Serec: Um documentário coletivo para uma tarefa coletiva

Glauber Rocha, o grande cineasta brasileiro, dizia que para fazer um filme bastava ter uma câmera na mão e uma ideia na cabeça. Ele, como outros cineastas de sua época, pensavam que a realidade era tão urgente que sobravam razões para registrá-la.

Por: Raúl Contreras*, Rodrigo Salinas** e Pía Ocampo ***

Muitos destes realizadores olhavam e construíram esta realidade com olhares coletivos. Não podia ser de outra maneira. Era o povo, como coletivo, que construía uma realidade projetada para este futuro sonhado por tantas gerações. Fosse em documentários, como os do Cinema de Base ou os do Cinema Libertação, ou em ficção realista, como as realizações do Grupo Ukamau na Bolívia ou as do Cinema Experimental da Universidade do Chile; o cinema deveria denunciar, propor linguagens e sobretudo acompanhar os processos de transformação das sociedades latino-americanas.

Quando o frio inverno de 2009, um grupo de amigos nos demos conta da tarefa de realizar um documentário sobre o cobre; consciente ou ou inconscientemente a memória que o Novo Cinema Latino-americano nos amparava. Consciente, porque não contávamos com mais recursos do que uma câmera emprestada e uma ideia (ainda confusa) na cabeça. Inconsciente, porque apesar da importância de trabalhar sobre a principal riqueza do Chile, não vislumbrávamos o grande número de pessoas e organizações que, há muito tempo, vinham refletindo e conscientizando sobre a importância de recuperar a dignidade nacional do cobre.

Assim começamos um projeto que buscava reconstruir a história política e econômica do cobre no Chile, desde o começo de sua exploração e as lutas por sua nacionalização, até a atual entrega quase total do recurso. Já com os primeiros registros e leituras observávamos que para entender a história do Chile, pelo menos a dos últimos 120 anos, era vital entender a história da mineração, a do salitre e, especialmente, a do cobre. A história não poderia ser entendida senão pela luta dos trabalhadores, a construção de alianças políticas, a intervenção imperialista e a cooptação de parte importante dos setores políticos dirigentes que rapidamente fizeram acordo com o capital norte-americano para impedir o avanço da nacionalização.

Por isso não poderíamos reproduzir as teses da unidade nacional em torno do cobre, aquela teoria do empate que inunda as paisagens da história nacional recende (todos fizeram algo bom e algo ruim) e que tenta explicar, por exemplo, o processo que levou ao Golpe de Estado (1973) ou a aparente continuação da história da nacionalização de Frei até Allende (onde, inclusive, alguns incluem Ibáñez). No dia 11 de julho de 1971, o Congresso Nacional aprovou a nacionalização do cobre e a grande mineração, diz-se, mas são omitidas todas as lutas e o trabalho das organizações de trabalhadores, dos partidos e movimentos de esquerda (e de setores da Democracia Cristã que representavam a ala progressista deste conglomerado) que estabeleceram o consenso nacional que obrigou aos setores mais conservadores do país assumir a nacionalização do cobre como a melhor alternativa.

Em 2011, já quase concluíamos o trabalho e o movimento pela educação voltava a colocar o cobre na discussão nacional. Nas ruas, nos muros, nos panfletos e nos discursos, se sintetizavam as conclusões de economistas críticos que, durante anos, se dedicaram a estudar a questão do cobre e a denunciar a péssima política nacional a respeito desta riqueza. Nestes momentos, enquanto registrávamos as massivas marchas em Santiago, sentíamos que fazia ainda mais sentido concluir nosso projeto e entregá-lo a todos os que o queriam como contribuição para a construção da realidade que queremos, como um material que entregue mais elementos para fundamentar as atuais lutas e projetos importantes do povo chileno.

Há poucas semanas liberamos na internet o resultado final do nosso trabalho, o documentário Serec (sigla em espanhol que significa "roubaram o cobre"). Paradoxalmente nos mesmos dias o governo do Chile decidia entregar o lítio para a privatização, negando-se com isso a uma política soberana a respeito deste recurso tão estratégico, na atualidade. Tal e como fez a Concertação (coalizão de centro esquerda) como o cobre, hoje o faz a direita com o lítio.

Não podemos ter uma política soberana sobre os recursos, uma exploração razoável e meio ambientalmente responsável destes, enquanto não conseguirmos instalar, novamente, que o cobre e todos os recursos naturais devem ser do povo do Chile e que um Estado que represente os interesses deste povo deve administra-los, para que as riquezas do território sejam sinônimo da riqueza de seus habitantes.

Serec é nossa contribuição coletiva … para avançar nesta tarefa coletiva.

Veja o documentário, em espanhol, na íntegra: 

* Raúl Contreras é antropólogo e membro do coletivo Obreros Visuales
** Rodrigo Salinas é cineasta, diretor do documentário e membro do coletivo
*** Pía Ocampo é socióloga e também integra o coletivo chileno

Tradução da redação do Vermelho, Érika Ceconi