Estudo questiona uso de aviões não tripulados contra terroristas

Ataques com aeronaves não tripuladas que disparam mísseis, os conhecidas como drones (zangão, em inglês) aumentaram 500% durante o governo de Barack Obama e se transformaram na marca registrada da política de segurança nacional do presidente americano.

Obama autorizou 298 ataques com drones no Paquistão – seis vezes mais do que o governo Bush. Estima-se que 2.143 pessoas tenham sido mortas por drones durante a Presidência de Obama, cinco vezes mais do que no governo anterior.

O governo Obama defende o uso dos drones como a maneira mais eficaz de combater "terroristas" nos territórios tribais no Paquistão.

Segundo o governo, "eles poupam mortes entre militares americanos, são mais precisos e ajudaram a decapitar a liderança da Al-Qaida e do Talibã".

Mas um estudo recém-publicado pelas universidades de Nova York e Stanford aponta que 98% dos mortos em ataques de drones são civis ou militantes do baixo escalão, e só 2% dos mortos são os "alvos de grande valor", as lideranças terroristas.

"O governo Obama precisa reavaliar urgentemente o uso de drones: nós não declaramos guerra contra o Paquistão, mas 800 mil pessoas de Waziristão do Norte e do Sul vivem de fato em uma guerra", disse James Cavallaro, diretor da Clínica de Direitos Humanos e Resolução de Conflitos da Escola de Direito de Stanford e um dos autores do estudo "Vivendo sob os drones".

Segundo o estudo, o governo Bush usava mais os chamados "ataques a personalidades", em que fontes de inteligência identificavam supostos líderes terroristas, que eram então alvejados por mísseis de drones.

Já Obama opta pelos ataques "de assinatura", que têm como alvo "grupos de homens que têm assinaturas, características associadas a atividade terrorista, mas cujas identidades não necessariamente são conhecidas". Esses ataques dão margem a muitos erros.

Além disso, diz Cavallaro, a política de ataques está deteriorando ainda mais as relações entre Paquistão e EUA e funciona como um instrumento de recrutamento de terroristas eficiente.

Segundo recente pesquisa do Pew Research Center, 74% dos paquistaneses acham que os EUA são o inimigo.

Civis aterrorizados

Os mísseis disparados dos drones causam a morte por incineração, por estilhaços e por esmagamento dos órgãos internos pelas ondas liberadas na explosão. Os sobreviventes muitas vezes têm de amputar membros, perdem visão ou audição e ficam desfigurados por queimaduras.

"No Waziristão do Norte, há civis aterrorizados 24 horas por dia por drones que ficam sobrevoando vilarejos, com seu zumbido onipresente, e podem disparar seus mísseis a qualquer momento", disse Cavallaro.

Então como combater o terrorismo no Paquistão?

"Se alguém comete um crime no Brasil e vai para a Argentina, o Brasil manda um drone para lá para matar o sujeito? Existem formas de prender essas pessoas, em vez de matar", diz Cavallaro.

Christine Fair, professora da Universidade Georgetown, discorda das conclusões.

"Nós usamos drones nas regiões tribais simplesmente porque essa é a única maneira de atingir terroristas lá; a polícia do Paquistão não entra nessas áreas, é impossível prender alguém", diz ela.

Para ela, o relatório tira conclusões que não são corroboradas pelos dados. "E as entrevistas com vítimas foram intermediadas por uma entidade antidrones, então são enviesadas", diz. "Até o Paquistão parar de proteger facções terroristas, a única opção dos EUA são drones."

Os ataques são feitos com a anuência do Paquistão. Mas, na medida em que aumentaram os ataques, cresceu também a oposição no país.

Em abril, o Parlamento paquistanês retirou a autorização para os EUA lançarem drones. O governo americano ignorou. Os EUA têm usado drones no Iêmen e na Somália também.

"Meu corpo todo queimava"

Leia abaixo trecho do estudo "Vivendo sob os drones", com relatos de vítimas dos ataques dos EUA.

"Na noite de 23 de janeiro de 2009, no vilarejo de Zeraki (Waziristão do Norte), parentes e vizinhos se reuniram na casa do líder local Mohammad Khalil.

Às 17 horas, os presentes ouviram um som similar ao apito de um míssil e abaixaram a cabeça. O míssil atingiu o meio da sala, explodindo teto e telhado e estilhaçando as janelas. O impacto rachou as paredes das casas vizinhas.

Faim Qureshi, 14, estava a alguns passos do centro da sala e sofreu fratura no crânio, além de ter sido atingido por estilhaços e sofrido queimaduras em todo o lado esquerdo do corpo e do rosto. Todos os outros reunidos na sala foram mortos, inclusive mulheres e crianças.

Nos primeiros momentos depois do ataque, Faim disse que 'não conseguia pensar'. 'Eu sentia que meu cérebro tinha parado de funcionar e meu coração estava queimando', disse. 'Meu corpo inteiro queimava e ardia.'

Faim queria jogar água em seu rosto, mas não conseguia encontrar nenhuma. Após alguns minutos, conseguiu sair da casa e ir até a rua, onde foi encontrado por vizinhos e levado ao hospital.

Faim perdeu seu olho esquerdo e teve de substituí-lo por um olho de vidro. Ele perdeu a audição de um dos ouvidos. A visão em seu olho direito ainda é embaçada e ele tem dificuldades para se mover.

O primo de Faim, Ejaz Ahmad, não foi à reunião e descobriu, na manhã seguinte, que seu tio Khush Dil Khan morrera. 'Os corpos estavam completamente destruídos', contou.

Khalil deixou nove filhos. Sua casa está sem teto até hoje. Sem o provedor, a família não tem dinheiro para consertos."

Fonte: Folha de S.Paulo