Lejeune Mirhan: O mito do voto desperdiçado no Brasil

Passadas as eleições municipais em 1º turno no último 7 de outubro, é sempre bom tecermos alguns comentários sobre esse imenso processo eleitoral que mobilizou mais de cem milhões de eleitores que compareceram ás runas para cumprir seu dever cívico. Falou-se muito em uma “imensidão de votos nulos e brancos”. Quero, com este artigo, desmistificar isso.

Lejeune Mirhan *

Antes de fazermos uma análise do que se pode dizer de comportamento do eleitorado brasileiro, quero brindar nossos leitores com dados objetivos dos resultados das eleições municipais. Darei aqui dados gerais nacionais e dados das 26 capitais dos estados, sobre as quais me debrucei em estudar antes das eleições, fazendo inclusive diversos prognósticos eleitorais, especialmente sobre o desempenho futuro dos comunistas. Acabei obtendo alto índice de acertos, mas isso é tema de outro artigo.

1. Dados das eleições gerais

Como havia dito anteriormente, o cadastro nacional eleitoral esta inchado. O último recadastramento eleitoral realizado no Brasil ocorreu quando o então presidente José Sarney convocou a Assembleia Nacional Constituinte de 1986. Portanto, estamos há 26 anos sem que os eleitores sejam chamados a se recadastrarem-se. Assim, os índices de abstenções têm se mantidos elevados, acima da casa dos 15%. Num país onde o voto é obrigatório e mesmo a multa eleitoral sendo baixa (menos que quatro reais), o índice de abstenção deveria ser menor.

Vamos aos dados objetivos das eleições de 2012:

Eleitores Inscritos e Aptos a Votar (I): 138.544.348

Comparecimento (Vo): 115.807.514 – 83,58%

Abstenções (A): 22.738.693 – ou 16,41%

Votos em Branco (B): 4.874.098 – ou 4,21%

Votos Nulos (N): 5.057.996 – ou 4,37%

Votos Válidos (Vá): 105.875.260 – ou 88,06% dos que compareceram

Índice de Votos ABN: 23,58%.


Aqui quero esclarecer o que tenho chamado há uns 15 anos pelo menos de “índice ABN”. Essa é uma sigla que significa “abstenções, brancos e nulos”. A fórmula de cálculo é simples, mas não á a soma simplesmente dos três percentuais acima de abstenções, nulos e brancos. Ainda que eu tenha feito isso em artigo anterior, o mais correto, do ponto de vista matemático é calcular percentuais sobre números diferentes.

Explico. O percentual de abstenção é sobre os inscritos e os percentuais de brancos e nulos são calculados sobre os que compareceram. Mas, se quisermos entender o comportamento daqueles eleitores que “jogam fora seus votos”, por assim dizer, em termos absolutos, esse número é a soma dos que não foram votar, com os que anularam seus votos ou não votaram em ninguém (brancos). No caso do Brasil em 2012, esse número, em termos absolutos, foi de 32.670.787. A partir desse número se pode calcular, em termos percentuais, o chamado índice ABN. Esses quase 33 milhões de votos desperdiçados representam exatos 23,58% do total de inscritos. Ou dito de outra forma, apenas um em cada quatro eleitores no Brasil desperdiça seu voto.

Aos mais meticulosos e que gostam de cálculos, a fórmula como podem calcular o índice ABN em qualquer cidade segue a seguinte operação matemática: ABN = [(A+B+N)*100]/I lembrando que essas siglas são as usadas acima.

Ilustro a presente matéria com três imagens de tabela com dados oficiais e gerais que procuram mostram o comportamento do eleitorado brasileiro quanto aos quesitos abstenções, votos anulados e votos em brancos. Apresento dados gerais do Brasil todo em 2012 e dados das 26 capitais apenas nos anos de 2008 e 2012.


2. Dados das 26 Capitais

As 26 capitais brasileiras possuem os seguintes números e dados, resultantes das eleições do dia 7 de outubro:

Eleitores Inscritos e Aptos a Votar (I): 30.863.635

Comparecimento (Vo): 25.475.6131 ou 82,5% dos inscritos.

Abstenções (A): 5.388.504 ou 17,46%

Votos em Branco (B): 1.899.514 ou 7,46%

Votos Nulos (N): 1.659.951 ou 6,52%

Votos Válidos (Vá): 21.915.666 ou 71,01% dos que compareceram

Índice de Votos ABN: 28,99%.

Vejam que o índice ABN das 26 capitais, na média, é 22,94% maior que o índice nacional, ou seja, os eleitores das capitais comportam-se ligeiramente de forma diferente do que o conjunto dos eleitores brasileiros. Esse fenômeno se explica por índices ABN excessivamente elevados em cinco capitais, todas elas com índices acima de 30%: Rio de Janeiro, o campeão do ABN, com 34,03%; São Paulo, com 33,74%; Belo Horizonte com 32,55%; natal com 32,49% e finalmente Salvador com seus 31,43% de ABN (abstenções, brancos e nulos). Nessas localidades, apenas dois em cada três eleitores aptos a votarem utilizou corretamente o seu voto e não o desperdiçou. Ficam acima da média nacional para as capitais, de 28,99% e muito acima da média nacional de 23,58%. Vale registrar que nas eleições municipais de 2008, nessas mesmas cidades capitais, o índice médio foi de 25,14%.

Aqui vale o registro do seguinte comentário: os votos válidos das 26 capitais representam 20,69% dos válidos de todo o país, ou seja, em apenas 26 cidades brasileiras estão um em cada cinco eleitores de todo o país que escolheram um candidato para votar. Tal qual a renda e a riqueza neste país são extremamente concentrados, os votos válidos, os eleitores inscritos também o são. As capitais representam um quinto de todo o país que tem 5.565 municípios.

