Comissão de Saúde da Câmara discute a falta de médicos na Capital

Uma rica discussão com especialistas e gestores públicos sobre a falta de médicos na capital marcou a sessão da Comissão de Saúde da Câmara Municipal de São Paulo desta quarta-feira, 22.

Jamil Murad

“Estamos aqui para abordar este problema de maneira racional, sem paixões, porque queremos contribuir de fato para mudar essa situação”, disse o vereador Jamil Murad (PCdoB), presidente da Comissão, ao abrir os trabalhos.

Para Jamil, o debate não pode ser superficial porque envolve questões variadas e de resolução complexa, como a melhoria nos salários, a valorização da categoria, a formação, a progressão na carreira, a violência que muitos sofrem ao trabalharem em locais sem segurança – fator que acaba afastando os profissionais das periferias – entre muitos outros.

Segundo o vereador, o “problema é que São Paulo tem dois SUS, um administrado pelo estado e outro pela prefeitura”, o que acaba gerando uma série de atritos e dificuldades administrativas. “A concepção do SUS é unir energias para resolver as dificuldades. Temos persistir na construção do SUS porque assim, conseguiremos garantir atendimento universal e de qualidade para o nosso povo”.

Urgência e Emergência

A superintendente da Autarquia Hospitalar Municipal, Flávia Maria Porto Terzian, colocou que o maior problema hoje no que diz respeito à falta de médicos está na urgência e emergência. Segundo ela, a função exige médicos treinados e experientes e estes profissionais muitas vezes não querem mais trabalhar nesta área devido ao estresse, à sobrecarga e à perda de qualidade de vida.

Flávia disse ainda que a Prefeitura “criou planos de cargos e carreiras, uma valorização antes não prevista” e que já existe um concurso público a ser lançado em breve que tramita na Secretaria de Gestão. De acordo com ela, uma das soluções para o problema é que a urgência e a emergência estejam no foco desde a formação dos médicos.

Serviço Civil

Sigisfredo Brenelli, professor da Unicamp e ex-diretor do Departamento de Gestão de Educação em Saúde do Ministério da Saúde, ressaltou que embora existam mais de 190 faculdades de medicina, “o aparelho formador dos médicos no país não dá conta das atuais necessidades”, o que tem a ver não com a quantidade de instituições, mas com o foco dos cursos.

Ele também colocou e que outro problema é fixar os médicos nos locais onde eles estão em falta. “O que fixa o médico num local é a residência e não a faculdade”, explicou, mostrando que dos egressos da Residência Médica no período entre 1996 e 2005, 82% trabalham na mesma Unidade da Federação.

Para enfrentar tais problemas, Brenelli defendeu, entre outros pontos, a implantação de um serviço civil para médicos. A exemplo do serviço militar, consistiria na prestação obrigatória de serviço pelo médico recém-formado por um ano nos locais com maior déficit.

Atenção básica

Florisval Meinão, presidente da Associação Paulista de Medicina, destacou que um dos principais problemas da saúde na cidade está na atenção básica, em especial na aplicação do Programa Saúde da Família. “Se o futuro prefeito conseguir aumentar o acesso e melhorar a estrutura da atenção básica, terá dado um grande passo porque este serviço permite prevenir problemas, promover a saúde e acompanhar casos crônicos”.

Além de ressaltar questões como as condições de trabalho adversas, ele disse ainda que a falta de resolutibilidade nos locais de atendimento dificulta o desempenho dos médicos, o que impede que o profissional dê ao paciente as respostas que ele pede e necessita por meio de exames, internações e encaminhamentos para especialistas. “A cadeia subsequente ao atendimento primário não funciona”, constatou.

Gerenciamento e financiamento do SUS

Otelo Chino Júnior, diretor do Sindicato dos Médicos de São Paulo, advertiu para os problemas de gerenciamento do SUS e para a falta de estímulo à continuidade da carreira no sistema público como fatores determinantes para a falta de médicos. “A filosofia precisa mudar. Na gestão Serra, por exemplo, acabaram as mesas de negociação”, disse. Ele também ressaltou que “as organizações sociais contratam de maneira precarizada e com salários insuficientes”.

Renato Azevedo, do Conselho Regional de Medicina, disse que o problema da falta de médicos “virou uma falácia; a raiz do problema é o financiamento”. Ele argumentou também que há uma má distribuição dos médicos (64% estão no centro expandido), más condições de trabalho, remuneração baixa, ausência de plano de carreira, entre outras questões.

Ele criticou o fato de o Estado brasileiro como um todo – envolvendo as esferas municipal, estadual e federal – não ser capaz de regular a distribuição dos médicos. “A regulação acaba ficando a critério do mercado porque o Estado é ausente, o que é um erro”.

Azevedo lembrou que o país investe apenas 3,5% do PIB na saúde (na Argentina, por exemplo, este índice é de 6,5%) para atender mais de 160 milhões de brasileiros. O sistema privado, por sua vez, investe o equivalente a 5% do PIB e atende apenas 47 milhões de pessoas, muitas das quais também recorrem ao SUS.

Também participaram do evento, representando a prefeitura, Paulo Kron, coordenador de Apoio à Gerência Hospitalar, e Edjane Torreão Brito, coordenadora de Atenção Básica.

Fonte:Portal Jamil Murad