MK Bhadrakumar: Obama e os limões amargos da Primavera Árabe

Os ataques contra embaixadas dos EUA na Líbia e no Egito são péssimo sinal, porque aconteceram na 3ª-feira, aniversário dos ataques de 11 de Setembro.

Por MK Bhadrakumar*, no Indian Punchline

Mas se o ataque em Bengasi parece ter sido operação bem planejada, o incidente no Cairo teve características de movimento repentino, brotado da fúria da multidão nas ruas e disparado por filme distribuído por YouTube que difama o Profeta e o Islã (e produzido, curiosamente, por um judeu israelense de história obscura) e que ecoou diretamente no vasto repositório de “antiamericanismo” que é a sociedade egípcia hoje.

Mesmo assim, os dois incidentes devem ser analisados juntos. Não há dúvida de que houve elementos islamistas radicais por trás do caso do Cairo, e o ataque em Bengasi, com características de ação de Fedayeen, está sendo atribuído ao grupo Ansar al Sharia, que tem base no norte da África e é ligado à al-Qaida de ideologia salafista. Mas o que realmente “une” os dois incidentes em termos políticos é que ocorreram em dois países nos quais já houve “mudança de regime”, na sequência da chamada Primavera Árabe.

Cabeças em Washington bem fariam se começassem a pensar seriamente sobre a que tudo isso está levando no Oriente Médio. No caso do ataque na Líbia sobretudo, o embaixador Chris Stevens, que foi morto, estava na linha de frente das operações clandestinas coordenadas pelo ocidente para derrubar o regime de Muammar Gaddafi. Foi movimento de “dar-o-troco”, do tipo que os EUA estão conhecendo também no Afeganistão, onde se uniram à Al-Qaida nos anos 1980 e colhem, até hoje, os frutos amargos daquela união.

Por ironia, o mais recente bloco de telegramas “não secretos” do departamento de Estado dos EUA liberados no início dessa semana em Washington mostram o quão intensamente os EUA negociaram com o grupo Haqqani no Afeganistão, ao longo de toda a década passada. Mesmo assim, no fim-de-semana, o governo dos EUA decidiu incluir a rede Haqqani em sua “lista negra” de organizações terroristas. Do mesmo modo, há farta documentação que prova que as operações clandestinas para derrubar Kadafi serviram-se de muitos grupos e elementos da Al-Qaida como “coturnos em solo”, sem qualquer discrição ou restrição de consciência, porque aqueles combatentes foram considerados como os únicos com suficiente competência para enfrentar as forças do governo local.

Ironia muito maior é, agora, os EUA despacharem navios de guerra armados com mísseis cruzadores Tomahawk para a costa da Líbia. Lembram dos mísseis Tomahawk? São os mísseis disparados contra Kandahar e Cabul pelo então presidente Bill Clinton, depois dos ataques contra as embaixadas dos EUA no Quênia e na Tanzânia em 1998. Três anos depois, a Al-Qaida deu o troco em New York e Washington.

A menos que Washington comece logo a repensar e repense seriamente, repetirá o erro líbio, com consequências muito mais graves, na Síria – onde elementos da Al-Qaida já estão incorporados nas operações clandestinas dos EUA para derrubar o governo de Bashar al-Assad. Dito claramente: a “mudança de regime” fracassou na Líbia e voltou, feito bumerangue. A diplomacia dos EUA no Cairo, enfrenta batalha montanha acima.

O presidente Barack Obama bem faria se lesse, e rápido, o que está escrito na parede.

*Foi diplomata de carreira do Serviço Exterior da Índia. Prestou serviços na União Soviética, Coreia do Sul, Sri Lanka, Alemanha, Afeganistão, Paquistão, Uzbequistão e Turquia. É especialista em questões do Afeganistão e Paquistão e escreve sobre temas de energia e segurança para várias publicações, dentre as quais The Hindu, Asia Online e Indian Punchline. É o filho mais velho de MK Kumaran (1915–1994), famoso escritor, jornalista, tradutor e militante de Kerala.

Fonte: Redecastorphoto. Traduzido pelo coletivo Vila Vudu