não fazemos esse debate para fechar os grandes veículos; queremos apenas ter acesso aos meios. Que os movimentos sociais não sejam inviabilizados e invisibilizados como são hoje”, argumenta. “A presidente Dilma precisa assumir a vontade política necesária para fazer essa mudança. A comunicação é um direito e é papel do Estado garanti-lo”.

A visita de Frank La Rue, a convite da campanha Para Expressar a Liberdade, também contou com debate na Universidade de Brasília (UnB) e reuniões com a Secretaria de Direitos Humanos e o Ministério das Comunicações, na quarta-feira (12). Além disso, La Rue também se encontrou com entidades da sociedade civil na manhã de quinta-feira (13), em São Paulo. Na sexta-feira (14), o relator vai ao Rio de Janeiro.

Fonte: Barão de Itararé