São Paulo, terra de gente bamba

Para marcar o Dia Nacional do Samba, a Assembleia Legislativa de São Paulo promoveu uma Sessão Solene, por iniciativa da deputada comunista, cantora e compositora Leci Brandão (PCdoB/SP), cujo gabinete elaborou um folheto em homenagem a duas lendas do samba paulista, Dona Olímpia e Tio Mário.

Por Leci Brandão

leci
“O poeta falou
que São Paulo enterrou o samba
que não tinha gente bamba
e não entendi porque.
Fui à Barra Funda
Fui lá no Bixiga
Fui lá na Nenê.
Me perdoa poeta, mas discordo de você

(….)

Vou lembrar madrinha Eunice, Tia Olímpia e soldados caiapós
Primeiro grupo, do samba mais respeitado
Barra Funda os boêmios, no Bixiga os teimosos
Paulistano lá da Glória, desprezados caprichosos
Lavapés primeira escola, cavaquinho e pandeiro
Nenê da Vila Matilde, de primeiro de janeiro
Seu Inocêncio Tobias, Pé Rachado e Carlão
Xangô da Vila Maria, Dona Sinhá, a tradição (…)”

 

Certa vez, o poetinha Vinícius de Moraes disse que “São Paulo é o túmulo do samba!”. A famosa frase contribuiu, durante muito tempo, para a construção de uma imagem de São Paulo como um dos poucos lugares do país onde o gênero não havia fincado raízes. Na época, percorrendo os barracões das escolas de samba e conhecendo as comunidades, considerei que o samba paulista merecia uma retratação e, com todo respeito ao poeta, gravei “Me Perdoa Poeta”.

Sou carioca, nascida em Madureira e fui a primeira mulher a fazer parte da ala de compositores da Estação Primeira de Mangueira, minha escola do coração. Minha relação com o samba, com o Carnaval e com as escolas de samba e suas comunidades se confunde com a minha história de vida.

Assim como eu, milhões de cidadãos pelo país afora também vivem o samba e o Carnaval muito além do glamour dos desfiles e das fantasias. E são justamente essas pessoas que fazem essa festa e a mantém viva, em constante transformação e, ao mesmo tempo, guardando sua essência e tradição.

Muito se fala sobre o samba e o Carnaval como expressões fundamentais da cultura brasileira, mas o reconhecimento às pessoas que constroem cotidianamente essa cultura está muito aquém de toda a importância que lhe é atribuída.

Em São Paulo, assim como em outros Estados, essa realidade não é diferente. Por isso, valorizar o trabalho dessas pessoas, que são as verdadeiras celebridades do Carnaval e do samba, é uma obrigação de todos aqueles que têm compromisso com a cultura em nosso país.

Neste 2 de dezembro, Dia Nacional do Samba, procuramos fazer esse reconhecimento realizando, dentro da Assembleia Legislativa de São Paulo, uma homenagem a dois baluartes do samba de São Paulo: Mário Ezequiel (Tio Mário) e Olímpia dos Santos Vaz (Dona Olímpia) (foto).

Em
nome deles estendemos nossa homenagem, respeito e gratidão a todos os grandes nomes do samba paulista, verdadeiros patrimônios da cultura brasileira.


Dona Olímpia: Rainha da Corte

Olímpia dos Santos Vaz é, sem sombra de dúvidas, uma autêntica “Vaivaiense”. Protagonista da fundação da escola de samba Vai-Vai, Tia Olímpia, como também é conhecida, desfila na escola desde os tempos do cordão, que nos primórdios se chamava “Cordão do Cai-Cai”, atuando fortemente ao lado de grandes personalidades do samba como Pé Rachado, Madrinha Eunice, Frederico Penteado e Geraldo Filme, entre outros.

Dona Olímpia é o que podemos chamar de “joia preciosa do samba”, uma das mais importantes matriarcas do samba e do carnaval paulista, com significativas contribuições para a formação e manutenção da história e da memória do nosso glorioso samba.

Por mais de duas décadas, Dona Olímpia foi responsável pelo cordão, organizando o cortejo de reis e rainhas onde sua filha, Cleuza, desfilava como princesa e, mais tarde, viria a se tornar porta-bandeira da Escola.

Após anos de dedicação, Dona Olímpia recebeu o título de Embaixadora do Samba paulistano. Atualmente, aos 98 anos, é uma das últimas e mais importantes personalidades do samba que marcaram época e transcenderam o espaço social da cultura afro-brasileira em todos os espaços de sociabilidade músico-cultural.

(Adaptação do texto de autoria de T. Kaçula, sambista e sociólogo)

Tio Mário: A lenda viva do samba paulista

Mário Ezequiel, o Tio Mário, diz que é “Barrafundeiro nato”. Nascido em 12 de novembro, na rua Sérgio Thomás, na Barra Funda, comandou o movimento de samba nas Perdizes, no morro da Calábria, e é um dos dissidentes do Cordão Campos Elíseos onde seu irmão, conhecido como “Panca”, foi o apitador de bateria. Tio Mário foi tocador de surdo do Cordão Campos Elíseos e ajudou seu Inocêncio Tobias a fundar a Escola de Samba Camisa Verde e Branco e sempre diz orgulhoso que é mais velho de samba do que a própria Escola.

Crescido entre batuqueiros de tambu e de sambas de umbigada de Piracicaba e Tietê, cidades natal de seus pais, as influências rítmicas e melódicas dessa cultura “afro-bantu-brasileira” estão muito presentes em suas composições.

