Marsílea Gombata: Narcothrillers

Dois traficantes atiram de um carro que atravessa o deserto mexicano. A polícia vem logo atrás e uma perseguição policial de cinco minutos tem início. A troca de tiros acaba na morte dos bandidos, o que nem sempre acontece na vida real.

Por Marsílea Gombata, na Carta Capital

México

Em outra cena, um carro de luxo tenta passar pela entrada de uma favela quando é parado pela polícia. Na revista, descobre-se um pacote de cocaína no carro. O que poderia acabar em prisão termina com um “às suas ordens” de um policial para o traficante, depois de este dizer para qual facção criminosa trabalha.

Fruto da realidade, o que acontece nas cenas dos filmes El Chrysler 300El Corrido de Chuy y Mauricio e El Aguila Blanca, respectivamente, é reflexo da violência que vive o México e que alimenta uma indústria cinematográfica “lado B” no país. São os chamados narcofilmes: produções de baixo custo que trazem no enredo drogas, tiroteios, traição, perseguição, dinheiro, vingança e, claro, a velha disputa entre bandidos e policiais, que não raro trocam de papéis.

Segundo Fabio Cuttica, fotógrafo italiano radicado em Tijuana que acompanha as gravações para fazer sessões de making of, trata-se de filmes populares de ação, com temáticas relacionadas ao mundo do narcotráfico e também à fronteira entre o México e os Estados Unidos. Elementos que são tão parte do cotidiano dos mexicanos hoje como ir ao trabalho ou criar os filhos.

“O nome narcofilme ou narcocine tem origem no estilo musical que enaltece os feitos dos traficantes de drogas, os chamados narcorridos”, afirma Cuttica sobre a música popular no norte do país que no passado contava a trajetória de heróis populares e hoje tem os chefões do tráfico como protagonistas. Ele explicou ainda que o gênero cinematográfico popular tem seu embrião nos anos 1970 e o compara aos ­B-movies americanos da década de 1980 – com pouco orçamento e sem uma aspiração artística definida –, que inspirou o cineasta americano Quentin Tarantino.

Os custos para produzir esses filmes, cada vez mais, ficam menores: se há alguns anos eram necessários cerca de 50 mil dólares, hoje com 20 mil se faz um filme B mexicano. A produção é feita em série: em um mês e meio é possível gravar três filmes inteiros. Uma das principais produtoras é a Baja Films, que finaliza, em média, sete filmes por ano.

Os narcofilmes acabam fora do circuito comercial do cinema. Ao preço médio de 5 dólares, são consumidos, em sua maioria, por mexicanos de baixa renda (que não têm dinheiro para levar toda a família ao cinema, por exemplo) ou por cults que se interessam pelo gênero. A média é de 15 mil cópias vendidas, entre lojas de DVD e internet, sem contar as cópias piratas, amplamente comercializadas. Há exceções, como o caso de El Chrysler 300, que passou de 100 mil cópias vendidas.

Apesar de ficcionais, os filmes refletem e glamourizam histórias de disputas reais entre policiais e narcotraficantes ou cartéis contra cartéis. Alan Rodríguez, pesquisador e crítico de cinema no México, explica que há quem diga ainda que chefes do tráfico investem nesses filmes como forma de lavar dinheiro. “Fala-se de Edgar Valdés Villareal e Rafael Caro Quintero, famosos narcotraficantes que puseram dinheiro em filmes que falam de suas vidas.”

Rota da droga

Verdade ou não, o fato é que, quanto mais brutais os conflitos na vida real, mais violentas serão as tramas dos narcofilmes. Desde 2006, a violência decorrente do tráfico deixou mais de 55 mil mortos. Hoje, o México é uma das principais rotas das drogas a caminho dos EUA e fornece a maior parte de metanfetaminas, maconha, cocaína e derivados de papoula consumidos no mercado norte-americano. As drogas são uma indústria rentável que movimenta 100 bilhões de dólares ao ano no México.

Além da maior dose de violência nos filmes, decorrente do aumento do tráfico, houve mudança no gênero. “Se antes tínhamos sempre temas como migração, fronteira e disputas entre famílias, hoje quase não se fala mais nesses assuntos, os narcotraficantes são protagonistas e os carros de luxo usados por eles estão sempre em evidência. Onde antes havia uma história de amor e mulheres, hoje elas dificilmente têm uma posição de destaque e há muito mais papéis masculinos”, descreve.

Para Rodríguez, os filmes são pensados para o público mexicano radicado nos EUA, que busca no gênero “alívio para a solidão e a nostalgia”. “Fazem com que as pessoas se lembrem de sua música, da comida, do idioma, assim como as paisagens e os costumes. E interessam ao público por trazer uma realidade inegável, perceptível nas notícias, nos jornais e nas músicas.”

Se, por um lado, refletem a realidade, por outro, influenciam a indústria mainstream. Em 2011, o filme Salvando al Soldado Pérez, sobre um traficante influente em Los Angeles, registrou um público de 2,36 milhões e foi o segundo de maior êxito no México em 2011. Efeito semelhante deu-se com a novela La Reina del Sur, baseada na história de Sandra Ávila Beltrán, conhecida no mundo do tráfico como A Rainha do Pacífico, ou mesmo com o filme de arte Miss Bala, cujo relato é inspirado em Laura Zuñiga, miss Sinaloa presa por envolvimento com o tráfico de armas e drogas.

“Antes eu pensava que esses filmes exaltavam a violência e se aproveitavam dela para vender mais”, afirma Cuttica. “Mas, quando pergunto aos fãs do gênero se não acham os filmes violentos demais, eles dizem: ‘Vivemos em um bairro violento e nossa vida é muito mais violenta’. Tendo a entender que é um momento de entretenimento no qual se veem no ­cinema e buscam se divertir.”

*Matéria alterada às 12h38 para acréscimo de informações