Silêncio estrondoso no debate sobre o amianto no Brasil

Um silêncio estrondoso acompanhou as audiências do Supremo Tribunal Federal, nos dias 24 e 31 de agosto, dedicadas a debater a manutenção ou banimento do amianto no Brasil. A mídia dedicou pouca ou nenhuma atenção à explosiva questão que, em outros países, tem mobilizado profundamente a sociedade. Por conseguinte, a opinião pública não tomou conhecimento nem debateu o assunto. Não foi por falta de jornalistas em Brasília nestas semanas de “mensalão”.

Por Claudio Bernabucci, em Carta Capital

O país é o terceiro maior produtor mundial, grande exportador e consumidor do produto. Em base aos cálculos das mais prestigiosas instituições científicas internacionais, a poeira do amianto é responsável pela morte de centenas de milhares de pessoas no mundo, vítimas de doenças respiratórias e vários tipos de câncer, que possuem em comum uma característica perversa: um período de latência de muitos anos entre a exposição e o aparecimento da doença.

A produção e o consumo do mineral foram banidos em 66 países: os europeus, mas também muitos do sul do mundo, entre os quais três vizinhos, Argentina, Chile e Uruguai. Não obstante, esta catástrofe sanitária continuará provocando milhões de vítimas nos próximos anos, já que a produção mundial cresce nos países emergentes.

O uso do amianto pode ser perfeitamente substituído por materiais ligeiramente mais caros, mas, evidentemente, a lógica dos negócios é mais forte do que as preocupações sanitárias. No Brasil, a situação é paradoxal e trágica ao mesmo tempo: a lei federal de 1995 admite extração e uso controlado do material, enquanto sete leis estaduais proíbem a sua utilização. As vítimas são numerosas, mas foram escondidas ou silenciadas, sem suscitar mais escândalos. Para quem tiver interesse em aprofundar a problemática, sugiro o site da Associação Brasileira dos Expostos ao Amianto e o da mais qualificada academia científica mundial sobre saúde ambiental e ocupacional, o Collegium Ramazzini.

Um antecedente fundamental para a nossa reflexão é a condenação, em fevereiro passado, de dois proprietários da multinacional Eternit – entre as principais produtoras de amianto no mundo – pelo Tribunal de Turim, na Itália, por “desastre culposo permanente” e “omissão dolosa de medidas anti-infortúnio”.

No processo de envergadura internacional promovido pelas vítimas da fábrica instalada na região do Piemonte, o magnata suíço S. Schmidheiny e o barão belga L. de Cartier foram condenados a 16 anos de prisão, além do pagamento de centenas de milhões de euros como ressarcimentos. Ficou provado que há décadas eles tinham conhecimento dos efeitos mortais do amianto e os esconderam para preservar o próprio business.

Imediatamente após a publicação dessa notícia – curiosa coincidência –, a Eternit ofereceu anúncio que CartaCapital recusou. Outras revistas e jornais consideraram mais conveniente aceitar a oferta. Agora que a disputa pela proibição do amianto se acirra e chega ao Supremo Tribunal – que deveria se pronunciar de forma definitiva nos próximos meses –, outra curiosa coincidência: CartaCapital retoma o assunto e os outros se calam. Não só: no aeroporto de Brasília um outdoor de propaganda da maior mineradora de amianto do País exibe o logotipo de duas destacadas revistas nacionais, que, “sensibilizadas”, apoiam a campanha pela manutenção do amianto.

Esse uso triste e cínico da liberdade de expressão encontra infelizmente o seu pendant institucional na inépcia do Parlamento, onde uma proposta de lei a favor do banimento está congelada faz anos graças à “bancada da crisotila”, um grupo lobístico batizado com o nome da variedade de amianto extraída no Brasil. Fiéis ao princípio de que Deus é brasileiro (e com jeitinho pode até virar amigo), esses senhores defendem a tese dos produtores: a de que o amianto nacional não é nocivo como no resto do mundo. A posição da comunidade científica internacional, da OMS e da Organização Internacional do Trabalho é oposta, mas a influência dos “defensores” do amianto chega até o governo federal, condicionado pela posição “indulgente” dos ministérios das Minas e Energia e do Desenvolvimento, Indústria e Comércio.

Neste quadro de imobilismo funesto, é de se esperar que o Supremo possa, em curto prazo, exercer certa função de suplência da política, como vem ocorrendo nos últimos tempos, para posicionar o Brasil – no respeito da Constituição – ao lado dos países mais atentos a preservar a saúde dos próprios cidadãos. Convém lembrar que a política, ao não exercer com eficiência a própria missão, deixa perigosos espaços vazios. Na melhor das hipóteses, tais espaços são ocupados pelo poder judiciário, mas frequentemente o são por interesses corporativos ou criminosos. No caso do amianto já se conhecem os nomes dos mandantes e dos cúmplices.