Atualmente Tio Mário reside no bairro do Limão, em um dos mais importantes e respeitados redutos do samba em São Paulo, a Vila Carolina, onde foi um dos principais protagonistas na fundação do Bloco Carnavalesco Navio Negreiro de Vila Carolina.

Tio Mário, ou Marião como também é conhecido, tem o inconfundível andamento dos sambas de “pés no chão” e sempre diz: “É a batida tradicional, não tem jeito, vem do tambu, da umbigada, do samba paulista”.

(Adaptação de texto de autoria de T. Kaçula, sambista e sociólogo).

O samba da Saracura

“Quem nunca viu o samba amanhecer
vai no Bixiga pra ver”
No início do século 20, havia no bairro do Bixiga um time de futebol e grupo carnavalesco chamado Cai-Cai, que utilizava as cores preto e branco, tinha um grupo de choro e jogava no campo do Lusitana, próximo ao cruzamento das ruas Rocha e Una, na região do rio Saracura. Por volta de 1928, um grupo de amigos, liderados por Livinho e Benedito Sardinha, ajudava a animar os jogos e festas realizadas pelo Cai-Cai, porém eram sempre vistos como penetras e arruaceiros, sendo apelidados de modo jocoso como “a turma do Vae-Vae”. Expulsos do Cai-Cai, eles criaram o “Bloco dos Esfarrapados”, e paralelamente, o Cordão Carnavalesco e Esportivo Vae-Vae, que foi oficializado em 1930.

Em 1972 a Vai-Vai torna-se oficialmente uma escola de samba, com a nomenclatura Grêmio Recreativo Cultural e Escola de samba Vai-Vai, estreando logo no Grupo Especial. Porém o primeiro título como escola de samba chegou em 1978, seis anos depois da mudança. Outros títulos também foram conquistados em 1981, 1982, 1986, 1987 e 1988. No final dos anos 90 e início dos anos 2000 a escola viveu a sua melhor fase, quando após conquista do título de 1996, foi tetracampeã consecutiva entre 1998 e 2001. Em 2008, com um enredo sobre a educação no Brasil, a escola conquistou seu 13º título. O mais recente título da escola é de 2011, com o enredo “A música venceu”.

Fonte: Site oficial da Escola de Samba Vai-Vai (www.vaivai.com.br)

Uma breve história do Camisa

“Verde que te quero verde,
Minha fez raiz na Barra Funda,
Berço do meu carnaval…”
A história do Camisa remonta a 1914, quando foi criado o “Grupo Carnavalesco Barra Funda”, liderado por Dionísio Barbosa. Nesse grupo carnavalesco, os homens saíam pelas ruas do bairro da Barra Funda vestidos de camisas verdes e calças brancas. Durante o Estado Novo, os integrantes do Barra Funda foram confundidos com simpatizantes da Ação Integralista Brasileira, partido político de Plínio Salgado e, por isso, perseguidos pela polícia de Getúlio Vargas, até deixarem de desfilar em 1936.

Depois de 17 anos, em 1953, Inocêncio Tobias, o Mulata, cria um movimento para reorganizar o antigo grupo carnavalesco, criando no dia 4 de setembro o Cordão Mocidade Camisa Verde e Branco. Logo no seu primeiro ano desfilando como cordão, o Camisa Verde vence o desfile de cordões, com o enredo IV Centenário; O Camisa ainda seria campeão como cordão mais quatro vezes: 1968; 1969; 1971 e 1972. Depois do carnaval de 1972 o Camisa segue o caminho natural, tornando-se escola de samba, chegando ao primeiro título, como escola, em 1974.

Depois vieram os títulos de 1975, 1976, 1977, 1979, 1989, 1990, 1991 e 1993. Em 1996 a Escola vai para o Grupo de Acesso. Em 2002, com um desfile falando sobre o número quatro e suas místicas, a Camisa conquista o 2º lugar e, desde então, não voltou mais ao desfile das campeãs.

Fonte: Site oficial da Escola Mocidade Camisa Verde e Branco (www.camisaverde.net)

Samba e ações afirmativas

A riqueza musical de nosso país é extraordinária mas, de todos os gêneros, o samba é o de maior expressão. Espaço de luta do povo brasileiro, especialmente dos afrodescendentes, o samba já foi marginalizado e perseguido. Hoje é símbolo de nossa brasilidade. Essa mudança não aconteceu de uma hora pra outra. É resultado de um processo lento, que exigiu dedicação, trabalho e paixão.

Por toda sua história, o universo do samba e seus protagonistas merecem receber um olhar afirmativo do poder público e das instituições. Considerando isso, o mandato da deputada Leci Brandão dedicou especial atenção a esse segmento, permanecendo aberto ao diálogo com as comunidades, as escolas de samba e as entidades que as congregam, recebendo propostas e encaminhando demandas, sempre que possível.

A realização desta Sessão Solene na Assembleia Legislativa de São Paulo, em homenagem ao Dia Nacional do Samba, comemorado em 2 de dezembro, é um ato importante que deve servir de provocação para que legisladores e gestores públicos e da iniciativa privada elaborem e implementem projetos e políticas voltados para o universo do samba, com foco principalmente nas pessoas -os sambistas e suas comunidades.

Que assim seja!

Fonte: folheto Memória do Samba paulista – Dona Olímpia e Tio Mário, publicado pelo gabinete da deputada estadual Leci Brandão (PCdoB-SP), para homenagear o Dia Nacional do Samba (2 de dezembro).