Comportamento do eleitorado nas Capitais

Gostaria agora de comentar especificamente como se comportaram os eleitores nas capitais dos estados brasileiros. Publico aqui uma planilha única cm todas as informações. Ela esta em ordem alfabética nos nomes das capitais. Assim, os dados de brancos, nulos, abstenções e índices ABN que eu mencionar aqui neste trabalho estão contidos na planilha e os leitores podem conferí-los.

1. Abstenções – diferente do que a grande mídia propagou, o comparecimento foi grande no país. A média de abstenções nas capitais foi de 17,46%, acima apenas 6,39% da média nacional. No entanto, há uma imensa variação entre as capitais. O mais alto índice de abstenções ficou com a cidade do Rio de Janeiro, com seus 20,45%. O mais baixo, ficou com Maceió, em Alagoas, com apenas 8,50% de abstenções. Que fenômeno leva que eleitores do Rio de Janeiro tenham mais que o dobro de abstenção que os de Maceió? Só uma pesquisa qualitativa poderia explicar melhor esse fenômeno.

2. Votos brancos – aqui também há muita variação entre as capitais. A média nacional das capitais foi da ordem de 7,46%. No entanto, ele varia de 10,55% em São Paulo, até ínfimos 1,87% em Macapá (AP) no Norte do país. Praticamente ninguém nessa capital perder seu voto “votando em ninguém” (esse é o significado do voto branco, ninguém). É quatro vezes a diferença.

3. Votos Nulos – a média nas capitais foi da ordem de 6,52% e a maior variação ficou para a cidade de Natal com 12,6% até Boa Vista (RR), também no Norte, com 2,08%. Mais uma vez uma capital do Norte se destaca pelo uso racional do voto. São quase seis vezes a diferença de comportamento com relação aos votos nulos entre as duas capitais.

Assim, a cidade de São Paulo, no quesito Brancos mais Nulos atinge o índice de 18,72% dos votantes enquanto que Boa Vista, capital de Roraima, chega a apenas 4,08% ou 4,5 vezes mais votos desperdiçados.

4. Índice ABN – por fim, chegamos ao percentual geral de votos desperdiçados. Se como já dissemos a média nacional foi de 23,58% dos eleitores inscritos, nas capitais esse índice ABN sobe e atinge a casa dos 28,99%. Aqui nessas 26 cidades podemos dizer que um pouco acima de em cada quatro eleitores inscritos, resolveu desperdiçar seu voto.

Há um provérbio popular que diz, “um copo que esta meio cheio, esta também meio vazio”. Assim, temos que três quintos do eleitorado comparece às urnas e escolhe um candidato ou vota na legenda de um partido.

E, em se falando de votos nominais e de legenda, não custa brindar nossos leitores com dados nacionais dos votos válidos, separando-os por nominais e de legenda. Aqui se vê ainda a força do voto na pessoa, no candidato e não no Partido, na sigla, na legenda. Dos 105.875.260 votos válidos em todo o país, 97.034.174 preferiram votar em um nome, em um número, em um candidato. Isso significa 91,64% dos votos válidos. Apenas 8.841.086 optaram em escolher uma legenda partidária, ou 8,36%.

Com isso, vê-se que ainda é forte a tradição do “vota em mim”, “confia em mim”, “eu sou mais representativo que o próprio partido”. Essa cultura arraigada e a forte tradição clientelista, são algumas das explicações para a resistência de que mudemos a cultura política em nosso país para implantarmos o voto em lista partidária, como ocorre em toda a Europa desde o fim da 2º Guerra. Mas, esse é tema para outro artigo.

Conclusões

No caso das capitais, em que pese a gritaria dos tais “analistas políticos” e mesmo os colunistas e comentaristas de plantão dos jornalões da burguesia, que alardearam “o maior índice de nulos e brancos da história”, a verdade foi completamente diferente. Algumas capitais sim, é verdade, destoaram, como mencionamos acima (cinco delas acima de 30% de ABN). O eleitor brasileiro gosta de exercer seu direito de votar, privado que foi durante décadas do regime militar e em outros momentos de nossa história.

Como vimos pelos dados, porque os eleitores de capitais do Norte do país, como Boa Vista, Porto Velho e Rio Branco comparecem mais, anulam menos e votam menos branco? Muito provavelmente, o cadastro dos cartórios eleitorais dessas capitais estão mais enxutos, reais. E nas capitais onde o ABN ultrapassa 30% houve particularidade que irritaram os eleitores. Em Sampa, inventaram até um candidato completamente artificial como o Russomano, insuflado pela mídia e parte do tucanato. Enfim, explicações ocorreram a partir de estudos e pesquisas mais específicas sobre isso.

No entanto, não me encontro entre os que bateram bumbo o tempo todo dizendo que os eleitores “protestaram nas urnas” contra a polaridade entre PT e PSDB. Acho que essa polaridade vai seguir em diante e não vejo problema algum nela. Isso na verdade procura justificar a fragorosa derrota que os tucanos e demistas já tiveram no 1º turno e neste segundo turno, nas 50 cidades, deve se ampliar ainda mais a sua derrota. Vamos conferir.

* Sociólogo, professor, escritor e arabista. Lecionou Sociologia, Ciência Política e Métodos e Técnicas de Pesquisa na Unimep entre 1986 e 2006. Presidiu a Federação Nacional dos Sociólogos entre 1996 e 2002 e o Sinsesp de 1997 a 2010. É colaborador da revista Sociologia da editora Escala e dos portais Vermelho e Grabois. E-mail: lejeunemgxc@uol.com.br.